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Desde a proliferação dos meios de gravação e reprodução sonora, como o rádio e o gramofone, na primeira metade do século XX, a associação entre música e tecnologia tem provocado uma situação de tensão entre os aspectos criativos e produtivos da música e estimulado a discussão a respeito das implicações dessa associação. Compositores aventuram a hipótese do surgimento de uma arte nova, intérpretes sentiram-se ameaçados pela reprodução em massa de gravações e pela automação da performance trazida por sistemas eletroeletrônicos, ao passo que os ouvintes viram-se, em mais de um sentido, obrigados a desenvolver novas estratégias de escuta, à medida que o contato com a música passou a ser mediado pelas tecnologias de áudio, em última instância emblematizadas pela onipresença dos alto-falantes.211

Propaganda de televisão, radiola e rádio.212

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IAZZETTA, Fernando. Música e mediação tecnológica, 2009, p.21.

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Paisagem sonora XLVI – máquina vitrola: ruas cheias de música e de admiradores

das melodias, cadências que obrigam a dançar – um samba remelexento de Sinhô. Carlos Drummond de Andrade refere-se a um sábado de aleluia em que ele se deu conta da mudança efetuada pela nova tecnologia e refere-se assim: “temos a máquina vitrola, que a geração de 1885 (...) não conheceu em sua mocidade e que foi capaz de encher as ruas de música e os coros cristãos dos primeiros séculos da igreja não entoariam com maior vibração os louvores da Aleluia”. O autor destaca o momento de mudança na capital, quando os coros e bandas de música não tocariam ou cantariam mais em todas as comemorações religiosas. Esse tempo foi marcado por mudanças nas funções da música presencial ligada a rituais, como no exemplo do sábado de aleluia, uma função religiosa e comemorativa.

A música na cidade

Carlos Drummond de Andrade

Todas as vitrolas da cidade anunciaram ontem a Aleluia e as alegrias que dela decorrem desde a queima do Judas até o baile de gala no Automóvel Club, tudo expressão do contentamento universal pelo termo desse melancólico romance da Paixão, em que um Deus novamente subiu aos céus e um mau discípulo desceu aos infernos. As ruas encheram-se de música e de admiradores gratuitos das melodias que dão uma cadência ao passo dos transeuntes e muitas vezes nos obrigam a dançar nos momentos menos coreográficos de nossa vida... Parece que todos os discos giraram ontem para comemorar o dia feliz, e os coros cristãos dos primeiros séculos da igreja não entoariam com maior vibração os louvores da Aleluia. Sejamos do nosso tempo, e concordemos em atribuir mais essa função às vitrolas, a função comemorativa. Elas já não nos fornecem apenas o comentário sonoro dos acontecimentos, senão também que os marcam e até certo ponto os lembram a pressa distraída do homem de 1930. E é possível que se não fossem as vitrolas, muita gente não soubesse ontem que o dia era festivo e que era preciso queimar um Judas, ao menos na imaginação.

Como é difícil queimar um Judas, um bom e gozado Judas, com o ventre cheio de bombas e molambos, as mãos poluídas sustentando um cabo de vassoura, as linhas da máscara horrivelmente deformadas pelo ódio ingênuo de seus fabricantes! As meninas que me leem, da geração de 1910 para cá, não sabem o que é isso e jamais o hão de saber. As posturas municipais, sacrificando o pitoresco em benefício da segurança pública, proibiram o Judas, como proibiram os balões coloridos das noites de São João. Belo Horizonte hoje é uma capital como as outras, com as suas noites de junho e os seus sábados de aleluia desprovidos dessa matéria-prima de poesia, demasiado explosiva talvez, mas por isso mesmo mais humana, porque há sempre uma porção de dinamite esperando estourar, dentro de nossa pobre alma urbana e civilizada.

