• Nenhum resultado encontrado

2.2 AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO CONTEXTO DO ESTADO

2.2.3 Políticas Educacionais no Brasil contemporâneo

A Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei Federal nº 9.394/96 inauguraram, no Brasil, novas formas de conceber a educação brasileira. Através da Constituição Federal de 1988 são ampliadas as responsabilidades do poder público e da sociedade em geral, e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional traz os princípios que orientam a nova gestão escolar: gestão democrática e gestão participativa.

A partir desse contexto, outras políticas educacionais são geradas, com foco principalmente na busca pela qualidade da educação, onde o discurso governamental se baseia nos princípios da gestão democrática e participativa como propulsoras da melhoria da educação.

Nessa direção, há uma variedade de políticas educacionais atualmente vigentes no Brasil. Dentre elas, trataremos apenas das políticas educacionais que, de certa forma, estão relacionadas com o objeto de investigação, que é a política dos Ciclos de Aprendizagem, organização curricular utilizada como meio de enfrentar o fracasso escolar, detalhada mais adiante. Assim, as políticas educacionais que se relacionam com a política dos ciclos de aprendizagem são: Compromisso Todos pela Educação (CTE) e o Ensino Fundamental de Nove Anos.

O Compromisso Todos pela Educação (CTE) está materializado através do decreto nº 6.094, publicado em 24 de abril de 2007, no Governo Lula. O CTE é um

movimento da sociedade brasileira que tem como missão contribuir para que a nação assegure a todas as crianças e jovens uma Educação Básica de qualidade até 2022. Um discurso que demostra preocupação por parte do governo com a oferta educacional.

Portanto, o CTE possui o objetivo de auxiliar e propiciar as condições de acesso, de alfabetização e de sucesso escolar, a ampliação de recursos financeiros, bem como a melhoria da gestão desses recursos.

Para atingir seu objetivo, o movimento desenvolve as seguintes ações: elaboração de relatórios anuais, onde mensura e analisa as tarefas desenvolvidas por Estados e Municípios em busca das metas; pesquisas que procuram identificar e promover os estudos necessários para aperfeiçoamento dos diagnósticos e das políticas; realização de encontros entre especialistas e jornalistas sobre temáticas educacionais; confecção de boletins para a divulgação das ações do movimento; elaboração de campanhas publicitárias; dentre outras ações.

O CTE é um plano composto por 28 diretrizes de ações políticas, discriminadas através de metas a serem cumpridas pelos participantes do documento, elaborado pelo Ministério da Educação (MEC). O município faz a adesão voluntariamente e, a partir da aceitação, deve aplicar um questionário diagnóstico da situação educacional, elaborar o Plano de Ações Articuladas (PAR) e submeter ao Ministério da Educação.

Das 28 metas8, consideramos que as cinco primeiras estão diretamente

relacionadas com a adoção da política dos ciclos de aprendizagem nas redes/sistemas de ensino dos municípios, pois abordam sobre a alfabetização, a importância do acompanhamento dos alunos através de sistemas de avaliação e combate da evasão e repetência. Nessa direção, podemos compreender que a organização não seriada é uma das estratégias utilizadas pelos governos ditos progressistas de melhorar os resultados educacionais.

É através da parceria entre Governo Federal e município que o Governo Federal, por meio do MEC e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), possui o compromisso de repassar os recursos financeiros e oferecer assistência técnica para que os municípios possam colocar em prática as metas do CTE.

8

Para acompanhar as ações desenvolvidas pelos municípios, o Governo Federal se utiliza dos resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB).

O IDEB foi criado em 2007 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), com o intuito de medir a qualidade do aprendizado nacional e estabelecer metas para a melhoria do ensino. Assim, o IDEB é um indicador da educação nacional, possibilitando, dessa forma, um acompanhamento da qualidade da educação por toda a sociedade.

Essa qualidade é questionada por estudiosos da área devido ao índice pautar-se apenas em dados numéricos, deixando aspectos qualitativos de lado, imprescindíveis para analisar a qualidade educacional, conforme já discutido anteriormente neste mesmo capítulo.

Para chegar ao resultado do IDEB, são calculados dois componentes. O primeiro é a taxa de rendimento escolar, a aprovação, recolhidos através do preenchimento do Censo Escolar que as escolas realizam anualmente. O segundo são as médias de desempenho obtidas nas avaliações externas, os exames que são aplicados pelo Inep a cada dois anos. As avaliações são: Prova Brasil para escolas e Municípios e Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), para os Estados e o país.

