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Se queres encontrar um bom músico, procure-o nas bandas de música de Minas. Cidade mineira sem banda, ou não é cidade, ou não é mineira.123

Sociedade Musical Carlos Gomes – fundada em 1896.124

Paisagem sonora XXIII – Sociedade Musical Carlos Gomes: tuba, trompa, trombone

de vara, trompete, clarinete, flauta, caixa clara e surdo.

A primeira banda de música de que se tem registro em Belo Horizonte é a Sociedade Musical Carlos Gomes125, organizada por Alfredo Camarate em 11 de julho de 1896. Ela teve como seus primeiros integrantes pedreiros, carpinteiros, serventes,

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VILLA LOBOS, Minas Gerais, 28/03/92.

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Reprodução feita do livro: Memória Musical de Belo Horizonte. Acervo do Museu Abílio Barreto. Data: 1899.

125 “Existe uma discussão sobre qual foi realmente a primeira banda de Belo Horizonte. Os integrantes da

Corporação Nossa Sra. da Conceição dizem que ela é a primeira, por que a Carlos Gomes veio transferida de Ouro Preto, assim, não é belorizontina. Os integrantes da Carlos Gomes dizem que a banda foi fundada aqui em Belo Horizonte, apesar de terem músicos de Ouro Preto e outras cidades que vinham colaborar com as apresentações da banda.” CRUZ e VARGAZ, 1987.

engenheiros e outros trabalhadores que vieram construir a nova capital do estado126. Algumas fontes revelam que Alfredo Camarate contratou operários músicos com a intenção de formar um conjunto musical.

Freiras127 destaca que a Sociedade Musical Carlos Gomes desempenhou um papel relevante na construção do lazer e da vida cultural da cidade, tendo tocado na inauguração do Parque Municipal de Belo Horizonte (em 26/09/1897) e da iluminação elétrica (em 11/12/1897) e na cerimônia de inauguração final da capital.128 Em 1907 temos notícia de que a prefeitura promovia aos domingos, com a participação da Sociedade Musical Carlos Gomes, uma série de retretas no Parque Municipal.

Corporação Musical N. Sra. da Conceição.129

A Corporação Musical Nossa Senhora da Conceição foi criada em 31 de maio de 1914 por Manoel Augusto Araújo, Francisco Caetano de Carvalho e Astrolindo Cândido Rodrigues.

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Bandas Filarmônicas Civis de Belo Horizonte, Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Santos – 29 de agosto a 2 de setembro de 2007, p.2. Disponível em:

<http://www.portcom.intercom.org.br/expocom/expocomnacional/index.php/PEC- NAC/article/viewFile/156/131>. Acesso em 11/11/10.

127

FREITAS, Marcos Flávio de Aguiar, O choro em Belo Horizonte: aspectos históricos, compositores e obras. Belo Horizonte Escola de Música da UFMG 2005.

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FREITAS, 2005, p. 14.

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Reprodução feita do livro: Memória Musical de Belo Horizonte — sem data. Acervo da Corporação Musical N. Sra. da Conceição da Lagoinha.

Paisagem sonora XXIV – bandas de música: retretas e festas.

Noite de retreta musical no Bairro da Floresta. Autor – J . Garcia.130

Já em 1933, uma crônica da Revista Bello Horizonte, transcrita a seguir na sua íntegra, revela uma possível mudança na sonoridade da capital. Trata-se de um clarinete solo no centro de Belo Horizonte em uma manhã de domingo. Percebe-se que durante a semana a paisagem muda: a Rua dos Caetés deve obedecer ao silêncio imposto pela prefeitura e os negociantes sírios devem descansar, mesmo sem querer. Ao escutar o som desse clarinete, o autor relaciona a vida das bandas do interior e a vida das bandas da capital. Segundo o autor, o status da banda teria mudado e a cidade se despersonalizado: onde estaria aquela gente que veio para a capital? Onde estaria aquela banda de música que tocava em todas as festas até na inauguração da cidade?

Paisagem sonora XXV – Domingo, 10 de dezembro de 1933: silêncio na Rua dos

Caetés, um clarinete soa na Rua Rio de Janeiro, o silêncio das bandas de música.

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Reprodução feita do livro: Memória Musical de Belo Horizonte. (1915) – Acervo do Arquivo Público Mineiro.

O Passado Visto em Cinco Minutos

Jair Silva131 Domingo, 10 de dezembro de 1933 – Sáio do meu quarto, na rua dos Caetés, para ir à missa das dez horas. Há um grande silencio, imposto pela prefeitura. Os negociantes syrios descansam, sem querer. Aos domingos, os algarismos desaparecem provisoriamente dos seus lábios. E elles, reunidos no fundo das casas commerciaes, onde as famílias residem, conversam affectuosamente com a esposa e as creanças. Ou então descutem. Mas o que se percebe, em toda a extensão da rua dos Caetés, é apenas o silencio.

Ao subir a rua Rio de Janeiro, ouço a musica de uma clarineta.