Em compensação, temos a máquina vitrola, que a geração de 1885 (a que pertenço) não conheceu em sua mocidade e, que não constituindo propriamente substância explosiva, consegue entretanto irritar muito nervo burguês e produzir muita dor de cabeça em indivíduos pouco melômanos. É esse o pecado das vitrolas, como aquele era o do Judas. Por isso mesmo

várias polícias estão proibindo o funcionamento público dos gramofones. Mas isso será matar a música da cidade, e subtrair do passo dos transeuntes aquele ritmo tantas vezes alegre, que só mesmo um samba remelexento de Sinhô é capaz de construir, um momento em que a alegria é tão rara como a sorte nas mãos do cambista.213

Destacamos o caráter popular com o qual o poeta descreve a cena das vitrolas e

o nome da crônica – A música na cidade. Drummond descreve uma vida mais urbana e

civilizada, mas, em compensação, temos a vitrola. Entendemos que o espaço da música popular começa a se firmar por meio das gravações e do rádio ao mesmo tempo em que ocorre uma certa censura – “várias polícias estão proibindo o funcionamento dos

gramofones”.

Iazzetta refere-se ao surgimento dos meios de gravação e reprodução sonora como um marco na promoção de transformações expressivas nos modos de criação, difusão e recepção musicais. Tal mudança tecnológica, segundo o autor, desencadeou também uma série de modificações na organização social, com destaque para os

contextos em que se faz e se escuta música, eliminando a “necessidade de conexão

espaço-temporal entre a performance e a escuta”. Segundo Iazzetta, não se fazia necessário realizar a música, bastava comprá-la, e a escuta desse produto, esvaziada de rituais ligados aos concertos, tornava-se menos atenta e menos comprometida. Poderíamos dizer que surgia uma nova ligação ouvinte-música. Entendemos que nessa mesma época, tal desatenção pôde ser compensada pela repetição, e isso possibilitou, de alguma forma, ao ouvinte a posse e a eternização de uma determinada interpretação.

Segundo Gonçalves, a tecnologia das gravações mecânicas foi substituída gradativamente no Brasil pela nova tecnologia elétrica a partir de 1927. Essa nova tecnologia possibilitou um aumento na qualidade sonora da gravação e uma maior agilidade da reprodução das matrizes com queda nos preços do disco e de seu aparelho leitor. A autora compara o valor de 25$000 referente a um disco em 1902 e com seu valor em 1929, 5$000, e o preço de um gramofone, que de 350$000, passou a 230$000; mesmo assim, era restrito o consumo de tais produtos na década de 1930214.

A admiração em relação à nova tecnologia de gravações é unânime em todas as esferas da população: desde o consumidor de entretenimento até músicos eruditos e

213

ANDRADE, Carlos Drummond de. Crônicas: 1930-1934, p.50.

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GONÇALVES, Camila Koshiba. Música em 78 rotações. Por uma história das gravadoras no Brasil. Anais do V Congresso Latinoamericano da Associação Internacional para o Estudo da Música Popular.

críticos muito exigentes quanto à qualidade técnica e sonora. Francisco Mignone, no artigo Música em discos, publicado na Revista Brasileira de Música de março de 1934, refere-se às gravações em discos como uma forma de preencher uma lacuna até então inimaginável, a necessidade dos estudantes de piano vivenciarem a escuta de interpretações das obras consideradas referências no repertório pianístico. Mignone

acredita que o disco resolveria o problema da divulgação da “nobre arte dos sons” por

meio de um melhoramento técnico das gravações, principalmente em relação às gravações de piano.

Inegavelmente a imperícia de passados gravadores, a péssima escolha e colocação do instrumento na hora da gravação, a imperfeição das máquinas reprodutoras de sons e a falta de um certo senso de adaptabilidade dos executores tornavam falhas e confusas as gravações pianísticas.

A fonografia moderna venceu todos os senões. Hoje podemos ouvir, num disco de piano, os mais comezinhos detalhes de uma composição com clareza assombrosa. (...) A escolha de um piano com adequada sonoridade e, enfim, a execução confiada a interpretes práticos e experientes evitaram os caóticos efeitos de sonoridade e pedalização de antes.

Para o nosso povo, tido como uns dos mais musicais, o disco, a meu ver, vem a ser um ótimo meio de cultura musical.215

Utilização das gravações pelos músicos e professores

Podemos dizer que o uso de discos transformou a escuta e a experiência de muitos que buscavam novas referências e utilizaram as gravações como verdadeiras alavancas para suas formações como intérpretes. Entretanto, quanto à possibilidade de utilizar as gravações para “tirar uma música de ouvido”, acreditamos que poucos professores de piano permitiriam isso até os anos 1960. Sá Pereira surpreende a todos e aconselha e adverte que não se trata de tarefa simples.