Há o compromisso dos municípios no CTE de chegar à nota 6,0 até 2020, que é a média correspondente ao sistema educacional dos países desenvolvidos. Essa meta está sendo auxiliada via elaboração do PAR com o apoio financeiro do FNDE.

Podemos observar que, para atingir as metas do CTE, outras políticas são criadas para subsidiar os objetivos almejados. Assim, as políticas estão organizadas ao redor de objetivos, metas, agindo em articulação.

Este indicador, no entanto, não pode ser visto apenas como uma regra matemática, mas deve ser observado como a tradução de uma concepção de política de estado neoliberal, que incorpora a noção de mercado para tratar a educação, traduzido por quase-mercados educacionais. A educação é compreendida como uma mercadoria, em vez de direito a todo cidadão.

Diante da diversidade das condições dos sistemas educacionais, redes de escolas e escolas em todo o país, o desafio é grande para se igualar à média dos

países desenvolvidos, e mesmo que venha a alcançar até 2020, infelizmente, isso não significará que a educação será realmente de qualidade.

Essa busca pode demonstrar a forte influência da lógica mercadológica do estado neoliberal, incutindo, na realidade brasileira, padrões educacionais que fogem à sua realidade.

Um caminho para melhoria da qualidade educacional poderia ser agregar, ao cálculo do IDEB, dados qualitativos baseados em estudos sobre a escola eficaz ou a criação de outra forma de analisar a qualidade da educação em nível nacional.

Na opinião de Silva (2013, p. 84-85),

Sob o aspecto político, constata-se que o CTE vem a ser uma política de mobilização nacional em torno de objetivos comuns, relativos à qualidade de educação. Os municípios, ao assinar o documento, comprometem-se com a execução das já mencionadas metas, aceitando a coordenação de ações e os parâmetros decisórios fornecidos pelo Governo Federal. Devem ser questionados, no entanto, dois aspectos relativos a essa política: a) será que todos os gestores educacionais dos municípios, à época da assinatura do CTE, possuíam a plena consciência do alcance de tal política em suas redes/sistemas de ensino, no que tange aos esforços a ser empreendidos?; b) o IDEB conseguirá realmente aferir as melhorias qualitativas em todas as dimensões do CTE?

O primeiro argumento do autor sugere a questão da formação de professores, que pode ser um complicador quando os profissionais da Educação aceitam acordos, projetos e ou programas sem entender bem como tais ações estão em consonância com articulações, ancorados em contextos mais amplos. Outra questão é que, muitas vezes, o aceite é feito devido à vinculação de recursos, que funciona como um atrativo, deixando de lado outras questões que mereceriam ser refletidas, como as implicações de tais adesões para as rotinas educacionais.

O segundo questionamento posto pelo autor é, também, relevante, pois há estudiosos que refletem sobre a chamada qualidade da educação aferida pelos resultados do IDEB9. Nesses estudos é questionado até que ponto o IDEB das

escolas, das redes de ensino, demostra realmente a qualidade do ensino ofertado. Sem mencionar que, às vezes, os dados coletados para a composição da nota do IDEB são forjados.

9

Nessa direção, é necessário perguntarmos que qualidade é essa, que foca em dados numéricos e, ainda assim, não consegue refletir a realidade desse enfoque quantitativo. Há que se pensar em outras formas, outros índices.

A segunda política educacional que focamos é o Ensino Fundamental de Nove Anos. Os objetivos da ampliação do Ensino Fundamental para nove anos de duração são:

[...] melhorar as condições de equidade e de qualidade da Educação Básica; b) estruturar um novo ensino fundamental para que as crianças prossigam nos estudos alcançando maior nível de escolaridade; c) assegurar que, ingressando mais cedo no sistema de ensino, as crianças tenham um tempo mais longo para as aprendizagens da alfabetização e letramento (BRASIL, 2009, p. 5).

De acordo com o MEC (BRASIL, 2009), a legislação que ancora essa política educacional é constituída por:

 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – artigo 208;

 Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – admite a matrícula no Ensino Fundamental de Nove Anos, a iniciar-se aos seis anos de idade;

 Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001 – estabelece o Ensino Fundamental de Nove Anos como meta nacional;

 Lei nº 11.114, de 16 de maio de 2005 – altera a LDB e torna obrigatória a matrícula das crianças de seis anos no Ensino Fundamental;

 Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006 – altera LDB e amplia o Ensino Fundamental para nove anos de duração, com a matrícula de crianças de seis anos de idade e estabelece prazo de implantação, pelos sistemas, até 2010.

