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Revista Bello Horizonte, dezembro de 1933, p.7.

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Por ocasião de uma festa de família, realizada em casa do coronel Martins, que tão obsequiosamente me hospedara, tive ocasião de ver de perto a fina flor da sociedade belo-horizontina.

Nessa ocasião conheci o Dr. Eduardo Carlos, chefe de polícia, inteligente e zeloso funcionário, que me deu informações muito interessantes sobre o seu melindroso serviço.

- A população mineira, disse-me ele, é a mais pacífica do mundo. A polícia nesta boa terra pouco teria que fazer se não fosse o colono.

No mesmo sarau ouvi um excelente concerto musical, organizado pelo provecto professor José Nicodemos, que era popular em Ouro Preto e é popularíssimo em Belo Horizonte, onde toda a gente lhe quer bem.

Nesse concerto tomaram parte distintos amadores como o Dr. Ismael Franzen e o capitalista e agricultor Innocencio Pinheiro, tipo completo do musicófilo e tocador insigne de contrabaixo.

Citarei ainda como executantes de mérito, os srs. José Felicíssimo, Antonio Frade Sobrinho, Alfredo Furst, Vicente do Espírito Santo e Francisco Moreira. J’en passe et des meilleurs; as minhas notas são incompletas; foram tomadas muito à ligeira.

Falaram-me com elogios do Sr. Ramos de Lima, compositor musical a quem fui apresentado. Infelizmente não tive o prazer de ouvir nenhuma composição sua.

O concerto com que o coronel Martins obsequiou os seus convidados terminou pela execução de duas ou três peças por um famoso grupo de bandolinistas, discípulas todas do velho Nicodemos, que radiante, dirigia esta orquestra de anjos.134

A música que era tocada nos clubes e salões era significativa por definir um gosto musical que influenciaria o repertório e os instrumentos que povoariam os sonhos e desejos dos mais jovens sócios e convidados. Destacamos que a vida musical, herdada de Ouro Preto, estava mais ligada aos clubes e salões do que aos palcos e teatros. Abílio Barreto revela nuances de seleção social entre os clubes criados na capital, quando era chamada de Cidade de Minas.

Nos primeiros dias da Capital, havia em Bello Horizonte... Digo mal: havia na cidade de Minas um club recreativo, fino, selecto, mas modesto como a flor que lhe emprestava o nome. Chamava-se Club das Violetas. E havia outro club seletíssimo, com tendencias aristocraticas, que se denominava Rose, assim como ainda havia um terceiro, que situava pelo meio termo, que era o Club das Rosas.

Mas o Violetas, não sendo o mais aristocratico, era, entretanto, e talvez por isso mesmo, o mais animado, o mais querido e o que deixou mais funda tradição nos fastos recreativos da cidade.

Esse club tinha sua sede e dava suas inesqueciveis partidas no sobrado ainda hoje existente a rua Guajajaras, entre Avenida da Liberdade (hoje João Pinheiro) e a Rua Goyaz, para a qual dá fundos. (...)

Depois de uma longa temporada de festas memoraveis com que o “club das Violetas” tentou galvanizar a vida da cidade em face da terrível crise financeira e ao desanimo que a empolgavam, alguns intellectuaes a Ella

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AZEVEDO, Arthur. Um passeio a Minas. In: Revista do Arquivo Público Mineiro, p.210. Publicado no Minas Gerais em 03/02/1902.

pertencentes resolveram fundar alli um outro club e tivemos os “Jardimeiros do Ieal”.135

Encontramos, no começo da vida da capital, traços de grande provincianismo que se desenvolveram nas famílias belo-horizontinas e foram assegurados pelos hábitos interioranos e das fazendas de Minas Gerais. Carlos Drummond de Andrade descreve a vida de um estudante do interior, sozinho em Belo Horizonte, no começo da década de 1920:

Nós éramos muito vítimas da organização social de Belo Horizonte, uma organização muito rígida, muito rigorosa. O próprio Cyro dos Anjos nas suas memórias, Meninos e sobrados136, dá uma idéia perfeita disso. O estudante do interior vindo para Belo Horizonte (...) queria situar-se socialmente, queria conhecer moças, freqüentar casas e se não tivesse lá dois ou três parentes, em cuja casa ele fosse recebido, estava perdido, porque as famílias se fechavam. Nenhuma moça se aproximava de um rapaz sem conhecer plenamente, sem saber que ele era uma pessoa boa, correta, de bons costumes. A família velava, toda família velava. Principalmente os irmãos.137

Paisagem sonora XXVI – Clube das Violetas, audições e recitais: orquestra formada

de violinos, violas, contrabaixos, trombones, clarinetas, flautas e pistom, trechos de óperas e operetas, piano e uma orquestra de bandolins.

