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Antes de examinar a mudança tática proposta neste trabalho, veremos o que caracteriza e distingue a tática da estratégia.

Para Clausewitz, existem ações distintas que formam unidades operacionais diante de uma guerra. Essas unidades são chamadas por ele de recontro78 (engajamento ou encontros de conflito), ou seja:

[...] o combate consiste num maior ou menor número de ações distintas que formam um todo e a que se chamam recontros [...] e que constituem novas unidades. Foi isso que deu origem a essa atividade completamente diferente que consiste em ordenar e dirigir esses recontros distintos, em seguida a coordená-los entre si com vista à guerra. A uma chamou-se tática e à outra estratégia (CLAUSEWITZ, 2010, p. 92- 93, Grifo do Autor).

Então a tática consistiria em ordenar e dirigir esses recontros (engajamentos ou os encontros de conflito), como se fossem atividades isoladas e com objetivos mais precisos, menos gerais. Enquanto a estratégia coordenaria esses recontros de forma mais ampla, visando à guerra: “[...] a tática é pois a teoria relativa à utilização das forças armadas no recontro. A estratégia é a teoria relativa à utilização dos recontros a serviço da guerra” (CLAUSEWITZ, 2010, p. 93, Grifo do Autor). Dessa forma a tática teria um caráter mais simples do que a estratégia:

Dividimos a condução da guerra em dois setores: tática e estratégia, e, como já assinalamos, a teoria desta última apresenta incontestavelmente as maiores dificuldades, não compreendendo a primeira senão um campo bastante limitado de questões, enquanto a segunda engloba os fins que conduzem diretamente à paz, domínio indeterminado e cheio de possibilidades de toda a ordem (CLAUSEWITZ, 2010, p. 124).

Para demonstrar melhor o conceito de tática, Clausewitz cita alguns exemplos de ações mais ligadas à ação da guerra propriamente dita:

não fazer intervir a cavalaria contra a infantaria ainda intacta, quando isso não for indispensável; não utilizar as armas de fogo senão quando começam a ter um efeito certo; no recontro (engajamento), reservar para o fim o maior número de forças possíveis (CLAUSEWITZ, 2010, p. 131)

A tática sempre foi de importância para a execução das atividades militares, mas como atividades de execução de uma determinada estratégia predefinida como sugere Clausewitz. Para ele, Estratégia e Tática têm complexidade respectivamente decrescente. É possível

extrair esse entendimento quando ele analisa o aspecto do metodismo (práticas e exercícios) – que se traduz nas práticas constantes que levam à habilidade e à precisão e segurança na condução das tropas – e o localiza dentro da tática:

O método tem, pois, uma aplicação mais corrente e mais indispensável quando se desce na hierarquia do posto militar; se se subir na hierarquia, esta aplicação, pelo contrário, atenua-se, para acabar por perder-se completamente nos postos mais elevados. Também o seu lugar é de preferência na tática do que na estratégia. (CLAUSEWITZ, 2010, p.. 133).

Ao observarmos a teoria de Michael Roberts, que sugeriu uma Revolução Militar entre 1560 e 1660 a partir de uma mudança na tática – mais precisamente na formação linear dos mosqueteiros e na transformação da cavalaria pesada em cavalaria leve e de apoio à infantaria que teria criado as bases para o fim da Idade Média e início da Moderna, verificamos que ela se enquadra no conceito de tática de Clausewitz, uma vez que tais mudanças permeiam ações de alcance mais curto e decisões mais rápidas e imediatas, pois

Uma importante decisão estratégica exige maior força de vontade do que uma decisão de ordem tática, em que se é dominado pelo momento, em que o comandante se sente arrastado por uma corrente à qual não se atreve a resistir sem se expor aos maiores perigos; ele recalca as dúvidas que começam a se formar e avança valentemente. A estratégia, onde tudo se desenrola muito mais lentamente, deixa um lugar bem maior às dúvidas provenientes dos outros ou de si próprio, às objeções e às observações, portanto, também aos remorsos intempestivos. E, como na estratégia não vemos metade das coisas com os nossos próprios olhos como acontece na tática, naquela, pelo contrário, tem-se de adivinhar e conjeturar tudo, sendo por sua vez as convicções menos inabaláveis. Daí as hesitações nas quais a maioria dos generais se enterra no momento de agir (CLAUSEWITZ, 2010, p. 173-174).

Essa questão do distanciamento das ações em campo de batalha que leva os generais à hesitação parece ter sido modificada, ou, ao menos reduzida, com o uso de drones, pois houve uma aproximação do campo de batalha tanto na questão da observação quanto na de ataque.

Chamayou traz uma questão semelhante à de Clausewitz quanto aos aspectos de proximidade/distância do inimigo, só que no aspecto da hesitação ou não em se matar o adversário. Segundo a teoria do psicólogo e ex-militar Dave Grossman, citada por Chamayou, quanto mais próximo se está do inimigo maior a hesitação em mata-lo, ao passo que, quanto mais distante, menor a hesitação, como nos casos de bombardeios e disparo de mísseis. Chamayou observa que, independente da teoria ser correta ou não ela chama a atenção para o fato de que os drones estão ao mesmo tempo próximos e distantes, pois se o operador de drones está a milhares de quilômetros da ação dos mísseis que são disparados, por outro lado as câmeras dos drones fazem com que a imagem do inimigo pareça próxima (CHAMAYOU, 2015, p. 131-132). Esse aspecto talvez sirva para entender melhor por que há tantas mortes

por drones (por estarem distantes) ao mesmo tempo em que há tantos problemas psicológicos com seus os pilotos (próximos pela tela que comanda o drone), como será visto mais adiante.

Então a mudança tática dos drones é aquela que acontece na sua forma de uso, que mudou de simples aparato de vigilância para uma arma de caçada humana. Essa mudança parece aproximar tática de estratégia e política, ao trazer respostas imediatas do campo de batalha para os níveis estratégicos e políticos (comandantes e o presidente dos EUA) e o poder de interagir nesse campo de batalha de forma letal, algo que faz parte da esfera da tática, como nos diz Clausewitz:

A surpresa, de preferência, faz parte do domínio da tática pela simples razão de que todos os dados de tempo e de lugar nela são muito mais curtos. Na estratégia, ela será pois tanto mais realizável quanto as medidas a tomar estejam mais próximas do domínio tático e tanto mais difíceis quanto esses meios se elevem ao nível da política (CLAUSEWITZ, 2010, p. 210)

Assim, ao serem usados de forma letal em caçadas humanas de forma imperceptível, os drones satisfazem de maneira exemplar esse preceito da tática, pois apresentam elevado fator de surpresa sobre seus inimigos. Ao mesmo tempo, representam uma aproximação com a estratégia e também com a política.

Essas observações em relação à tática por si só já representam uma mudança significativa e servem de amostra ao teor transformador dessa tecnologia que será visto adiante.

4.2 MOTIVAÇÃO POLÍTICA E ESTRATÉGICA PARA UMA MUDANÇA TÁTICA

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