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instituições escolares de educação de jovens e adultos

Unidade 3 — As dinâmicas da natureza e a ação humana:

4.2.2 Conteúdos Ciências Ática

Tomemos como exemplo o capítulo “O ser humano e o ambiente”, título dado o capítulo 23 na versão de mercado (com sete páginas) e também capítulo 13 na versão de EJA (com quatro páginas).

No primeiro exemplar, o capítulo é iniciado com uma foto (suprimida na versão de EJA), de lixão a céu aberto, que ocupa cerca da metade da página 235, chamando a atenção do leitor para a existência famílias que freqüentam locais desse tipo para obter o sustento. Em seguida vem uma atividade sob a classificação de “Mãos à obra: atividade prática ou experimental”, que solicita aos alunos que façam uma entrevista com pessoas que tenham mais de 60 anos de idade para descobrir de que o lixo doméstico consistia nas décadas de 1950 e 1960. Isso também foi suprimido na versão de EJA, cujo capítulo citado começa na página 108.

Vem então a atividade “Discutam estas idéias”:

a) Que materiais e produtos geralmente vão para o lixo de suas casas? Façam uma lista. b) Retomem o relatório das entrevistas realizadas. Comparem os componenetes do lixo

doméstico produzido nas décadas de 1950 e 1960 com os componentes atuais do lixo doméstico. Indiquem as principais semelhanças e diferenças.

Trata-se de um tipo de atividade que solicita a participação do aluno, levando-o a prestar atenção em aspectos do seu cotidiano, a falar sobre eles e a trocar informações com colegas e outras pessoas do seu grupo social ou comunidade. Analisando os dois capítulos e as duas obras por completo, podemos perceber que esse tipo de atividade não existe na versão de EJA, tampouco as proposições de atividades experimentais, como a indicada anteriormente. A inserção da foto do lixão a céu aberto pode ser entendida como uma

tentativa de “evidenciar a necessidade de tratar de temas sociais urgentes — chamados Temas Transversais no âmbito das diferentes áreas curriculares e no convívio escolar”160,

intenção preconizada pelos PCN, e a expressão da leitura que editores e autores fizeram dessa demanda curricular.

O texto teórico segue de forma idêntica nas duas versões (páginas 236 e 108, respectivamente), distribuído em seis parágrafos. Vem então o intertítulo “Tipos de lixo”, presente nos dois casos, e, apenas na versão de mercado, há a atividade “Trabalhe estas idéias”, eliminada no livro de EJA, cujo enunciado expomos a seguir161:

Há quem jogue embalagens ou restos de alimento pela janela do ônibus, do carro ou de casa. Além de constituir um péssimo hábito de higiene pessoal, demonstra falta de cuidado com a limpeza e o embelezamento de áreas públicas. Favorece, além disso, a ocorrência de enchentes.

Descubra por que esse tipo de atitude contribui para a ocorrência de enchentes.

Diferentemente da atividade “Discutam estas idéias”, anteriormente discriminada, que se dirige a grupos de alunos, esta, “Trabalhe estas idéias”, dialoga com o aluno individualmente, solicitando-lhe que atente para atitudes de cuidado com o seu bem-estar e o da coletividade e, nesse caso específico, desafia-o a inferir a causa de um problema público — o entupimento de bueiros — relacionando comportamentos humanos e seus efeitos possíveis no meio.

Seguem-se seis parágrafos de texto teórico e expositivo (iguais nos dois casos), até o intertítulo “O destino do lixo” , após o que se percebem algumas manobras efetuadas no texto na nova edição: uma foto foi reduzida e reproduzida com a mesma legenda; o parágrafo inicial, que fazia remissão à foto, foi suprimido; um esquema que mostrava a contaminação da água subterrânea foi eliminado. Fora a supressão das remissões às

160

PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS. Introdução. Op. cit., p. 11.