A paisagem sonora XXVI revela espaços fechados, com um público constituído de sócios e convidados e onde, juntamente com os concertos e audições de orquestras e artistas renomados, são realizadas palestras de objetivo cultural. Nessas festas promovidas pela elite socioeconômica da capital começa-se a tecer uma trama de erudição.

Segundo Cruz e Vargas138, assim como nos saraus em que a música se desenvolveu na antiga capital, durante a primeira década da cidade de Belo Horizonte, os clubes e salões registraram audições e recitais de músicos que vieram morar na capital e também de artistas convidados. Há notícias dos clubes das Violetas, Rose, Edelweiss, Elite, Belo Horizonte, Recreativo União Operária, Operário Nacional e Crysântemo. Destacaram-se também os salões do Grande Hotel e do Palacete Steckel e prédios púb1icos, como os do Senado e da Câmara dos Deputados, onde os concertos, embora fossem realizados na sua maioria por iniciativa de particulares, eram abertos ao

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BARRETO, Abílio. Jardineiros do Ideal. In: Revista Bello Horizonte, nº 87, novembro de 1937.

136 A obra referida por Drummond faz parte da nossa bibliografia com o nome de “A menina do sobrado”. 137

ANDRADE, Carlos Drummond de. In: CURY, 1998, p.156.

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público, em algumas ocasiões, por meio da compra de ingressos. Esses clubes tinham em comum os músicos que se apresentavam e o repertório erudito.

O primeiro clube criado, cujo presidente foi o artista Frederico Steckel, foi o Clube das Violetas, em que eram promovidos concertos periódicos vocais e instrumentais, no período de 1898 a 1901, pela elite sociocultural da cidade. Em 1899, o maestro José Nicodemos dirigiu um concerto inusitado no Clube das Violetas: uma orquestra com 16 bandolins tocados só por moças. Foi criada uma orquestra, que estreou na festa de primeiro ano do clube e esteve sob a regência do maestro José Ramos de Lima e, depois, do maestro José Nicodemos. Há referência de que a orquestra era formada por: violinos, violas, contrabaixos, trombones, clarinetas, flautas e pistom. Dois concertos tiveram destaque na programação regular desse clube, em 1900: um recital organizado pelo cantor Eugênio Oyngurem, com trechos de óperas e operetas; e uma apresentação do pianista e compositor Francisco Valle com o violinista João Valle e o flautista Marcellino Valle. Já em 1901 um grupo de jovens frequentadores desse clube criou o grupo Jardineiros do Ideal, o qual promovia reuniões literomusicais.

Segundo o Minas Gerais de 12 de dezembro de 1947, os artistas internacionais e nacionais de renome se apresentavam inicialmente no Grande Hotel ou no Clube das Violetas, únicos salões da cidade, na época. Juntamente com tais apresentações musicais eram realizadas palestras de objetivo cultural, tornando os concertos grandes “festas de

arte e intelectualidade”. Patápio Silva, João da Mata e Manoel de Macedo foram os

primeiros músicos a visitar a capital.139

Paisagem sonora XXVII – Clube Rose: orquestra de bandolins, harpa, canto e

contrabaixo.

Outro clube reconhecido pelas atividades musicais foi o Clube Rose (1898- 1901), presidido pela Sra. Esther Brandão, primeira-dama do estado. Seu espaço de reuniões eram os salões dos prédios públicos. Um destaque em sua programação musical, que já apareceu também no Clube Violeta, foi a orquestra de bandolins140 formada por moças da sociedade.

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Minas Gerais, 12/12/1947. Acervo da Família Flores.

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Bandolim – Pequeno instrumento semelhante ao alaúde que se desenvolveu na Itália no século XVIII, a partir da mandola, que lhe é anterior. Tem usualmente quatro pares de cordas metálicas em uníssono. Os pares são afinados de modo idêntico ao violino. (Do italiano mandolino; em inglês, mandolin; em francês, mandoline).In: Dicionário de Música Zahar, 1985, p.33.

