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2.2 AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO CONTEXTO DO ESTADO

2.2.5 Avaliação de políticas educacionais

A avaliação de políticas e programas sociais não é uma tradição no âmbito brasileiro. Surgiu mais pelo caráter fiscalizador e policialesco do que pelo interesse em realmente avaliar o andamento das políticas. Sua expansão ocorreu a partir dos anos 80, como já apresentado anteriormente, influenciada pela redemocratização da sociedade brasileira, como expressão da demanda de grupos sociais organizados em busca da ampliação da cidadania; demanda pela universalização das políticas sociais; por melhorias das condições de vida; e busca por práticas participativas descentralizadas nos processos das políticas sociais, transparência, controle social democrático e instrumentalização das lutas sociais (SILVA, 2013).

Não podemos perder de vista que esse tipo de ação é resultante das exigências de agências internacionais que financiam, mas ditam suas próprias regras, conforme podemos observar:

[...] A disseminação ainda se deve às exigências dos organismos internacionais, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), os quais demandavam reformas dos programas sociais, pautada pela focalização, descentralização e privatização. Nesse âmbito, as instituições financiadoras incluem a avaliação de políticas sociais como condição para o seu financiamento, passando a exigir racionalidade do gasto público e do rendimento dos recursos aplicados. Dessa forma, passa-se a desenvolver a avaliação no sentido de aferir a eficiência na utilização dos recursos e dimensionar o grau de eficácia com que os objetivos dos programas são alcançados (SILVA, 2013, p. 38).

Esta preocupação pelos resultados alcançados pelas políticas sociais possui dupla explicação. Por um lado, pela demanda por avaliação em virtude da escassez de recursos, crise fiscal e econômica. Por outro, o aumento da participação da sociedade civil, que debate e se interessa acerca da destinação dos recursos públicos.

Faria (2005, p. 98) acrescenta quanto ao surgimento e utilização da avaliação de políticas: “[...] nas décadas de 1980 e 1990 a avaliação de políticas públicas foi posta a serviço da reforma do Estado [...]”. Para Silva (2013), a avaliação de políticas surgiu por uma ação fiscalizadora da sociedade civil organizada, e para Faria (2005), surgiu como uma ação estratégica do Estado, pela necessidade de modernização da gestão pública.

A partir dessas duas perspectivas podemos inferir que a avaliação de políticas e programas sociais significa uma pressão da sociedade civil sob o governo em adaptar o comportamento ou o desempenho de uma política ou programa, caso seja identificado que os objetivos não estão sendo satisfatórios, e/ou “[...] melhorar a qualidade das decisões e garantir a maximização da consecução dos objetivos definidos pelas políticas e programas [...]” (FARIA, 2005, p. 102). A avaliação de políticas pode ser então compreendida como

Uma forma de pesquisa social aplicada, sistemática, planejada e dirigida; destinada a identificar, obter e proporcionar de maneira válida e confiável dados e informação suficiente e relevante para apoiar um juízo de valor sobre o mérito e o valor de diferentes componentes de um programa (tanto na fase de diagnóstico, programação ou execução), ou de um conjunto de atividades específicas que se realizam, foram realizadas ou se realizarão, com propósito de produzir efeitos e resultados concretos; comprovando a extensão e o grau em que se deram essas conquistas, de forma tal que sirva de base ou de guia para uma tomada de decisão racional e inteligente entre cursos de ação, ou para solucionar problemas e promover conhecimentos (AGUILAR; ANDER-EGG, 1994, p. 31).

Na atualidade, a avaliação de políticas e programas tornou-se indispensável, tanto como critério dos organismos internacionais, como uma cobrança da sociedade em verificar o gasto adequado do recurso público, mas parece não ocorrer uma sintonia entre os resultados obtidos pelas avaliações de políticas e os desenhos das políticas implementadas pelos governos. Essa não sintonia pode estar relacionada aos usos que se fazem da avaliação. Segundo Derlien (2001, p. 105),

Hay tres funciones que se atribuyen a la evaluación de las políticas: de información, de reasignación y de legitimación […]. La tesis […] es que,

desde los años 60 a los 90, el énfasis político sobre la evaluación ha pasado desde la función de información a la de reasignación11.

