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Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos

instituições escolares de educação de jovens e adultos

2.1 O contato com as escolas

2.1.1 Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos

Foram observados dois Cieja: o de Guaianases e o de São Mateus.

As treze unidades Cieja existentes na cidade foram criadas pelo governo da prefeita Marta Suplicy em 2001, embora tenham sido idealizadas pelo governo do mesmo partido, o Partido dos Trabalhadores, na gestão da então prefeita Luíza Erundina. Os Ciejas são denominados integrados porque se pretendeu aliar, integrar, a qualificação profissional62 ao

ensino de conteúdos básicos do ensino fundamental. São unidades exclusivamente destinadas à EJA, quer no aspecto político-pedagógico, quer em suas instalações arquitetônicas, pois suas aulas são ministradas em prédios alocados pela prefeitura para esse fim específico.

O conteúdo relativo à qualificação profissional ficou a cargo do Senac — que preparou material didático a ser distribuído aos estudantes e treinou os professores de EJA.

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Nesse contexto, qualificação profissional não é o mesmo que ensino profissionalizante, que é formalmente instituído como categoria correspondente ao ensino médio. Trata-se apenas de uma formação básica e visa dar ao estudante certa familiaridade com a prática profissional em questão.

Os Ciejas ministram cursos semi-presenciais que correspondem ao ensino fundamental. A carga horária63 é de 2h15, de segunda à quinta-feira de aulas presenciais e

de 1h15 de trabalhos em casa. Em geral, os professores do primeiro segmento (módulos 1 e 2, ou seja, 1ª e 2ª séries) são polivalentes e os do segundo segmento (módulos 3 e 4, ou seja, 3ª e 4ª séries) são especialistas conforme a sua habilitação, e sua atuação no Cieja é adaptada de acordo com a área de conhecimento — Códigos e Linguagens (Língua Portuguesa, Inglês e Artes), Ciências da Natureza e Matemáticas (Ciências e Matemática), Ciências Humanas (História e Geografia).64 Os professores são selecionados pela prefeitura

dentro de sua rede de professores concursados. As sextas-feiras são reservadas ao treinamento do corpo docente e discussões — principalmente entre professores de uma mesma área de conhecimento, visando à articulação de conteúdos e à proposição ou revisão do currículo.

No dia 27/5/2004 entrevistou-se Ana Küller, coordenadora do já referido projeto de parceria Senac–Cieja. Segundo a entrevistada, o projeto foi implantado no governo da prefeita Marta Suplicy e aliava a educação básica à qualificação profissional. O consultor contratado pelos grupos gestores do projeto junto à prefeitura procurou a gerência de desenvolvimento educacional do Senac, que repassou a iniciativa ao centro de treinamento especializado em educação.

Isso ocorreu no ano de 2002, e esse consultor acabou se afastando do projeto por ter assumido a secretaria da educação do município de São Paulo. Esse projeto começou a ser formulado em 2001, juntamente com esse consultor (Carlos…) e chegou ao Senac no início de 2002. A proposta inicial sofreu uma série de transformações. A carga horária, antes restrita a algumas horas extras, consistia inicialmente em um apêndice do ensino, mas o pessoal do Senac resolveu inovar e transformá-lo em algo mais substancial, aliado à educação básica, o que requereu o treinamento de profissionais que se integrassem às escolas. Em abril de 2002, começou-se um trabalho de formulação de projeto, de definição de áreas, de profissionais envolvidos. Elaborou-se um questionário para identificar o perfil do aluno (nível sócio- econômico, situação empregatícia, ocupações, região de origem, migrantes ou não,

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expectativas de formação profissional. Paralelamente ao levantamento do perfil dos alunos, fez-se um levantamento da capacidade instalada das escolas: quantas unidades, número de salas, mapeamento da infraestrutura da localidade (que atividades disponíveis, ocupações de maior demanda, projeção de oferta de trabalhos, empregos, etc.). Essa segunda tarefa contou com dados da secretaria do planejamento e do IBGE, entre outros órgãos.

Definiram-se cinco áreas a serem oferecidas como suporte de qualificação profissional, às quais eles chamaram de itinerários: lazer e desenvolvimento social; atendimento e vendas; serviços domiciliares; beleza; serviço de alimentação. Cada área seria composta por quatro módulos, o que se integrava à estrutura já montada nos Cieja.