Concerto de bandolins, harpa e canto, executado por senhoras e senhoritas da sociedade belo-horizontina no Teatro Soucasseaux, nos primeiros anos da nova capital.141

Nos primitivos clubes, das Violetas e Rose, executava-se música e tomavam parte senhoritas e senhoras da alta sociedade. Eram, então, executantes conhecidas senhoras, como Hirênia Lopes, Violeta Melo Franco, Jayá Alquino, Olga Campista, Naná Otoni, Antônia Reanult, Jovina Campista e Conceição Veiga.142

Ainda nos salões dos prédios públicos, temos notícia dos concertos populares realizados na Câmara dos Deputados pelo maestro Francisco Flores e pelo violinista Antônio Sardinha. Tais concertos tinham preços acessíveis e visavam angariar fundos para a construção da sede da Escola Livre de Música, que funcionava em 1901, na Avenida Paraopeba. Nessa mesma época existiram outros clubes, como o Recreativo União Operária e o Operário Nacional; no ano seguinte, em 1902, temos notícia do Elite Club e do Club Edelweiss; e em 1904, destaca-se o Club Crysântemo.143

O Club Schumann144 (1904-1905) foi criado pelo músico José Ramos de Lima e seguia a tradição dos clubes musicais como o Club Beethoven, no Rio de Janeiro. Na

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Reprodução feita do livro: Memória Musical de Belo Horizonte. CRUZ, Andréa M. Lage e VARGAZ, Joana Domingues, 1987, p13.

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Estado de Minas, 15/08/1965. Acervo da Família Flores.

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CRUZ e VARGAS, 1989, p.125 e 126.

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Segundo CRUZ e VARGAS (1989), trata-se de um tipo de clube muito comum na vida musical brasileira durante o Segundo Reinado. O primeiro deles foi o Club Mozart, fundado no Rio de Janeiro em 1867. O Club Beethoven se dedicou à música de câmera e sinfônica, foi fundado também no Rio de

festa de sua inauguração realizou-se um concerto nos salões do Grande Hotel com peça

de José Ramos de Lima e o Poema Sinfônico, de Manuel Joaquim de Macedo145.Havia

uma programação de concertos mensais, mas restritos aos sócios. Ainda em 1904 foi criado o Club Belo Horizonte, que funcionou nos salões do Palacete Steckel, com orquestra formada pela elite musical de Belo Horizonte. A banda do I Batalhão da Polícia Militar aparece como um grupo musical das partidas146 e participando de concertos recreativos e beneficentes.

A vida social e intelectual era intensa. Havia grêmios de alta distincção: Club Rose e Club Violeta. Realisavam-se nos salões dessas sociedades memoráveis bailes e saraus literários. Os leões da moda, os Brumeis daquelles remotos tempos eram dois distinctos escriptores que ainda vivem: Ernesto Cerqueira e João Lucio. Cerqueira era o bardo lyrico de maior inspiração, Lucio o couseur amável, chamado o “caturrita” na intimidade das redacções.

Marcou uma época o baile offerecido pelo governo do Estado ao Dr. Campos Salles quando elle aqui veio como Presidente da Republica. Durante o dia, Campos Salles visitou os pontos mais bellos da capital: passeiou no Parque e foi de trem, (!) ao Acaba Mundo.

Os clubs Rose e Violeta fizeram-se representar no baile pelas suas sociais de mais destaque.147

Paisagem sonora XXVIII – clubes e salões: óperas do romantismo italiano – Verdi e

Rossini – e do brasileiro – Carlos Gomes –, quadrilhas, valsas, polcas, composições de músicos mineiros, schottisch, tangos, pianos e pequenas orquestras.

A paisagem sonora XXVIII revela o tipo de música tocado em festas e reuniões dos salões e clubes, nos primeiros anos da capital, segundo Cruz e Vargas148. Já na primeira década, Belo Horizonte contava com uma produção musical capaz de dar vida

Janeiro, em 1882, pelo músico e crítico musical Robert Jope Kinsman Benjamim. Na trilha do sucesso do Club Beethoven, foi criado em São Paulo, o Club Hyden, em 1883. (p.127)

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Compositor, regente e violinista, Manuel Joaquim de Macedo nasceu em Cantagalo, Rio de Janeiro, em 1847, e morreu em Cataguases, Minas Gerais, em 1925. Sobrinho do romancista Joaquim Manuel de Macedo, fez seu aprendizado artístico na Bélgica, no Real Conservatório de Bruxelas, onde estudou harmonia, composição e violino obtendo medalha de ouro. No Rio de Janeiro, foi nomeado por Pedro II mestre da Capela Imperial. Em 1883, estabeleceu-se definitivamente em Minas Gerais, passou a dedicar- se só à composição, tendo escrito quase 200 obras, inclusive oito concertos para violino, sonatas, fantasias, um álbum para piano, peças para canto e piano e para orquestra. Sua ópera Tiradentes (libreto de Augusto de Lima, 1859-1943) foi composta em 1897.

Fonte: Enciclopédia da música brasileira: erudita, folclórica e popular. São Paulo, Art Editora, 1977. Disponível em: <http://www.revivendomusicas.com.br/biografias_detalhes.asp?id=339>. Acesso em 17/11/10.