161

Esses aspectos seriam mais bem visualizados com a inserção de fotos das páginas e dos trechos mencionados. Porém, para que o arquivo digital não fique pesado demais e o trabalho impresso muito extenso, optou-se por desenvolver este tópico e os seguintes apenas com base em citações dos textos selecionados, reservando o recurso da reprodução fotográfica à explicitação de aspectos iconográficos e relativos ao projeto gráfico.

imagens, o texto foi reaproveitado quase que integralmente nesse trecho. Uma tabela sobre o tempo de decomposição de materiais, que constava no final do capítulo na versão original, passou a integrar o texto teórico. Após a entrada do intertítulo “Como reduzir o lixo” na versão de mercado, que mudou para “Como reduzir o volume de lixo” na versão de EJA (talvez porque o editor de texto tenha julgado conceitualmente mais correto), percebe- se que também se suprimiu a atividade “Trabalhe esta idéia” no segundo exemplar. A atividade mostra uma foto de uma pessoa depositando recipiente de vidro em contêiner destinado a reciclagem e solicita ao aluno que descubra por que a atitude exibida na imagem ajuda a reduzir o lixo no ambiente.

Os parágrafos seguem com poucas alterações significativas, como a eliminação de remissões a capítulos anteriores (pois isso difere nas duas versões) e a quebra de parágrafos (que deve ter sido promovida pelo editor não na edição de texto, mas na liberação da prova com vistas a que o texto final ocupasse mais espaço e não restasse tanto espaço em branco nessa página). O texto que entrava dentro de um boxe de leitura complementar foi transposto, dando seguimento às atividades finais.

Aqui também se percebem interferências distintivas entre uma edição e outra. Na versão destinada ao mercado, este capítulo apresenta dois tipos de atividade (além daquelas “Discutam/Trabalhe esta idéias”): “Integrando o conhecimento”, com questões mais ligadas à cobrança de conteúdos, e “Em grupo: ligados no ambiente”, com a proposição de observação de uma foto de turistas em ambiente natural e inferência e discussão de questões a ela relacionadas. Na versão de mercado também apresenta a seção “Você vai gostar de ler”, que indica ao aluno algumas obras de leitura complementar.

Um estudo conseqüente do conteúdo não pode deixar de considerar as recomendações indicadas como parâmetro curricular ou proposta curricular, que se constituem num currículo prescrito ou numa tentativa mais próxima de homegeneização de conteúdo. Nesse sentido, os PNLD entendem que a atenção para os temas sociais é urgente e uma tarefa educativa que se preze deve necessariamente levar em consideração a dinâmica social e visar sobretudo à integração do aluno na escola, na sociedade e no

mundo. A formação cidadã almejada subentende a noção de aprendizagem como compromisso e responsabilidade do próprio aluno, e à escola cabendo o papel de se constituir como um “ambiente de construção de conhecimentos e de desenvolvimento de sua inteligências, como suas múltiplas competências”162.

A Proposta Curricular para Educação de Jovens e Adultos também almeja a “educação cidadã”:

O ensino de Ciências Naturais para jovens e adultos fundamenta-se nos mesmos objetivos gerais do ensino voltado para crianças e adolescentes, uma vez que a formação para a cidadania consitui meta de todos os segmentos e modalidades da escolaridade.

Cada um dos objetivos dos Parâmetros Curriculares Nacionais — Ciências Naturais, dirigidos para 5ª a 8ª série (alunos entre 7 e 14 anos), está comentado a seguir, ressaltando aspectos fundamentais para a Educação de Jovens e Adultos.

[…]

Formular questões, diagnosticar e propor soluções para problemas reais a partir de elementos das Ciências Naturais, colocando em prática conceitos, procedimentos e atitudes desenvolvidos no aprendizado escolar.

[…]

Saber combinar leituras, observações, experimentações e registros para coleta, comparação entre explicações, organização, comunicação e discussão de fatos e informações.

[…]

Valorizar o trabalho em grupo, sendo capaz de ação crítica e cooperativa para a contrução coletiva do conhecimento.163

Sobre o trabalho em grupo, o documento ainda enfatiza:

Por meio dos trabalhos individuais, os alunos desenvolvem e sistematizam suas próprias explicações para os fenômenos. Daí a importância desse tipo de prática. Já os trabalhos em grupo permitem e estimulam o confronto de explicações e argumentos, possibilitando a

162

PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS. Introdução. Op. cit., p. 10-1.