Outro excelente exercício que recomendo calorosamente aos alunos adiantados consiste em “tirar” músicas pelo disco!

Dispondo de boa eletrola, ponha a tocar um disco de música que lhe interesse, escute atentamente e procure reproduzir ao piano não só a melodia, mas a harmonização completa, isto não irá, naturalmente, logo da primeira vez, nem da segunda! Mas, se insistir, logo sentirá a importância desta prática, como escola de audição concentrada.216

Lago relata que a partir da grande difusão do disco, o ouvinte pode avaliar melhor cada interpretação de pianistas, regentes e outros músicos. Em contrapartida, o

215

MIGNONE, Francisco. Revista Brasileira de Música, março de 1934.

216

autor refere-se ao fato de alguns artistas, como Jacques Klein, Nelson Freire e Arnaldo Cohen, relutarem em fazer gravações por não suportarem o excesso de tecnologia que de certa forma entendiam interferir na espontaneidade da interpretação ao vivo217.

O uso do disco em escolas de música, como suporte nas aulas de piano e também em outras disciplinas, como história da música e estética, transforma uma realidade muitas vezes pobre quanto à referência a grandes obras da música erudita europeia. Há dois grandes músicos, que marcam as gerações de estudantes do começo do século XX, Mário de Andrade e Francisco Mignone, que se referem a essas mudanças como saltos na qualidade do ensino de música.

Minha convicção é que as casas de ensino musical deviam possuir um bom aparelho fonográfico e uma Discoteca. Só mesmo com isso um professor de História Musical, de Estética, ou mesmo um professor de instrumentos podia dar para os alunos um conhecimento verdadeiramente prático e útil. Quanto à História então, acho que a utilização das vitrolas modernas está se tornando uma precisão imperiosa.218

Os alunos dos nossos estabelecimentos de ensino musical terão “repetidas” ocasiões de controlar e comparar as próprias execuções através do disco. Não quero, e nem de longe penso, atingir, com estas deduções, os nossos ótimos ensinantes. (...)

Os nossos ensinantes, presos pelo exaustivo trabalho da pedagogia, abandonam, salvo raras exceções, lenta e progressivamente o inadiável estudo diário do próprio instrumento. E essa falta de exercitação inibe-os a tocar, para os alunos, peças até de media dificuldade. A quem , pois, confiar essa tarefa a não ser ao disco? A vantajosa (sob certos pontos de vista, bem entendido!) substituição suprirá a ausência de bons recitais e, convenhamos, estará apta a indicar com exatidão movimentos, execução e modos de interpretar. Ninguém ousará discutir ou discordar que a rotina do ensino tem o prejuízo de esticar o andamento das peças.219

Na narrativa de Lígia Ferretti, entrevistada para esta pesquisa, fica claro que a escuta crítica proporcionou, quanto à interpretação pianística, uma tomada de consciência por parte de alguns estudantes de piano em Belo Horizonte. E, tal escuta crítica se estendeu aos professores, que passaram a ser exigentes quanto à técnica na formação de seus alunos. Os professores, a partir do momento em que o acesso a grandes interpretações foi generalizado, viram-se diante de uma ampliação de exigências para as quais não haviam sido preparados. Entendemos que a formação do intérprete vai além da escuta crítica de boas gravações, mas o acesso a esse novo

217

LAGO, Sylvio. Arte do piano: compositores e intérpretes, 2007, p.81.

218

ANDRADE, Mario de. In TONI, Flávia Camargo, 2009: A Música Popular Brasileira na Vitrola de Mário de Andrade, p.268.

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recurso pode ser entendido como o começo de uma mudança, um ponto de articulação na linha da existência da nossa escola pianística, especificamente e de interpretação em geral.

