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2.3 CICLOS DE APRENDIZAGEM COMO POLÍTICA EDUCACIONAL

2.3.1 Escola seriada x Escola ciclada

Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, podemos considerar que o Brasil obteve alguns avanços em seu sistema educacional, criando mecanismos que, aos poucos, têm possibilitado o entendimento da educação enquanto um direito de todo cidadão.

Na própria Constituição (BRASIL, 1988), a educação é vista como um dos direitos sociais (Art. 6.), sendo de responsabilidade do Estado e da família em colaboração com a sociedade (Art.205). Há, também, o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), que coloca os pais ou responsáveis com a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino (Art. 55). Mais recentemente houve a alteração da obrigatoriedade da educação básica e gratuita para 4 a 17 anos, organizados da seguinte forma: Pré-escola, Ensino Fundamental e Ensino Médio (BRASIL, 2013).

Diante desses avanços constitucionais, precisamos perguntar se a escola que temos está sendo capaz de ampliar o direito à educação a todos os indivíduos, e se isso está ocorrendo com a devida qualidade.

Preocupados com essa ampliação do direito à educação, bem como com a sua qualidade, especialistas da área educacional têm mostrado opiniões diversas,

às vezes opostas, acerca de duas formas de organização curricular que ocorrem no cenário brasileiro: a escola seriada e a escola ciclada. Afinal, o que muda de uma organização curricular em séries para uma organização curricular em ciclos?

A escola seriada é aquela que conhecemos desde crianças, através da qual nós fomos escolarizados e aprendemos a ser aluno e ou professor. A lógica da escola seriada está tão presente em nosso imaginário que nem sequer paramos para refletir como foi que ela surgiu, se é possível outra forma de se conceber a organização escolar, ou se ainda há uma maneira mais adequada para o projeto de cidadão que almejamos em pleno século XXI.

A necessidade de preparação de mão de obra em massa para o sistema capitalista pode ser uma das explicações para o aparecimento da instituição escolar no formato seriado. Ensinar na escola seriada atendendo a um número de alunos supostamente no mesmo estágio de aprendizado é a maneira mais rápida de preparação de quadros para o mercado de trabalho.

Podemos conceber a escola seriada com as seguintes características:

O conhecimento foi partido em disciplinas, distribuído por anos e os anos foram subdivididos em partes menores que servem para controlar uma certa velocidade de aprendizagem do conhecimento. Convencionou-se que uma certa quantidade de conhecimento devia ser dominado pelos alunos dentro de um determinado tempo. Processos de verificação pontuais indicam se houve ou não domínio do conhecimento. Quem domina avança e quem não aprende repete o ano (ou sai da escola) (FREITAS, 2003, p. 27).

Nesta lógica, o aluno que não aprende é condenado a repetir o ano, quando, na pior da hipótese, abandona a escola. Foi esse formato de escola que trouxe para o Brasil, em momentos anteriores, altos índices de reprovação e evasão, denunciando as fragilidades desse sistema excludente.

Tal situação pode ser comprovada nos resultados da pesquisa de Barretto e Mitrulis (2001, p. 104):

Em meados do século, o Brasil apresentava os índices de retenção mais elevados em relação a outros países da América Latina: 57,4% na passagem da 1ª para a 2ª série do ensino fundamental. Estudos realizados pela Unesco mostravam, à época, que 30% de reprovações acarretavam um acréscimo de 43% no orçamento dos sistemas de ensino.

Pesquisas já comprovaram que a reprovação não provoca aprendizagem no aluno: pelo contrário, deixa marcas não só na sua autoestima como repercute ao seu redor, no ambiente familiar. Além dessa consequência no aspecto pedagógico,

também há implicações que contrariam os interesses mercadológicos, conforme apontam Barretto e Mitrulis (2001, p. 104):

Durante décadas as análises realizadas sobre a produção da retenção vêm apontando duas ordens de consequências indesejáveis: os prejuízos que causa à organização e ao financiamento do sistema de ensino e os obstáculos que interpõe ao processo de aprendizagem dos educandos e suas nefastas decorrências no plano pessoal, familiar e social.

É interessante refletir a respeito dessas duas consequências, que tratamos nessa pesquisa como discurso pedagógico e discurso mercadológico, que vêm influenciando os discursos a favor e contra a política dos ciclos no Brasil, enquanto uma política educacional no enfrentamento do insucesso escolar.

O discurso pedagógico pode ser compreendido como uma crença que enxerga a política dos ciclos como uma forma de superar os problemas causados pela escola seriada, visivelmente evidenciados nos dados de reprovação e evasão, apostando em uma mudança de paradigma educacional com a criação de uma forma de organização curricular totalmente diferente da seriada. Vale destacar que essa mudança de lógica exige investimento financeiro, não sendo, portanto, barata.

O discurso mercadológico também é favorável à escola ciclada, mas apenas foca na redução dos gastos educacionais que uma reprovação provoca, sendo assim, adepto a essa política. Entretanto, desconsidera todas as mudanças necessárias, que implicam uma alteração de organização seriada para ciclada. Seu foco é apenas econômico, com o intuito de diminuir os recursos financeiros gastos com educação. Segundo Barretto e Mitrulis (2001, p. 103),

Os ciclos compreendem períodos de escolarização que ultrapassam as séries anuais, organizados em blocos cuja duração varia, podendo atingir até a totalidade de anos prevista para um determinado nível de ensino. Eles representam uma tentativa de superar a excessiva fragmentação do currículo que decorre do regime seriado durante o processo de escolarização. A ordenação do tempo escolar se faz em torno de unidades maiores e mais flexíveis, de forma a favorecer o trabalho com clientelas de diferentes procedências e estilos de aprendizagem, procurando assegurar que o professor e a escola não percam de vista as exigências de educação postas para o período.

Diferentemente da escola seriada, a escola ciclada prepara-se para o acolhimento de alunos que apresentam distintos ritmos de aprendizagem, não expulsando o educando da escola quando ele não apresenta o aprendizado esperado para aquele determinado ano de estudo, no caso, a série.

Outra característica que vale a pena destacar, da escola ciclada em relação à escola seriada, é que a avaliação da aprendizagem se torna um processo indispensável, nunca ausente. A grande diferença é que há um maior tempo para que as aprendizagens ocorram e há, também, maior preocupação com a não aprendizagem, necessitando de intervenções pedagógicas ainda no mesmo período de estudo, não precisando esperar o ano letivo terminar. Em outras palavras, a avaliação e o acompanhamento são feitos de forma processual, não ao final do processo, e tem característica formativa e não punitiva.

A seguir abordamos como a concepção de um regime não seriado foi sendo desenvolvida no Brasil, bem como acerca da sua origem no contexto global, nacional e local.