A partir dessa legislação, o MEC (BRASIL, 2009) sugere que o Ensino Fundamental seja estruturado da seguinte forma:

Quadro 1 – Estruturação do Ensino Fundamental

ENSINO FUNDAMENTAL

ANOS INICIAIS ANOS FINAIS

1º ano 2º ano 3º ano 4º ano 5º ano 6º ano 7º ano 8º ano 9º ano

Além dessa nomenclatura, há uma orientação, presente no Parecer CNE/CEB nº 4, de 2008, que estabelece o 1º ano do Ensino Fundamental como parte de um ciclo de três anos de duração, chamado de ciclo da infância, em que esses três anos iniciais devem estar voltados à alfabetização e letramento.

Nesse sentido, também há o Parecer CNE/CEB nº 11, de 2010, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de Nove Anos, outra orientação que complementa o funcionamento dos três primeiros anos do Ensino Fundamental, através do § 1º:

Mesmo quando o sistema de ensino ou escolas no uso de sua autonomia fizerem opção pelo regime seriado, será necessário considerar os três anos iniciais do Ensino Fundamental como um bloco pedagógico ou um ciclo sequencial não passível de interrupção, voltado para ampliar a todos os alunos as oportunidades de sistematização e aprofundamento das aprendizagens básicas, imprescindíveis para o prosseguimento dos estudos (BRASIL, 2010).

Foi a partir destas orientações que algumas secretarias municipais alteraram parte ou todo o seu currículo do Ensino Fundamental para a organização curricular em ciclos. Outros motivos dessa alteração são apresentados mais adiante, onde tratamos acerca do desenvolvimento das políticas de não seriação, enquanto uma política educacional em busca da qualidade.

Vale mencionar que, já na década de 1990, houve práticas curriculares voltadas para o regime ciclado, conforme assinala Arelaro et al. (2011, p. 40):

Cabe mencionar a experiência dos ciclos de formação iniciada em Belo Horizonte e realizada de forma exitosa em Porto Alegre (Escola Plural e Escola Cidadão, nos anos de 1990), em que a organização do ensino fundamental em três ciclos de três anos cada pressupunha a entrada de crianças de 6 anos no primeiro ano dessa etapa de ensino.

Podemos compreender que tais recomendações presentes nos documentos orientadores do MEC acerca do Ensino Fundamental de Nove Anos foram influenciadas, também, por práticas curriculares exitosas já existentes no âmbito do nosso país.

Logo no início da implantação dessa política, Gorni (2007, p. 69) questionava se o Brasil estava preparado para tal jornada, e refletia acerca do seu significado para o cenário educacional brasileiro.

Tal preposição, em pleno desenvolvimento da reforma da educação brasileira iniciada nos anos 90, tanto pode significar uma tendência positiva de existência de um movimento de busca de aprimoramento do processo em desenvolvimento, quanto apenas a ocorrência de mais uma ação

pontual de cunho político, com vistas a introduzir uma simples mudança estrutural que pouco ou nada vai interferir na qualidade da educação ofertada neste nível de ensino.

Os atuais resultados apresentados nas políticas de avaliação podem auxiliar na compreensão do impacto que a ampliação do Ensino Fundamental de Nove Anos revelou para a primeira etapa do ensino obrigatório no Brasil.

Os aspectos levantados neste item tiveram como função compreender como essas duas políticas Educacionais (CTE e o Ensino Fundamental de Nove Anos), ambas criadas no Governo Lula, apesar do tom de serem documentos orientadores, que buscam ampliar as condições de acesso à educação da população, por outro lado, demonstram caráter prescritivo acerca de qual é a forma mais adequada de organizar os currículos nos três primeiros anos do Ensino Fundamental. Também, cobrar das instituições educacionais um maior compromisso através de metas para melhorar a educação. Assim, a adoção dos ciclos como organização curricular não é apenas uma opção, mas uma obrigação, pelo menos nos três primeiros anos do Ensino Fundamental, o que reforça o discurso governamental da busca por uma educação de qualidade.

Neste sentido, percebemos uma articulação de políticas em âmbito nacional, na atualidade, sob a mesma formação discursiva: busca por uma educação de qualidade. Entretanto, apesar da existência de políticas educacionais em âmbito nacional, de forma articulada, com a mesma rubrica, a educação brasileira ainda apresenta resultados insatisfatórios, o que indica que tais políticas não foram construídas levando em consideração as reais demandas educacionais, ou as formas de atuação não estão sendo adequadas, como podemos observar no caso da política dos ciclos na Rede Municipal de Ensino na cidade do Salvador.