Coube ao Senac: o mapeamento das escolas e da população escolar; o planejamento dos cursos; a qualificação de profissionais; o suporte na elaboração e escrita dos documentos referentes ao projeto junto à prefeitura; a elaboração do material didático; a implantação do projeto; a assessoria dos professores dos Cieja no que se refere à definição do planejamento integrado nas reuniões docentes que ocorrem às sextas-feiras; a contratação e o treinamento do professor de qualificação profissional, incumbido das aulas das quintas-feiras nas unidades Cieja; o acompanhamento do projeto junto aos Cieja; a formação continuada dos professores da rede (mudança de trabalho por disciplina para trabalho por competência; interdisciplinaridade; trabalho por projeto; avaliação). Todos os profissionais contratados para a elaboração do projeto participam da implantação (os treze prestadores de serviço que já desenvolviam treinamento de professores em outros projetos do Senac), mas há mais profissionais contratados para ministrar as aulas e comparecer às unidades Cieja.

O primeiro Cieja observado foi o de Guaianases. As informações foram obtidas junto ao orientador pedagógico, Joseildo65, à secretária da escola, Márcia, à professora Rita

do Módulo 2, ao professor Edson do Módulo 1 e ao professor Marcos (Módulo 4).

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Essa proposta foi inspirada na Proposta Curricular do Ensino Médio, e, segundo o entrevistado, trata-se de uma tentativa de adequar os conteúdos aos limites da carga horária.

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Não houve restrição à citação dos nomes dos profissionais envolvidos na pesquisa. Porém, dada a dificuldade posterior de retomar o contato com todos eles para padronizar esse tratamento, optou-se por indicar só o primeiro nome.

Na unidade de Guaianases, os alunos ainda têm, fora do horário, aulas de informática e educação física.66

Na data da visita, o Cieja Guaianases tinha 1200 alunos matriculados, o que lhe conferia a destacada posição de terceira escola do município com maior número de alunos, além de novecentas pessoas na lista de espera. A idade mínima dos alunos é de 15 anos, não havendo limite máximo. No momento da visita, havia uma aluna de 79 anos de idade. Essa escola possui oito turmas em cada um dos seis horários (das 7h30 às 9h45; 10h00 às 12h15; das 13h00 às 15h15; das 15h30 às 17h45; das 18h00 às 20h15; das 20h30 às 22h45) — o que corresponde à grade de horário máxima dos Cieja.

Para a composição do currículo relativo à formação básica, os professores dessa escola utilizam vários recursos, entre eles o antigo material do Cemes acima descrito, filmes, discussões, cópia no caderno de frases escritas na lousa pela professora, passeios, etc., mas tanto o orientador quanto a professora de classe do módulo 2, Rita, salientam que o currículo ainda está em construção e é definido no processo.

A aula do Módulo 2 a que estive presente consistiu de discussão sobre o filme anteriormente assistido pelos alunos, Tainá67. A professora pediu aos alunos que

identificassem o nome das personagens, seu papel no enredo, a trama principal e estimulou a discussão de questões relacionadas à preservação ambiental e ao contrabando de animais silvestres. Antes da discussão, a professora orientou os alunos a registrar no caderno a data, o módulo de aprendizagem (Módulo 2), o nome da professora, o tema da aula (Discussão sobre o filme Tainá) — tarefa para a qual se destinaram cerca de 12 minutos e que, conforme pôde-se observar, foi completada por todos os alunos.

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Essa escola tem também duas salas de apoio para portadores de necessidades especiais (as Sapnes, para portadores de deficiências mentais leves), que são integrados, juntamente com os portadores de deficiências auditivas, às aulas regulares do Cieja conforme o desenvolvimento individual. São aceitos também alunos em liberdade assistida, e eles são integrados aos demais estudantes sem ter seu status divulgado.

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A aula de Módulo 1 ministrada pelo professor Edson no primeiro dia de visitas concentrou-se no processo de alfabetização. Iniciou escrevendo na lousa um cabeçalho: data, Módulo 1, professor Edson, solicitando aos alunos que fizessem o registro no caderno. Passou à leitura de um texto literário e incentivou uma discussão entre os alunos. Orientou então uma atividade de descoberta e registro (no caderno) de sete nomes próprios e posterior confecção de lista, em papel avulso, em ordem alfabética desses vocábulos. A mesma estratégia foi orientada para nome de fruta.

No dia seguinte, esse professor dedicou-se ao ensino da tabuada: as leis fundamentais e a confecção de um quadro com esses números.