Por que, assim, eu não sabia o que era técnica pianística, não sabia o que era uma frase musical, nunca tinha ouvido falar. Eu fui ouvir isso já no curso superior, quer dizer, quando a escola passou para universidade. Ali que veio Vera [Nardeli] e Eduardo [Hazan]. Com as gravações e concertos e exemplos dos novos professores, pude avaliar: como é que eu não consigo fazer isso? O que é isso que ele faz e que eu não consigo fazer?220

Iazzetta destaca o uso do verbo “tocar”, utilizado de forma inaugural para se

“tocar um disco”. O autor destaca a estratégia de marketing usada pela indústria fonográfica com o fim de ligar o consumidor ao ato de tocar música, ou seja, “o

fonógrafo era um instrumento que podia ser tocado”.

Eu durante toda vida tive [gravações]! Meu pai sempre... ah eu tinha muito, antes do vinil! Aquele de 78 rotações: tinha! Eu ouvia muito! Olha, eu tenho um livro de óperas que o meu pai me deu. Ele gostava muito de ópera, e a gente ouvia ópera no rádio! (…) Teve uma época em que eu sabia Butterfly quase de cor, de tanto que o meu pai a ouvia. Aí, depois, passou para o vinil. (...)

Então, atualmente eu nem tenho piano em casa! Eu toco uma calimba... (risos) E brinco, toco muito bem discos. Muito bem, só você vendo! (risos)221

As fontes são bem claras quanto a que tipo de música era mais gravado, ouvido e comprado no Brasil: o gênero popular. Mignone, no entanto, em suas matérias na

Revista Brasileira de Música, dos anos 1934 e 1935, divulga e recomenda discos cujas

gravações são exclusivamente de música erudita. A seguir algumas gravações sugeridas

por Mignone entendidas como “novas” paisagens sonoras.

Paisagem sonora XLVII – referencial musical ditado por Mignone: Beethoven –

Sonatas op. 78, 90 e 111, Quinta Sinfonia, op. 67, Nona Sinfonia,– 32 variações de

Beethoven; Mozart – Concerto em la maior para violino, Concerto em la maior para

piano e orquestra, Bodas de Fígaro e Flauta Mágica e árias com acompanhamento de

orquestra; Bach – Concertos Brandeburguenses e Choral e Prelúdio; Debussy – La plus

que lente e Jardins sous la pluie; Ravel – Concerto para piano e Orquestra e coleção das valsas, Nobles e Sentimentales; Rachmaninoff – Suíte nº 2 para dois pianos; Liszt – Funerailles; Saint-Saens – Parysatis, Ária do Rouxinol e da Rosa; Prokofieff – Le pás

d’acier.222

220

Entrevista realizada com Lígia Ferretti.

221

Entrevista realizada com Maria Ângela.

222

Seis edições da Revista Brasileira de Música. Março, junho, setembro e dezembro de 1934 e março, junho, setembro e dezembro de 1935.

Percebemos que algumas gravações sugeridas foram ouvidas pela primeira vez em disco e que os músicos e o público, de maneira geral, tiveram acesso a um mundo erudito desconhecido no Brasil, e especialmente em Belo Horizonte.

Novas escutas fixas

Iazzetta, ao referir-se às mudanças tecnológicas significativas que a música sofreu ao longo do tempo, destaca, além dos já referidos meios de gravação e reprodução sonora, o registro escrito da música e apresenta a possibilidade de impressão de partituras como outro momento significativo. O autor enumera algumas

modificações que a música impressa ocasionou na vida musical, e aqui, destacaremos “o fortalecimento da ideia de autoria”, por interessar-nos no desenvolvimento de algumas

possibilidades de entendimento do quadro estudado. Estamos diante de uma superposição de referências muito fortes – partituras e gravações – como mediadoras da mesma linguagem e utilizadas com a mesma função de fixação do discurso musical. Em um primeiro momento, essas tecnologias ocasionaram a criação de abismos entre o estudo de interpretação e a fixação de padrões de certo e errado na música. A escuta, antes vazia de referências, ficou comprometida com interpretações fixas em ouvidos desavisados, paralisando o estudo da interpretação ao usarem as mesmas gravações como referências únicas.