O clarinetista é desconhecido. A música também. Mas vou ficando triste. Tenho certeza de que o pesar começou com a musica. Principio a procurar a origem da emoção. Sinto um saudade ainda pouco accentuada. É a peor categoria de saudade. Parece com as doenças para as quaes não se encontra um nome e são combatidas com uma serie de remédios differentes. Saudade de que?

Os meus passos continuam entretanto, a cidade se despersonaliza. Tudo, ao redor, vae ficando esbatido e indiferente. Há uma clarineta. E é ella – uma clarineta perdida na Capital do Estado – que faz desencadear em mim o mysterio de um aborrecimento novo.

Sinto uma grande saudade do meu pae, vivo e próximo, e uma saudade da minha terra, perto de mim no espaço, muito longe de mim no tempo. Serão estes, entretanto, os dois únicos motivos da minha extranha tristeza?

Creio que, neste instante, Paraopeba se vinga de mim, reconquistando meu affecto e o meu respeito. A infância e o principio da mocidade reaparecem na minha memória. E, com essas recordações, a lembrança de meu pae, o melhor de todos os meus amigos, entre as coisas velhas e já sem nome que ficaram esquecidas na terra.

Apesar da sua intelligencia, da sua funcção de jornalista, homem de prestigio no município de Paraopeba, meu pae nunca deixou de tocar clarineta, juntamente com os meus conterrâneos, de todas as cores e de todas as classes. Nos dias de procissão lá está elle, dono de um jornal, no meio da multidão, das ladainhas, das vozes anonymas... Meu pae e a sua clarineta.

É assim que o vejo nesse momento. E é agora, mais do que nunca, que eu comprehendo a sua sabedoria. Como é natural nelle o encanto de viver! Onde aprendeu elle aquella humildade que eu não tenho? Por que será que, até hoje elle ainda faz parte da banda de musica? Funccionario federal, jornalista, com uma serie de outras actividades, porque irá elle, nos dias de festa, juntar-se ao seus amigos da banda de musica...

É exactamente a banda de musica que me faz pensar mais em Paraopeba. Parece que a ouço ainda, no Largo da Matriz. Foi Ella que escravizou meu pae, apesar da sua intelligencia. Ella o prendeu para sempre à minha terra, com a mais profunda de todas as raízes. Bem sei que elle se sente feliz entre os amigos que eu esqueci e que são ainda hoje os seus companheiros.

Mas a minha tristeza, na rua Rio de Janeiro, é agora fácil de justificar. Uma clarineta, em Bello Horizonte, seria um instrumento ridículo. Longe de Paraopeba, a clarineta de meu pae seria como um rei exilado, em Paris. Talvez provocasse aqui a curiosidade: um director de jornal tocando clarineta. Entretanto, a clarineta não valeria nada. Os músicos de minha terra têm as suas gravatas, a sua roupa nova, a estima, a admiração de todos. Os músicos de Bello Horizonte tem só uniformes de brim kaki. Ou

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paletó azul e calças de flanella, como os da banda italiana. E os melhores clarinetistas aqui são os soldados de polícia.

Penso, pois, na minha vida, e na vida differente de meu pae. Ninguém, por exemplo, iria aplaudir o maestro Francisco Nunes, si elle quizesse tocar clarineta aqui, como nos seus antigos tempos, em Jequitibá. A clarineta, o violão, a sanfona e a flauta são hoje como certas plantas delicadas, que não podem ser transplantadas. A clarineta é de Paraopeba, assim como o violino, o piano, o violloncelo e a harpa são da cidade. A avenida Affonso Penna não compreende a banda de música. Só o concerto symphonico é elegante. (...)132

Entendemos que o autor da crônica, em momento de grande saudade de sua terra e da música de seu povo, percebeu algumas mudanças nos sons da capital. Destacamos a importância do momento da enunciação. O autor, Jair Silva, contrapõe-se à nossa percepção de mudança – quase 80 anos depois –, pois acreditávamos que a banda de música sempre estivesse presente – e no mesmo lugar social – na vida dessa cidade. Provavelmente as bandas tenham, sim, mudado de status, e o seu meio musical tenha sido dividido em hierarquias diferentes, assim os músicos de banda passaram a usar

“uniformes de brim kaki. Ou paletó azul e calças de flanella, como os da banda italiana”

ou o uniforme da polícia. Gravatas, roupas novas e estima e admiração de todos estariam reservadas para os concertos sinfônicos, em Belo Horizonte, na percepção da realidade – presente – por parte do cronista. Será que, assim como as moças, ninguém quer ser o músico simples de Curral Del Rey? O que existia na Avenida Afonso Pena, em 1933, além do Conservatório Mineiro de Música, da prefeitura e da Igreja de São José? Parece que, conforme afirma o autor, a “avenida Affonso Penna não compreende

a banda de música. Só o concerto symphonico é elegante”.

São necessárias, aqui, algumas indagações. Será que a música trabalhada pelos professores da Escola Livre de Música133 estava ligada a uma tradição de banda? Será

que a “nova música”, que começava a ser produzida a partir do surgimento da “nova elite cultural”, não povoava o coração de gente simples como o pai do nosso cronista?

Para onde será que essa gente simples se mudou sem querer saber da avenida?