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Partida: reunião social e recreativa, serão, sarau. CRUZ e VARGAS, 1989, p.128.

147 Revista Risos e Sorrisos, n. 6 – especial de 25 anos de Belo Horizonte – 17 de dezembro de 1925,

p.14.

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aos salões da cidade.149 Era costume nessa época os amadores da música tomarem parte nas audições de artistas consagrados e vindos de fora.

Há ainda, um repertório que veio dos salões de Ouro Preto e de outras cidades mineiras e se tornou repertório dos clubes da capital, com adaptações locais que incluíam quadrilhas, valsas, polcas e composições dos músicos de Ouro Preto150. Com o tempo as novidades musicais, que vinham do Rio de Janeiro, passaram a chegar diretamente na capital, e os clubes incorporaram os schottisch e tangos151, que eram escritos, na sua maioria, para pianos. Destacamos o piano como instrumento responsável pela apropriação musical da população da cidade, assim como em todo o país, e responsável pela presença da música nos clubes que não tinham orquestras próprias.

Paisagem sonora XXIX – construção: 1460 casas construídas em 1931.

O som de construções soa em fortíssimo em Belo Horizonte no final da década de 1920 e no início da década de 1930.

Morar

Carlos Drummond de Andrade

Em 1900, construíram-se 175 casas em Belo Horizonte. Em 1931, só no primeiro semestre, construíram-se 714. São, em média, quatro casas por dia. Ponhamos: uma no centro, outra em Santo Antônio, outra na Floresta, outra no Acaba-Mundo. Em um dia, na cidade, quatro pessoas ficam felizes, uma de cada vez, como se convencionou, a felicidade está na casa que a gente plantou no chão. Em um ano são 1460 pessoas morando sob teto próprio e considerando esta vida a melhor de todas. Em dez anos serão 14.600 pessoas felizes. Em cem anos...

Certamente não viveremos até o dia em que toda a população de Belo Horizonte será feliz dentro de seus cotages e seus bangalôs. Mas os nossos netos ou os nossos trinetos farão a estatística da felicidade urbana. Nesse dia não haverá um hotel em Belo Horizonte. Nem uma pensão. Todas as habitações serão particulares. Então aparecerá um homem estranho, propondo esta coisa inaudita: não morar. Ou morara na rua. Dirá que a alegria da vida reside na falta de bens imóveis. Pregará a decadência do sweet home. E toda gente ficará com inveja desse homem que não tem casa e que é (ou deve ser) feliz.

Aí a vida mudará de novo. 152

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Minas Gerais, 12/12/1947. Acervo da Família Flores.

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Destacava-se o professor Justino da Conceição, que teve valsas editadas no Rio de Janeiro e vendidas nas casas musicais de Ouro Preto e Belo Horizonte. CRUZ e VARGAS, 1989, p.129.

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Essas partituras eram vendidas na casa Machado Coelho & Companhia, situada à Rua da Bahia. CRUZ e VARGAS , 1989, p.129.

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Além das casas, toda cidade ainda se encontrava em construção nas primeiras décadas do século XX. As duas fotos que seguem registraram a construção e utilização do Viaduto de Santa Tereza, em momentos diferentes, em 1928 e 1929.

Paisagem sonora XXX – Viaduto de Santa Tereza (1): sons de cortar ferro e madeira,

serrotes, martelos e máquinas; homens falando e gritando uns com os outros; ferro batendo em ferro, ferro em madeira e madeira em madeira; passos cuidadosos sobre a estrutura da ponte; sons de pás, enxadas, baldes e pregos; máquinas de pavimentação.

Viaduto de Santa Tereza em construção – 1929.153

Paisagem sonora XXXI – Viaduto de Santa Tereza (2): motores de carros e gente

andando e falando.

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Viaduto de Santa Tereza em 1929.154

Ao preencherem os espaços do centro da cidade, as construções são deslocadas para áreas mais afastadas e continuam em ritmo não mais de construir, mas de expandir a capital. Fechamos este capítulo com a foto da construção da Reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais, em 1963. As paisagens sonoras das década de 1930, 1940 e 1950 estão nos próximos capítulos. Destacamos, na foto, o campus ainda silencioso quanto ao espaço de construção de conhecimento. A Reitoria, ainda na maquete, soa como qualquer outro tipo de construção.

Paisagem sonora XXXII – construção: prego, martelo, serrote, pá, enxada, máquinas

de terraplanagem, máquinas de cimento, trabalhadores falando, gritando, cantando e ouvindo rádio.

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Construção do prédio da Reitoria da UFMG, 1963.155

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Capítulo IV