O parâmetro que se tinha para avaliar se você tocava bem ou não eram os discos. Então ouviam-se os discos e ficava-se com aquela referência de Rubinstein. Se você não estivesse tocando como um Rubinstein, você estava perdido! Não tocava! Então isso tolhia muito a gente. Hoje eu penso assim, mas na época eu não pensava assim! Eu estava no meio do bolo, eu estava indo! Mas hoje eu penso de outro jeito, o que é um grande problema, pois é diferente da referência musical que a maioria dos professores tinham; por isso eu acho que a Berenice me deu muito. Ela tem uma visão bastante ampla, principalmente da música contemporânea. Mas a maioria dos professores têm como parâmetro e como referência os grandes pianistas. (...) Eu pensava: “porque que nenhum professor meu de piano ou professores conhecidos meus – a não ser a Berenice, a Celina e mais dois ou três – não vão a concerto? – de piano, inclusive?”223

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Perigo dos discos

Na Itália, cerca de trinta e poucos professores universitários, que fazem parte das suas casas do Parlamento, estão se preparando para examinar, numa reunião, o problema da crescente difusão dos discos, não só musicais, mas também falados, os quais, aliando-se ao rádio e à TV, ameaçam seriamente a posição do livro, segundo eles.

Em 1958 foram vendidos na Itália nada menos de 22 bilhões de liras em discos, com uma vantagem de quase quatro bilhões no que diz respeito ao ano precedente. “Se continuarmos neste ritmo”, declarou a propósito o ex-ministro Ermini, “chegaremos a ponto de não ler nem mesmo os jornais”.224

O texto “Perigo dos discos” é um alerta à necessidade de uma postura crítica

acerca dessa nova realidade não só musical inaugurada pelos discos. Estes, para os músicos, representaram uma nova tecnologia, abriram novos espaços na música e poderiam fixar a interpretação de alguns grandes intérpretes. No entanto, esse questionamento acabou ficando para as gerações seguintes, como sugeriu José Adolfo na citação da página anterior.

Há, ainda, a formação de plateia como uma preocupação dos músicos eruditos do começo do século XX, e Mignone refere-se ao disco como única “solução desse magno problema cultural; solução, que além de outras vantagens, prestar-se-ia para formar o que ainda não temos: - público!”.225

Propaganda de disco de revista da época.226

224

Revista Alterosa, fevereiro de 1960, p.40.

225

MIGNONE, Francisco. Revista Brasileira de Música, março de 1934.

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Antônio de Sá Pereira, em discurso a turma de formandos do Instituto Nacional de Música, em dezembro de 1934, critica fortemente o uso de discos de forma incontrolável e teme pela falta de empregos para os jovens formandos. Na verdade, acredito que o grande temor de Sá Pereira, assim como dos mais velhos, entre eles os professores do Conservatório Mineiro de Música, foi ter tido sua autoridade questionada, e não ser mais uma referência absoluta na escuta de seus alunos, pois a música que ensinava poderia ser substituída pelos discos.

Outro fator perigoso ao prestigio do músico é a crescente mecanização da sua arte. O radio e o disco são os seus inimigos, não só porque o reduzem a inatividade, como ainda porque contribuem não poucas vezes para a deseducação musical do povo. Com a facilidade que oferece, pois que basta ligar ou desligar o parelho, a música mecânica passa a ser para muita gente apenas ruído agradável, uma gostosa massagem do nervo auditivo a que se vão habituando sem lhe prestar muita atenção. Essa super saturação musical não pode, evidentemente, favorecer o mesmo elenco espiritual que reserva a música produzida pelo próprio individuo, e a facilidade com que é produzida é inimiga do estudo esforçado e, pois, desleal concorrente do mestre de música.

Consequência imediata desses mencionados fatores é a redução crescente do número de alunos que já se pode observar, e a desocupação igualmente crescente dos professore. E, em obediência ao mecanismo fatal da lei de procura e oferta, muitos dentre vós, é com pesar que o digo, mudarão de profissão, muitas depois de casadas abandonarão a música.227

Antônio de Sá Pereira, em meio ao total desespero diante da surpresa de um movimento tão avassalador quanto a chegada da nova tecnologia de gravação, previa uma grande mudança – inclusive social – no processo de se tocar, ensinar e estudar música. Em Belo Horizonte, Celso Brant228 critica os “discomanos”, que chegam ao extremo de não comparecerem aos concertos e, quando o fazem, suas críticas partem sempre de referências fixas de uma única interpretação, a do músico de sua gravação. O