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Estudos sobre livros didáticos e sobre educação de jovens e adultos

1.4 O livro didático e a forma escolar

1.4.1 Estudos sobre livros didáticos e sobre educação de jovens e adultos

Até poucas décadas atrás, o livro didático era colocado na tradição acadêmica — o que de certo modo se refletia na opinião púbica — como o cerne dos problemas educacionais brasileiros. Um autor que bem destaca essa tendência é Kazumi Munakata, em sua tese de doutorado na qual cita autores43 que assumiram a linha da análise ideológica,

bem como transcreve episódios noticiados pela imprensa — o que, de certa forma, em alguns momentos, assume tom anedótico, tamanho é o estigma que se atribui a esse produto editorial:

Sobre os livros didáticos produzidos no Brasil recaiu série de acusações como se eles fossem os principais responsáveis pelas mazelas da Educação brasileira. Análises abstratas de

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Dentre os quais destacaremos, com suas respectivas obras: FRANCO, Maria Laura P. Barbosa. O livro

didático de história no Brasil. São Paulo, Global, 1982. (Teses, 9) FARIA, Maria Lúcia G. de. Ideologia no

livro didático. 10. ed. São Paulo, Cortez/Autores Associados, 1991. (Polêmicas do Nosso Tempo, 7) ECO, Humberto & BONAZZI, Marisa. Mentiras que parecem verdades. 6. ed. São Paulo, Summus, s.d. FREITAG, B.;

conteúdo denunciavam-lhes a ideologia subjacente, e abordagens de indústria cultural caracterizam-nos como instrumentos da hegemonia burguesa e da acumulação capitalista.44

Subitem da superestrutura, tema pouco valorizado para sondagens acadêmicas, o livro didático era, grosso modo, estudado apenas para constatar a determinação direta entre a base econômica e os sistemas simbólicos.

Entretanto, ultimamente tem-se verificado que o livro didático ganha legitimidade como objeto de pesquisa no cenário intelectual, fato que se comprova pelos trabalhos de Circe Bittencourt45, Kazumi Munakata, Célia Cristina F. Cassiano46, Luciana Telles de

Araújo47, entre outros, que ultrapassam os limites impostos pelas lentes da análise

ideológica e inscrevem o livro escolar como material portador de significações e historicidade próprias.

Livro é signo cultural na e pela sua materialidade, pela sua natureza objetivada como mercadoria, resultado de uma produção para o mercado. A análise do livro requer, pois, a recusa do idealismo que sobrevaloriza a ideação da Obra e desdenha o momento da produção editorial. Ao contrário do que muitos acreditam, não há no livro a imediatez das idéias; é a soma (material) como elas se apresentam, tão desprezada em certos meios, que lhes confere possibilidade e ocasião de significação.48

Em função da grande divulgação do PNLD implementada em 1985, pelo volume de materiais distribuídos e pelo montante de recursos financeiros envolvidos, o livro didático ganhou visibilidade junto à opinião pública. Essa posição de destaque tem revertido também em estudos acadêmicos, como os de Eloisa Höfling, que critica a concentração dos resultados dos PNLD em número reduzido de Editoras — todas circunscritas na cidade de

44

MUNAKATA, Kazumi. Produzindo livros didáticos e paradidáticos. São Paulo, PUC-SP/EHPS, 1997. Tese de doutorado.

45

BITTENCOURT, Circe M. F. Livro didático e conhecimento histórico: uma história do saber escolar. São Paulo, USP/FFCLH, 1993. Tese de doutorado.

46

CASSIANO, Célia C. de Figueiredo. Circulação do livro didático: entre práticas e prescrições. São Paulo, PUC/EHPS, 2003. Dissertação de mestrado.

47

ARAÚJO, Luciana Telles. O uso do livro didático no ensino de história: depoimentos de professores de

escolas estaduais de ensino fundamental situadas em São Paulo/SP. São Paulo, PUC/EHPS, 2001.

São Paulo —, e os de Antonio Augusto Gomes Batista, que analisa os PNLD, entre outros aspectos.

Estudar o livro didático requer, portanto, atentar não só ao seu conteúdo, pois há que se considerar a tradição crítica que o enquadra como produto cultural, mas também articular seu significado entre os agentes que dele se utilizam ou participam de sua elaboração. Se, por um lado, há (ou não) um conteúdo prescrito e, no caso dos PNLD, uma forma de apresentação e de circulação, por outro lado, autores, editores, professores, pais, alunos, opinião pública são agentes desse processo e reelaboram o produto nos âmbitos em que ele lhes é destinado, re-significando-o conforme o uso que dele fazem.

Egil Borre Johnsen49 destaca três categorias de estudo do livro didático

desenvolvidas no mundo: os que se centram no conteúdo (do ponto de vista da mensagem ideológica subjacente); o da produção; e o do uso (em sala de aula).

Nosso objetivo aqui é estudar a produção do livro didático, ou seja, a sua conformação material: o projeto editorial, o número de volumes, o número de páginas de cada volume, a tiragem, a capa, as cores, os recursos gráficos, o conteúdo selecionado, a linguagem, o processo editorial, a divulgação. Mas não se trata de qualquer livro didático, mas daqueles destinados a jovens e adultos que não puderam completar seus estudos na idade regular. Que contornos as Editoras fazem desse público? E que material é esse? Como ele se diferencia dos demais materiais por elas disponibilizados aos estudantes?

No que se refere aos estudos do ensino de jovens e adultos, muitos são os trabalhos desenvolvidos até o momento. Podemos destacar os que constam da obra organizada por Sérgio Haddad através da entidade não-governamental Ação Educativa, que, entre outras tarefas, dedica-se a prestar assessoria a órgãos governamentais e instituições a eles ligadas e que produz materiais didáticos comercializados no mercado.

Sérgio Haddad organizou um estudo em que objetiva:

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MUNAKATA, K. Op. cit. p. 18-9.

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detectar e discutir os temas emergentes da pesquisa em educação de jovens e adultos no Brasil. A pesquisa compreendeu trabalhos que abordam as concepções, metodologias e práticas de educação de pessoas jovens e adultas, envolvendo questões relativas à psicologia da educação, à formação de educadores, ao currículo e ao ensino e aprendizagem das disciplinas que o compõem.50

A análise de materiais da Ação Educativa mostra que tais estudos concentram-se prioritariamente em experiências localizadas de alfabetização, questões de formação do professor, currículos, e não se detêm no estudo de livros didáticos, quaisquer que sejam os aspectos: conteúdo, produção ou uso. Nas raras referências, o livro didático é mencionado ao largo, como elemento coadjuvante dos processos em foco.

Chegando a essa parte de texto acreditamos ter explanado o cenário no qual se localiza o objeto da pesquisa, os livros didáticos de educação de jovens e adultos: exemplares de formatação variada derivados de iniciativas dispersas e muitas vezes vinculadas à prática educacional localizada e, no segmento das maiores Editoras de livros didáticos do país, apenas duas coleções dentre centenas de obras que compõem, em determinados anos, uma produção que supera a marca de dezenas de milhões de exemplares.

Como já vimos, a dispersão de publicações por organizações diversificadas, a maioria das quais não vinculadas a Editoras comerciais que concorrem com outros produtos no mercado, deve-se à descentralização das iniciativas no setor que foi se intensificando a partir da década de 1990.

Também já se assinalou que o livro didático está intimamente ligado à forma escolar disseminada há um século ao menos. Se considerarmos esse aspecto, é evidente que, na ausência de uma forma escolar definida para a EJA e na indeterminação de continuidade dos programas que se constituíram, os livros didáticos também não tenham se formatado para essa modalidade de ensino. Se o ensino carece de livros, a recíproca também pode ser

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O título do trabalho é O estado da arte das pesquisas em educação de jovens e adultos no Brasil: a

produção discente da pós-graduação em educação no período 1986-1998. São Paulo, 2000 e foi citado em

verdadeira: o livro se define conforme o ensino, e as Editoras ressentem a ausência de uma forma.

Os elementos analisados nas obras escolhidas (capa, imagens, autores, conteúdo) refletem de alguma forma o quadro geral. Seguindo indagações do tipo “o quanto se agrega nos livros didáticos de EJA comparativamente ao que se agrega nos livros didáticos destinados ao mercado ou ao MEC”, buscamos explicitar alguns desses aspectos.