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4.2 MOTIVAÇÃO POLÍTICA E ESTRATÉGICA PARA UMA MUDANÇA TÁTICA COM O USO DE

4.2.4 Bósnia (1992-95) e Kosovo (1991-2001): o início da admiração dos drones

Com o resultado na Somália, Arrighi lembra o comentário da secretária de estado Madeleine Albright: “de que adianta ter esse grande exército do qual tanto falamos se não podemos usá-lo?” (ARRIGHI, 2008, p. 190). Por isso, para Arrighi as missões Humanitárias na Bósnia e Kosovo foram justamente para justificar o “grande exército” dos EUA, e acima de tudo, para mostrar “que o endosso prévio da ONU às ações policiais que os Estados Unidos resolvessem realizar era bem-vindo, mas dispensável. Bastava o endosso mais confiável da OTAN” (ARRIGHI, 2008, p. 190-191). Assim, continua Arrighi, a Guerra do Kosovo provou que os EUA podiam bombardear qualquer lugar do planeta, mas que não colocariam tropas no chão.

Pela análise da RAM, Møller (2002, p. 48) destaca que o primeiro ato dos EUA nos Balcãs foi a guerra civil na Bósnia entre sérvios, croatas e muçulmanos, resultando em zonas protegidas da ONU e o massacre genocida de muçulmanos em Srebrenicka. Os EUA pressionaram a OTAN para aceitarem uma política de embargo de armas a todos os lados do conflito, mas dando suporte ao lado em desvantagem, lançando ataques aéreos sobre os Sérvios até o acordo de paz que dividiu a Bósnia em três partes confederadas. (MØLLER, 2002, p. 48-49).

No entanto, o alegado caráter de RAM das forças dos EUA nesse conflito não pode ser sustentado, segundo Møller, por quatro motivos: o primeiro é que os ataques aéreos não foram bem vistos pelos aliados europeus uma vez que eles possuíam tropas no chão, ao contrário dos EUA, e que essas tropas poderiam ser atingidas pelos ataques aéreos; o segundo é que as zonas protegidas apresentaram falhas, devido, em parte, ao mau julgamento e incompetência dos EUA e também por falta de meios; o terceiro é que o fato de o acordo de paz ter sido feito logo após os bombardeios não significa que foi assinado por causa deles, mas que ele (o acordo de paz) nunca havia sido proposto antes aos sérvios e que eles até aceitaram

previamente os aspectos territoriais, semelhantes aos acordos de Vance-Owen; e por fim, que os ataques aéreos foram ao estilo tradicional da guerra do Vietnã (MØLLER, 2002, p. 49).

O segundo ato dramático nos Balcãs, segundo Møller (2002, p. 49), foi no conflito de Kosovo, onde os EUA tiveram ignorado o conflito por anos antes de decidirem que a força militar era o único meio contra o líder sérvio Milosevic (MØLLER, 2002, p. 49). O Presidente Clinton reforçava que não haveria tropas no chão e que seria uma campanha aérea, inicialmente com mísseis de cruzeiro contra a defesa antiaérea e o sistema de comando das forças sérvias, que, ratifica Møller, estavam de acordo com a filosofia da RAM, mas os próximos ataques contra as forças diretamente da sérvia não impressionaram tanto, destruindo cerca de treze tanques sérvios, devido ao fato de bombardearem a alta altitude com aviões B- 52, ao invés de baixas altitudes com aviões caças ou helicópteros, tudo em conformidade com a política de zero-risco, mas ainda considerada dentro dos critérios de uma RAM (MØLLER, 2002, p. 49).

Tanto Møller (2002, p. 50) quanto Mearsheimer (2001, p. 113-114) apontam que há dúvidas sobre a rendição de Milosevic ter sido em função dos ataques aéreos, uma vez que a Rússia, aliada da Iugoslávia e contrária ao conflito, por vezes pressionou Milosevic a por fim aos conflitos e que a OTAN também pressionava prometendo colocar tropas no chão. Se pela ótica de Møller a campanha dos EUA representou uma RAM, pela visão de Mearsheimer as campanhas aéreas, com bombardeamento estratégico, não são decisivas nos combates, cabendo às tropas terrestres o desfecho final. Mearsheimer defende esse conceito por acreditar que as populações civis conseguem sobreviver muito tempo, sob privação, sem se rebelarem contra seu governo, visto que esse é o provável uso dos bombardeios estratégicos (MEARSHEIMER, 2001, p. 115).

