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O manual do professor e o destinatário

instituições escolares de educação de jovens e adultos

Unidade 3 — As dinâmicas da natureza e a ação humana:

4.4 O manual do professor

4.4.3 O manual do professor e o destinatário

Nas versões de mercado das duas Editoras, podemos perceber certo esforço dialógico com um destinatário, dando-se a ver que certas premissas estão sendo cumpridas, no caso, a atualização da concepção de ensino de que se vestem as obras. Talvez o destinatário seja o avaliador do MEC, embora os exemplares estudados fossem de mercado, talvez smplesmente o professor.

De qualquer maneira, não é exagero afirmar que, em certa medida, os PNLD têm formatado os livros didáticos, quer na apuração dos conceitos, na seleção dos conteúdos, na natureza das atividades, nos recursos oferecidos ao professor. Também em certa medida, essa formatação se estende aos livros voltados para as escolas particulares, visto que várias edições acabam sendo aproveitadas tal e qual tanto no governo quando no mercado.

Com base nisso talvez se possa afirmar que a inexistência de um programa de livros didáticos de EJA facilita esse tipo de atitude por parte dos editores, resultante de alheamento a esse público específico (estudantes e professores), desconhecimento ou indiferença, que poderiam ser superados pela necessidade de se atender a certos parâmetros ou referenciais impostos por um programa governamental. Também é possível que a inexistência de um sistema de ensino minimamente homogêneo em termos nacionais dificulte aos editores auscultar o tipo de livro que mais atenderia à demanda desse professor tão diversificado — ou indistinto. Visto que o livro didático se presta à homogeneização de conteúdos tidos como legítimos em certo lugar e período da história, é válido afirmar que a configuração pulverizada em que se encontram os materiais didáticos de EJA e a forma

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secundária em que eles se materializam expressam a imprecisão do respectivo sistema de ensino.

4.5 A divulgação

As Editoras selecionam originais, editam a obra e a publicam. Se ela não tiver um braço na empresa que possa comercializar o produto — uma livraria —, terá de vendê-lo por meio de livrarias, distribuidores ou professores. Todos esses personagens obtêm os títulos com desconto da Editora e os repassam ao consumidor final, o aluno. 166

Quem usa e compra o livro didático é o aluno, mas quem define a sua adoção é o professor. As Editoras de livros didáticos disputam o nicho das escolas, fazendo chegar ao maior número possível de escolas uma amostra de seus produtos. A amostra, nesse caso, é o livro do professor.

Quando os livros se destinam ao mercado de escolas particulares, a divulgação deve ocorrer em tempo hábil para que o professor possa receber o exemplar, analisá-lo e, no início do período letivo (começo do ano), indicar o seu uso. Por isso, a divulgação de livros didáticos para essa fatia do mercado (escolas particulares) costuma ocorrer a partir de setembro de cada ano, para que o professor possa adotá-lo no início das aulas do próximo ano letivo. Já quando o comprador é o governo, o período em que os divulgadores saem a campo fica atrelado à divulgação do resultado da avaliação pelo MEC (e divulgação do Guia de livros didáticos). Para essa operação as Editoras costumam imprimir exemplares do professor da versão apresentada à avaliação, e a tiragem depende das estratégias que se adotam para cada coleção. Em geral, nesse caso, a escala é de dezenas de milhar (10, 20, 50 mil exemplares do professor).

Esses dados nos permitem entender por que é difícil às Editoras pequenas fazer chegar seus produtos aos professores. Não raro elas possuem títulos bem avaliados pela

MEC, mas não obtêm resultados expressivos nas vendas. Isso se deve ao fato de elas não terem condições de imprimir uma quantidade razoável de exemplares aos professores e sair em campo em tempo hábil. Imprimir tamanha quantidade de livros, que são doados e cujo retorno é incerto, requer capital, poder de negociação com gráficas e outros fornecedores de serviço, recrutamento e treinamento de pessoal para divulgação (mesmo que em caráter temporário). Algumas dessas Editoras pequenas chegam posteriormente a vender seus títulos (já avaliados e aprovados pelo MEC) a grandes Editoras.

Aos professores cabe tomar conhecimento do Guia no qual constam as coleções aprovadas na avaliação167, analisar o que os especialistas disseram de cada obra e escolher a

que mais se adequa ao seu trabalho pedagógico e à linha adotada por ele e pela unidade escolar. Nesse processo, pode ocorrer de um livro que vinha sendo adotado por ele há algum tempo ser excluído na avaliação, o que lhe custará a opção por outra coleção e adaptar o seu trabalho e os alunos a ela.

Do que foi exposto, podemos identificar dos segmentos básicos de atuação das Editoras de livros didáticos: um voltado para o mercado de escolas particulares, o outro voltado para o governo. Tal segmentação se reflete no processo produtivo (organogramas, lançamentos, mão-de-obra) e na divulgação (para o mercado particular, terceiro trimestre do ano; para o governo, período incerto).

As Editoras vêm o governo como a fonte mais garantida de retorno recursos e nele destinam todos os seus esforços, decisão que afeta o processo produtivo outrora assentado em outras bases para a produção de livros voltados ao mercado de escolas particulares, com periodicidade definida. Antes dos PNLD as Editoras de livros de didáticos em geral tinham um ritmo de trabalho em certa medida previsível e definido. As etapas de entrada de originais, edição, preparação, diagramação ou paginação, revisão, produção e impressão

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Célia Cassiano (Op. cit.) estudou em profundidade em sua dissertação o processo de escolha, divulgação e adoção de livros didáticos. Aqui faremos apenas uma rápida descrição de alguns desses itens.

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O processo de avaliação das coleções pelos especialistas de área leva, em geral, mais de um ano. Para o PNLD 2005, por exemplo, o edital de convocação foi emitido em final de 2002, o prazo de inscrição das obras pelas editoras foi final de julho daquele mesmo ano e o resultado da avaliação (a publicação do Guia pelo MEC) ocorreu em janeiro de 2004.

obedeciam a certo cronograma estabelecido conforme o ano letivo: em setembro os livros deviam estar prontos para a divulgação.

Esse fluxo de trabalho se alterou com a implementação dos PNLD, pois as Editoras passaram a organizar sua produção de uma “data provável” de publicação do edital de convocação e a conciliar a manutenção de seu acervo voltado para o mercado e seus lançamentos. O espaço que as obras de EJA ocupam na esteira produtiva dessas Editoras subordina-se, portanto, ao grau de premência dos dois materiais prioritários — o MEC e o mercado. Talvez isso elucide por que as duas Editoras analisadas optaram pelo reaproveitamento de material e a economia de recursos — sem que se justifiquem, louvem ou condenem essas medidas.