O autor destaca que, com o passar dos tempos, a partir dos interesses políticos e econômicos, a avaliação deixou de ser utilizada com a função de informar para a função de realocar. Essa mudança está associada, também, ao movimento do New Public Management, onde o objetivo central era a medição dos resultados obtidos pelas políticas, vinculado à redução de gastos e melhor aplicação dos recursos públicos. A nosso ver, não se trata apenas de deslocamento, mas, principalmente, de um mecanismo que traduz a lógica concorrencial do estado neoliberal, desvirtuando as possíveis contribuições que a avaliação poderia trazer.

Assim, podemos refletir a respeito de, se a ênfase em apenas uma função da avaliação pode estar influenciando a (re)elaboração de políticas e, consequentemente, nos resultados por elas alcançados. Apenas um estudo acerca dessa problemática poderá trazer algumas contribuições para compreendermos melhor essas relações.

Como já assinalado, o tratamento dado à avaliação de políticas passou por um processo que iniciou sem uma tradição sistemática. Dessa forma, é importante explanar acerca de como essa importância foi sendo construída no país.

Há, hoje, um consenso acerca da importância da avaliação de políticas para a sua (re)formulação, implantação e execução. Contudo, historicamente, isso não era uma tradição no caso do Brasil. Nosso país é considerado novo nesse quesito, se levarmos em consideração a experiência de outros países.

Historicamente, na administração pública brasileira não há a preocupação de avaliar programas públicos, em geral, e programas sociais, em particular. Durante anos, a produção de conhecimento técnico na busca da melhoria dos padrões de gerenciamento do setor público sempre esteve muito mais voltada para os processos de formulação de programas do que para os relacionados a sua implementação e avaliação (COSTA; CASTANHAR, 2003, p. 970).

Podemos, então, compreender que a avaliação de políticas surgiu, no Brasil, por uma questão burocrática, gerencialista e, com o tempo, foi se percebendo sua importância também para os processos de atuação e avaliação de uma política pública.

11

Existem três funções atribuídas à avaliação de políticas: informação, mudança e legitimação [...]. A tese [...] é que, dos anos 60 aos anos 90, a ênfase política na avaliação passou da função de informação para a de reatribuição (Tradução livre).

As transformações ocorridas na sociedade e no Estado brasileiro, desde meados dos anos 1980, foram responsáveis por essa mudança, conforme destacam Costa e Castanhar (2003, p. 971),

Com efeito, nos anos 1980, a crise da dívida externa e a interrupção de um longo ciclo de crescimento econômico aprofundaram as desigualdades sociais presentes na realidade do país. Por seu turno, as reformas estruturais empreendidas nos anos 1990 – abertura comercial e integração, reforma do Estado, desestatização, entre outras – alargaram ainda mais essas assimetrias na medida em que aumentaram o desemprego, tornaram precário o emprego remanescente e, consequentemente, reduziram os salários reais. A conjuntura econômica desfavorável provocou um crescimento da demanda por ações e serviços sociais, especialmente os de natureza compensatória.

Os autores continuam abordando sobre tais mudanças:

Na contramão dessa demanda crescente, verificou-se ainda um agravamento da crise fiscal, ampliando ainda mais a crônica escassez de recursos do setor público, justamente num momento em que se torna essencial e inadiável a sua intervenção para atender à população mais necessitada. A intervenção governamental nessas circunstâncias é essencial, tanto pelo imperativo moral a ela inerente, quanto por questões de estratégia econômica, pois já se sabe que a pobreza representa um sério obstáculo ao desenvolvimento sustentável (COSTA; CASTANHAR, 2003, p. 971).

Diante dessas transformações, é grande a necessidade da obtenção de maior eficiência e maior impacto do que é investido pelos governos em programas sociais. Nessa direção, a avaliação desses programas torna-se um instrumento indispensável no alcance de melhores resultados, proporcionando, também, melhor aplicação dos recursos públicos.

Quando mudamos o foco de interesse do Estado, enquanto instituição provedora, para os formuladores e gestores de programas, outros benefícios podem ser alcançados, como a obtenção de dados para que o desenho da política seja mais consistente e a gestão mais eficaz.

Mello (1999) organiza essas transformações através de três motivos: 1) nos anos 1970, a agenda pública baseava-se em demandas advindas do modelo brasileiro de desenvolvimento; 2) mesmo com o fim da ditatura, continuaram os impedimentos à consecução de políticas sociais efetivas, impulsionando, assim, o estudo sobre políticas; 3) a ideia da reforma do Estado e do aparelho de Estado foi sendo difundida internacionalmente, como o princípio organizador da agenda pública dos anos 1980-90, provocando o aumento de pesquisas sobre políticas públicas.

As transformações que ocorreram no cenário político e econômico, no que tange ao uso e ou importância dada à avaliação de políticas, influenciou a área enquanto campo de estudo, no sentido de constituição da área. Entretanto, mesmo com um desenvolvimento das pesquisas em avaliação de políticas, há ainda desafios a serem superados.

Na visão de Rodrigues (2011, p. 38),

[...] o campo da avaliação das políticas públicas no Brasil, vale dizer que se trata de uma área de produção de conhecimento ainda em formação, tendo em vista a própria avaliação ser uma experiência recente no Brasil. Poderíamos mesmo dizer que quanto à formação de um pensamento próprio, ou ao desenvolvimento de instrumentais de avaliação, é ainda incipiente.

A partir dessa recente tradição do Brasil no campo da avaliação das políticas públicas, consideramos pertinente apontar os principais problemas destacados por Souza (2003) e Melo (1999) no Estado do campo da Pesquisa em Políticas Públicas no Brasil, que atinge, também, o campo da avaliação, já que ela está contida nessa problemática, no sentido desses problemas serem superados.

O primeiro problema é a escassa acumulação do conhecimento da área. O segundo problema é a abundância de estudos setoriais, com ênfase nos estudos de casos. Assim, há uma expansão horizontal, sem aprofundamento vertical da produção. O terceiro e último problema está vinculado à proximidade da área com os órgãos governamentais, o que termina influenciando os trabalhos – geração de trabalhos normativos e prescritivos, podendo, também, tais órgãos pautarem a agenda de pesquisas (SOUZA, 2003; MELO, 1999).

Vinculado a esse conjunto de problemas, Faria (2003, p. 51) destaca o problema que tange aos aspectos metodológicos: “A notória carência de estudos dedicados aos processos e às metodologias de avaliação de políticas, contudo, deve também ser tributada à escassa utilização da avaliação, como instrumento de gestão, pelo setor público do país nos três níveis de governo”.

Retornamos a importância da avaliação de políticas que parece ainda não fazer parte das rotinas governamentais, uma vez que os resultados das avaliações são encarados de forma extrema, seja como denúncia de investimentos que não obtiveram resultados satisfatórios, ou o contrário: políticas que apresentam bons resultados e são, por isso, utilizadas como manobra eleitoral.

Mesmo apresentando um quadro ainda não consolidado, Souza (2003, p. 15) expõe que “chegou-se à conclusão de que, apesar de a área ainda apresentar problemas do ponto de vista acadêmico, ela tem crescido em qualidade e em volume de produção, apontando para a maturidade de sua produção científica”.

Mais de uma década depois do estudo realizado por Souza (2003), acreditamos que a área já esteja mais consolidada e que a avaliação de políticas esteja sendo utilizada pelo estado de forma mais consciente, podendo contribuir de forma significativa para a (re)formulação e implantação de programas e projetos sociais.

As discussões presentes neste capítulo situam em que contexto a presente pesquisa se insere, onde o Estado Avaliador institui sistemas de avaliação que privilegiam dados quantitativos em detrimento dos dados qualitativos, podendo empobrecer, dessa forma, o currículo escolar.

Compreender esse cenário se faz necessário, pois a Política dos Ciclos, objeto de estudo da presente pesquisa, divide a opinião de especialistas educacionais no que se refere às contribuições desta organização curricular para a melhoria da qualidade da educação, podendo ser mais um agravante na operacionalização dos aspectos curriculares.

Nesta perspectiva, acreditamos que a análise dessa política, levando em consideração todo o seu contexto político, econômico e social, contribuirá para o entendimento dos alcances da escola ciclada, auxiliando, também, a urgência da valorização da avaliação de políticas para a adequação do quadro educacional de nosso país, atendendo a população mais carente no direito à educação.