No entanto, nenhum dos dois autores citados acima sequer menciona o uso de drones, mas foi exatamente na Bósnia que se utilizou pela primeira vez o drone Predator (desarmado) e a primeira vez que se utilizou drones em missões complexas utilizando várias unidades, conforme Arthur Holland Michel, em seu artigo Drones in Bosnia, publicado em 2013 no Center for the Study of the Drone [on-line], onde ele é Co-Diretor.

Michel (2013) destaca o sucesso dos primeiros drones Predator, que faziam parte do Air Force Air Combat Command’s 11th Reconnaissance, decolando de uma base na Hungria, e que foram utilizados em operações conjuntas apenas para coleta de vídeo ao vivo, via satélite, permanecendo no ar por até 24 horas, no verão de 1995. Seu uso foi importante porque revelou, por exemplo, que os militares sérvios não tinham cumprido sua promessa de retirar armas de Saraievo. Segundo o artigo, essa foi uma das cerca de 1.575 missões

conjuntas realizadas entre a ONU e a OTAN até o final de 1996, quando o investimento passou dos US$ 50 milhões de dólares em 1995 para US$ 115,8 milhões em 1996. Michel conclui que a experiência na Bósnia serviu para testar as características técnicas que permanecem até hoje, ou seja:

[...] a integração de drones em operações táticas conjuntas e o uso de aeronaves não tripuladas como ferramenta de intervenção humanitária de baixo risco. Em suma, quando olhamos para as atuais operações de drone no Paquistão, no Iêmen, no Afeganistão e na África Oriental, estamos olhando para um modelo de guerra que foi testado pela primeira vez na Bósnia. [...] Embora seja um fato pouco conhecido que a Bósnia foi um momento seminal na história dos drones, a intervenção americana nesse país é frequentemente citada como um exemplo e pretexto para ações militares humanitárias semelhantes (MICHEL, 2013, on-line).82

Michel extraiu grande parte das informações do segundo relatório anual do Defense Airborne Reconnaissance Office (DARO) sobre os Veículos Aéreos Não Tripulados em 1996, que curiosamente abria com uma epígrafe de Homero na qual dizia: “Eu vi as cidades dos homens e compreendo seus pensamentos” (MICHEL, 2013, on-line)83. Essa apropriação da passagem da Odisséia, para Michel, é vista não apenas como caráter de conhecimento para adquirir vantagem tática na guerra, mas parece querer lembrar que “o ideal de guerra de Homero é muito mais sobre a ordenança do que a vigilância”, deixando uma mensagem indireta de que os drones não seriam apenas uma nova arma para se lutar contra os mesmos tipos de guerra, mas que “a implantação de drones na Bósnia anunciou um novo tipo de guerra completamente” (MICHEL, 2013, on-line)84.

Os conflitos da Bósnia e Kossovo coincidem com o período em que houve grande mudança nas Forças Armadas dos EUA em direção ao uso de drones, como veremos adiante, quando se iniciou a história do drone Predator armado com mísseis antitanque Hellfire 114C.

82

Tradução livre para: “the integration of drones into joint tactical operations and the use of unmanned aircraft as a tool of low-risk humanitarian intervention. In short, when we look at the current drone operations in Pakistan, Yemen, Afghanistan, and east Africa, we are looking at a model of warfare which was first tested in Bosnia.” (MICHEL, 2013, on-line). Disponível em: <http://dronecenter.bard.edu/drones-in-bosnia/>. Acesso em 05 dez. 2017.

83 Tradução livre para: “I’ve seen the cities of men and understand their thoughts” (MICHEL, 2013, on-line). Disponível em: <http://dronecenter.bard.edu/drones-in-bosnia/>. Acesso em 05 dez. 2017.

84 Tradução livre para: “the deployment of drones in Bosnia heralded a new kind of warfare altogether.” (MICHEL, 2013, on-line). Disponível em: <http://dronecenter.bard.edu/drones-in-bosnia/>. Acesso em 05 dez. 2017.

4.3 OS “ATENTADOS DO 11 DE SETEMBRO” E A “LUTA GLOBAL AO TERROR”:

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