Na sala de aula observaram-se atlas do corpo humano, mapa-múndi, quadro-mural com recortes de fotos extraídas de revistas acompanhadas de palavras formadas pelos alunos, palitos de picolé (usados nas atividades de Matemática), revistas, papel sulfite, alguns livros paradidáticos, bonecos e roupas confeccionados pelos alunos para atividades de teatro. Na aula a que estive presente, o professor deu a cada aluno um exemplar da revista Seu Bairro, da qual extrairia diversas atividades, como a leitura de mapas, tabelas, índices, o que lhe permitia cobrir propostas curriculares de várias áreas de conhecimento. O professor comentou que, naquela semana, os alunos iriam assistir ao filme Central do Brasil68.

Na aula de Módulo 4, de Ciências Humanas, o professor Carlos (licenciado em Geografia) conduziu uma discussão acerca do filme Canudos69, a que os alunos assistiram

em aula anterior. Após a discussão, o professor fez uma explanação acompanhada de registro na lousa de alguns fatos históricos e fez desdobramentos para questões atuais, como liderança política, poder instituído, interesses de grupos econômicos, migração, configuração do espaço urbano (áreas centrais e periferia), exclusão social. Finalmente, deu aos alunos um texto xerocado que tratava de Canudos, solicitando-lhes a leitura individual e em voz alta, parágrafo por parágrafo. Após cada leitura, fazia comentários sobre os fatos e conceitos abordados.

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Nessa escola os alunos são dispostos em mesas circulares e se agrupam conforme sua afinidade.

Perguntado sobre o motivo de não se utilizar livros didáticos específicos para a EJA, o orientador educacional afirmou que não existe nenhum que atenda às necessidades desse público. O único material didático, mostrado pelo professor Edson, foi um exemplar da coleção Viver, Aprender (exemplar do professor), da qual, segundo ele, extrai várias atividades para passar aos alunos. Os alunos dessa unidade não recebem os exemplares dessa coleção.

No dia 26/5/2004 visitou-se o Cieja São Mateus, que, segundo uma das coordenadoras, Bárbara, tem em média 1500 alunos matriculados e 450 em lista de espera.

Os alunos encontram-se assim distribuídos nos seis turnos: ƒ Módulo 1 — 2 turmas em cada turno;

ƒ Módulo 2 — 1 turma em cada horário; ƒ Módulo 3 — 3 turmas em cada horário; ƒ Módulo 4 — 4 turmas em cada horário.

Assistiu-se a uma aula do Módulo 1. A professora afirmou que usa alguns livros didáticos apenas como suporte de sua prática em sala de aula. Nesse sentido, pude observar que ela copia enunciados de problemas de matemática na lousa (livro brochura dobrado ao meio) e pede aos alunos que os reproduzam no caderno e resolvam a questão. No caso, o livro era da coleção De Olho no Futuro, da Quinteto Editorial, v. 1.

A professora retirou do armário da classe vários exemplares de livros que ela utiliza para consulta ou reprodução de atividades:

ƒ Coleção de Olho no Futuro — Matemática: Angelo Passos. Quinteto Editorial, PNLD 2000. A coleção é destinada ao primeiro segmento do ensino fundamental e consta de 4 volumes.

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ƒ Coleção De Olho no Futuro — Ciências: Marinez Meneghello. Quinteto Editorial, PNLD 2000. Idem acima.

ƒ Novo Caminho — Língua Portuguesa: José de Nicola, Editora Scipione, PNLD 2001. Idem acima.

ƒ Novo Caminho — Ciências: Rosalina Chiaron, Editora Scipione, PNLD 2001. Idem acima.

ƒ Alfabetização de Jovens e Adultos: Regina Iara M. Nasser, Editora Ática. ƒ Caderno do Futuro — a evolução do caderno: várias disciplinas, Ibep. ƒ Almanaque Popular de Sabedoria. Secretaria Municipal da

Educação/Vereda, Centros de Estudos de Educação, junho de 2003.

ƒ Marcha criança — exemplares de volumes diversos, de várias disciplinas. Editora Scipione.

ƒ Revistas, jornais, atlas.

Em aula de Módulo 2, com a professora Maria do Socorro, pude constatar que ela também se vale de livros didáticos apenas como suporte para o desenvolvimento de algumas aulas. Como fonte principal de consulta, a professor mostrou uma coleção especialmente desenvolvida para EJA: Eterno Aprendiz, de Adriana de Oliveira, Uberlândia, Editora Claranto, 2000. Trata-se de uma coleção integrada70 de 4 volumes.