163

desestabilização de opiniões arraigadas. Esse processo, responsável pelos avanços no conhecimentos dos temas, não ocorre no trabalho individual.

E, concluindo o comentário desse último objetivo, a proposta reforça seu engajamento na luta pela paz no convívio social por meio da admistração dos conflitos interpessoais e das diferenças e pelo trabalho dirigido ao desenvolvimento dos valores de convivência e integração social:

Além disso, no trabalho em grupo o aluno adulto aprende a respeitar a pluralidade de opiniões sobre cada assunto e tem ainda a oportunidade de perceber-se como um dos responsáveis pela formação dos colegas. É papel do professor de EJA desenvolver em seus alunos essa consciência sobre a construção coletiva do conhecimento.

Partindo da consideração desses pressupostos, podemos auferir que na transposição de conteúdos de edições de mercado ou MEC para EJA, foram eliminadas as partes que se propunham a dialogar com o aluno, a colher suas noções prévias acerca de determinado assunto, a levá-lo a observar o entorno, a construir conhecimentos com base na auto- avaliação e na aferição das mudanças conceituais que ele mesmo percebe ter promovido com o estudo. Ao que tudo indica, priorizaram-se o que Lafayette Megalle, o editor anteriormente citado, nomeou de textos “mais próximos do expositivo”, além de atividades que se restringem a perguntas objetivas, cujas respostas são calcadas no texto teórico. Suprimiram-se também as atividades práticas e em grupo, louvadas como estratégia de efetivação da formação cidadã.

Vale observar ainda as páginas pós-textuais presentes em cada edição de Ciências dessa Editora. Na versão de mercado, encontramos glossário com imagens coloridas (mapa, fotos), bibliografia, 16 páginas de exercícios de revisão, um caderno de experimentos de 48 páginas com atividades consumíveis (preto-e-branco). Na versão de EJA há apenas um glossário não-ilustrado e a bibliografia.

Como do levantamento que fizemos identificou-se que a grande mudança concentrou-se nas atividades, vamos analisar esse aspecto com um pouco mais detalhes no tópico seguinte.

4.3 Atividades

Um pouco do que desenvolveremos agora já foi adiantado em tópicos anteriores, quando vimos exemplos de reaproveitamento de material iconográfico e de mudanças operadas no texto. Aqui também nos deteremos ao estudo de poucos exemplares, pois não caberia uma análise extensiva de todos os livros que foram reunidos, uma vez que os aspectos implicados nesse tipo de trabalho são de naturezas variadas e não se esgotariam apenas num item de dissertação como este.

Também é preciso assinalar que, por estarmos analisando as atividades e as confrontando com a Proposta Curricular para Educação de Jovens e Adultos, divulgada no ano de 2002, só poderemos desenvoler este item do trabalho com livros da Ática, pois os da FTD a que a pesquisadora teve acesso datam de 2001 — muito embora se tenha registrado a declaração de um editor da FTD que a elaboração de um projeto para EJA “partindo do zero” e baseado no currículo proposto seria inviável, inclusive na época em que o depoimento foi concedido (dezembro de 2004).

Apesar desse corte restritivo, os resultados podem ser significativos, como veremos a seguir.

A análise desenvolvida no tópico anterior já adiantou um pouco da explanação que faremos aqui.

As atividades estão intimamente relacionadas à noção do que se quer avaliar do aprendizado do aluno.

Como afirma André Chervel,

Se os conteúdos explícitos constituem o eixo central da disciplina ensinada, o exercício é a contrapartida quase indispensável. […] Sem o exercício e seu controle, não há fixação possível de uma disciplina. O sucesso das disciplinas depende fundamentalmente da qualidade dos exercícios aos quais elas podem se prestar. 164

164

CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Op. cit., p.

Vamos então discriminar as atividades propostas nos livros de Ciências da Editora Ática: