• Nenhum resultado encontrado

instituições escolares de educação de jovens e adultos

3. Livros didáticos para educação de jovens e adultos

3.1 A concentração das Editoras

3.1.1 Duas Editoras comerciais

Após a listagem do material de EJA disponível para consulta, a pesquisadora checou se as outras Editoras com participação no PNLD tinham títulos para EJA. A consulta ao catálogo das maiores Editoras comerciais e ao site das livrarias Cultura e Saraiva entre o ano de 2003 e o mês de junho de 2004 levou a pesquisadora a reafirmar a constatação de que apenas duas das maiores Editoras comerciais possuem coleções para EJA93: a Ática e a

FTD94. Se de fato alguma outra Editora tem obras didáticas de EJA, não fazem sua

divulgação em livrarias, nem expõem seus títulos no site da empresa.

Como já se disse, este trabalho fará um estudo mais detalhado das coleções dessas duas Editoras. Antes, porém, dada a constatação da escassez desse material no mercado, acreditamos pertinente indagar em que momento essa produção se encaixa na programação dessas duas Editoras, qual o investimento dedicado a ela e quais as expectativas que os editores têm do produto. Algumas entrevistas com os agentes envolvidos nas decisões editoriais se prestam a responder a essas questões, e isso será feito e transcrito ao longo do trabalho, porém uma análise comparativa entre os materiais de EJA e os considerados de maior prioridade também pode fornecer dados que nos levem a entender tal panorama. Esse

93

Sobre o conceito de coleção, ver: TOLEDO, Maria Rita de A. Coleção Atualidades Pedagógicas: do projeto

político ao projeto editorial (1931-1981). Op. cit., p. 2-5. E OLIVERO, Isabelle. L´invention de la colection. Paris, IMEC/Maison des Sciences de H´Homme, 1999. Esta última autora analisa as operações editoriais que configuraram o surgimento de coleções com o objetivo do barateamento dos custos unitário de produção. Nesse caso, eram livros de diversas naturezas: devocionais, para moças, de divulgação científica. Nesta dissertação não nos deteremos a analisar a origem das coleções didáticas como estratégia editorial. Mas pode- se considerar que essas coleções apresentam uma padronização na forma de apresentação (capa, formato, projeto gráfico), bem como no que se refere à autoria e à divulgação — o que provavelmente diminui os custos de produção em relação ao lançamento de unidades de livros isoladas.

exercício pode revelar importantes estratégias adotadas por esses agentes, suas representações do público consumidor (o aluno? que aluno?; o professor? ou o avaliador?), segundo suas visões do mercado editorial e perspectivas de negócio.

Os editores, ao materializar suas obras, o fazem segundo sua leitura do mercado, suas metas, e as destinam a um público específico também conforme as representações que fazem dele. Há que se ressaltar, no entanto, que ao investigar livros didáticos do ensino regular e da EJA, estamos lidando com dois produtos diferentes e cujos processos produtivos, portanto, podem envolver aspectos também diferentes.

Antes de partir para a análise dessas duas realidades, há ainda que se distinguir duas situações hoje integradas ao cotidiano das Editoras no que diz respeito à produção de livros didáticos para o ensino regular: a destinada a alunos das escolas particulares e a destinada a alunos de escolas públicas, ou seja, os que são atendidos pelo PNLD. Posto que são produtos de destinação específica (“livro para o mercado” e “livro para o PNLD ou MEC”, como se diz no jargão das Editoras), é plausível supor que eles conformem dispositivos editoriais e suportes materiais também específicos.

A produção de livros para EJA segue, portanto, uma determinação diversa dos dois produtos prioritários (para o governo e para o mercado) e é viabilizada conforme a disponibilidade de tempo — encaixando-se entre as programações principais —, de mão- de-obra e de verba. É, portanto, um produto secundário. A implantação do PNLD fez com que as Editoras se reestruturassem para atender às regras impostas pelo programa. Nesse sentido, elas passaram a planejar sua programação conforme a projeção95 que fazem da

provável data da próxima publicação do edital de convocação, das regras por ele determinadas, do prazo de inscrição, das expectativas dos avaliadores. Por sua vez, a

94

Curiosamente, as duas de maior vendagem para o MEC. 95

É de se notar que embora se trate de uma projeção, pois as regras podem mudar a cada PNLD e a cada equipe de governo, a análise das obras identificadas no Guia indica que as Editoras trabalham com base na experiência acumulada, partindo daquilo que já apresentaram e em cujas inscrições e vendas obtiveram sucesso. Também é factível conceber que parte dessas projeções se baseia nas negociações prévias entre governo e entidades representantes do setor editorial antes da proposição pública do edital de convocação. Se a cada governo mudam os agentes instituídos (MEC, FNDE), o setor se adapta a esse panorama depositando em novos interlocutores e em outras vias de comunicação o acesso ao poder público.

programação destinada ao mercado corre paralelamente, obedecendo seu processo específico de produção, quer para reedições quer para lançamentos, conforme as projeções que os editores fazem desse mercado (a situação dos concorrentes tradicionais, as obras emergentes, o resultados das vendas das edições atuais).

Diante disso, não é difícil imaginar que as Editoras vislumbrem que os investimentos em livros para EJA sejam pouco atrativos e os releguem a plano secundário. E, quando o fazem, dedicam menos recursos que os investidos em seus produtos de primeira linha. A comparação a seguir se presta a analisar essa hipótese.

Conforme já se apontou anteriormente, neste trabalho considera-se que livro não é apenas um conjunto de idéias, mas um objeto constituído de dispositivos materiais e que agrega práticas — ações e relações humanas — tanto em sua produção quanto no uso que dele se faz.

Justifico, portanto, a análise que será feita a seguir baseando-me em Roger Chartier:

Manuscritos ou impressos, os livros são objetos cujas formas comandam, se não a imposição de um sentido ao texto que carregam, ao menos os usos de que podem ser investidos e as apropriações às quais são suscetíveis. As obras, os discursos, só existem quando se tornam realidades físicas, inscritas sobre as páginas de um livro, transmitidas por uma voz que lê ou narra, declamadas num palco de teatro. Compreender os princípios que governam a “ordem do discurso” pressupõe decifrar, com todo o rigor, aqueles outros que fundamentam os processos de produção, de comunicação e de recepção dos livros (e de outros objetos que veiculem o escrito). Mais do que nunca, historiadores de obras literárias e historiadores das práticas e partilhas culturais têm consciência dos efeitos produzidos pelas formas materiais.96

Como dispositivos materiais dessas obras, serão analisados a tiragem, o número de páginas, o formato, o acabamento, o papel, as imagens, a estrutura do livro e a seleção de seu conteúdo. Como por materialidade se entende o que existe além do conteúdo simbólico mas que lhe serve de suporte, vamos analisar também alguns aspectos que dizem respeito ao tempo de edição, aos profissionais de edição, ao autor e à divulgação.

96

CHARTIER, Roger. A ordem dos livros. leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e