Alguns alunos dessa escola possuem, para seu uso, um volume da coleção Viver, Aprender. Segundo a professora Carmelita e o coordenador da escola, Jurandir, a diretora havia conseguido da prefeitura cerca de dez exemplares desse material para a escola toda. Nesse caso, o livro foi dado a alguns alunos, que fazem uso dele conforme a sua vontade; às vezes, a professora dispõe para os demais alunos algumas das atividades propostas. A professora de Módulo 1 afirma que, se a escola pudesse contar com esse material para todos os alunos, ela o usaria como livro didático único ou pelo menos, como principal recurso

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didático. Por outro lado, para a professora do Módulo 2, Maria do Socorro, a coleção carece de “conteúdo”, pois, ao se trabalhar com esse tipo de material ou com projetos (como o meio ambiente, por exemplo) por mais de três dias seguidos, os alunos reclamam por “conteúdo”: “Eles querem mesmo é aprender a ler, a escrever e a fazer contas”.

Na sala de aula também se observam Atlas do corpo humano, mapa-múndi, livros didáticos, giz de cera, jogos de letras, recortes de jornal, que ficam à disposição dos alunos.

Outras fontes de consulta são trocadas entre os professores nas reuniões das sextas- feiras, quando ocorrem o planejamento das aulas, discussões sobre o currículo, definição de projetos integrados, treinamento dos professores.

Embora o material didático mostrado estivesse devidamente organizado e as professoras demonstrassem conhecer seu conteúdo e as possibilidades de seu aproveitamento, quer como fonte de pesquisa, quer como material a ser reproduzido parcialmente na lousa aos alunos, constatou-se certa dispersão. Ou seja, as professoras usam aquilo de que dispõem, que recebem da diretora ou do coordenador da escola, ou trazem de outras escolas em que trabalham, mas não podem solicitar esta ou aquela coleção, mesmo que para seu próprio uso e não para distribuição entre os alunos.

De fato, indagada dias depois, a coordenadora Bárbara afirmou que os livros didáticos do primeiro segmento de que a escola dispõe para consulta provêm de doações de escolas vizinhas, cujos professores recebem dos PNLD ou diretamente das Editoras.

Uma professora dos Módulos 3 e 4 da área de Ciências Matemáticas e Naturais reclamou que a escola não recebeu a coleção para EJA recém-reformulada da Editora Ática. Tendo tido conhecimento dessa versão na escola da prefeitura (Escola Municipal de Ensino Fundamental) em que também leciona, que recebera da Editora os exemplares de todas as disciplinas destinados ao professor, ela analisou os volumes relativos a Ciências, de autoria de Carlos Barros e Wilson Paulino71, e comentou que, em relação à edição anterior, que era

“muito simplória”, a nova edição melhorou, mas ainda não atende às necessidades dos alunos da EJA, pois “não tem nada a ver com a realidade do aluno, que, em geral, está 15,

20 anos longe das salas de aula, tem uma bagagem de experiências e expectativas bem diferentes”. Segundo ela, essa nova edição está muito calcada em materiais didáticos para alunos do ensino regular — 5ª a 8ª séries.

Questionado sobre o assunto, o supervisor de divulgação de área da Editora Ática afirmou:

Nós realizamos um trabalho em algumas escolas que trabalham com EJA, selecionei escolas com mais de 300 alunos e fizemos um trabalho de divulgação. Não tivemos muito sucesso com adoções, devido a alguns motivos, entre eles o baixo poder aquisitivo dos alunos, por exemplo. Mas o que mais me chamou a atenção no relato dos professores é que os alunos não têm as habilidades necessárias para acompanhar esse material…Também fiz um trabalho com instituições que tratam de formação de professores para o EJA, como: Secretaria de Educação do Estado, Secretaria Municipal de Educação, Instituto Paulo Freire, Fórum do EJA de SP, Ação Educativa (ONG), Confederação da Mulher do Brasil — órgãos esses ligados ao Programa Brasil Alfabetizado. Além disso atendemos muitos recados de professores que receberam nossa mala direta e solicitaram os livros.72

Essa declaração leva-nos a investigar o processo de divulgação dos livros didáticos destinados ao ensino regular. Em que aspectos a divulgação dessas obras para EJA difere da divulgação dos demais livros? E isso será visto adiante neste trabalho, no próximo capítulo.