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Barreiras e factores facilitadores da integração das TIC

6. Análise das entrevistas

6.2. O contexto em que decorreu a formação

6.2.4. Barreiras e factores facilitadores da integração das TIC

Ao longo das entrevistas foi referido um conjunto de razões que inibiram ou facilitaram a utilização das TIC no agrupamento. Organizámo-las nos parágrafos seguintes, de acordo com Jones (2004), em barreiras externas e internas aos professores.

6.2.4.1. Barreiras externas aos professores

A mobilidade do corpo docente foi referida por todos os entrevistados como um factor que influencia fortemente o funcionamento das escolas. A Mónica é um caso paradigmático, pois ao longo da sua carreira nunca esteve dois anos na mesma escola, e deixa transparecer as dificuldades resultantes dessa mobilidade:

Nos primeiros anos de carreira, as pessoas não param sossegadas, não criam raízes em lado nenhum, não constituem relações nem profissionais nem pessoais....é terrível (Mónica).

Apesar da gestão do agrupamento estar atenta a este fenómeno, o Jorge refere que, nos dois primeiros anos, foram poucos os professores que se mantiveram a trabalhar no programa e que assim é difícil perceber se houve alguma evolução significativa no modo como integram as TIC. A este respeito, a Célia afirma que os professores, muitas vezes, ficam colocados em escolas que não desejavam, factor suficiente para que a sua motivação seja pouca e tenha reflexo no seu envolvimento no programa. A mobilidade é um factor que afecta negativamente o desenvolvimento profissional dos professores e da própria escola, como refere Pinto (2000). O isolamento geográfico de Canha é um dos factores promotores desta mobilidade e o seu reflexo é agravado pelo facto das escolas serem bastante pequenas, porque a mobilidade de um ou dois professores pode significar que todo o corpo docente de uma escola se renova anualmente. A Filomena refere-se ao isolamento geográfico como mais um factor que consome tempos adicionais para promover o acesso da família a bens que não existem na zona. No entanto, na zona existem já vários pontos de acesso público à Internet que são considerado factores favoráveis à utilização das TIC pelos alunos. Existem pontos públicos de acesso na Junta de Freguesia que são utilizados pelos os alunos, após as aulas terminarem, e o seu valor é referido por se ter verificado que vários alunos melhoravam as suas prestações em trabalhos com recurso a estes postos públicos.

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Um dos factores perturbadores do programa, em particular nos dois primeiros anos, é a funcionalidade dos computadores. Alguns dos equipamentos então existentes eram antigos, sem acesso à Web e avariavam com frequência. Algumas das referências às dificuldades de ligação à Internet permanecem, nomeadamente em Foros do Trapo, com as linhas exteriores à escola, mas tal está em vias de solução.

No que se relaciona com a manutenção dos equipamentos, parece decisiva a posição da gestão do agrupamento, que considera que estes devem ser reparados com a maior brevidade, assim como a Câmara, que é referida como um bom parceiro de trabalho. Normalmente as avarias são reportadas à gestão do agrupamento, que contacta a Câmara e da qual obtém resposta ao fim de alguns dias. O técnico responsável pela manutenção é considerado como excelente, desloca-se às escolas procurando não só resolver a avaria, como responder a todas as questões que os professores lhe vão colocando.

Um outro problema que foi focado por muitos dos entrevistados foi a falta de tempo para investimento pessoal nas tecnologias. Particularmente nos dois primeiros anos, nos quais o trabalho desenvolvido se centrou na construção das páginas, na aprendizagem do FrontPage, sempre efectuado em horário pós-lectivo, existem referências de falta de investimento por parte dos professores, que não se deveu ao empenho no programa, mas que foi consequência da dispersão provocada pela quantidade de actividades em que os professores se envolvem.

"Ai, eu realmente queria ter feito isto, mas estive envolvida naquilo e naqueloutro". E como eles têm uma série de actividades sempre agendadas, têm que preparar os alunos e fazer uma série de coisas... Outras vezes são aquelas oficinas de formação e depois também têm que preparar coisas, […] realmente é facto que às vezes elas não conseguem... O tempo realmente é pouco (Marta).

Há também a noção clara de que a preparação de actividades com a utilização das TIC é mais demorada, por exigir uma consulta prévia dos recursos para que o trabalho de sala de aula funcione sem grandes perturbações.

Claro que isto requer um trabalho de bastidores, porque antes de ir com eles para o computador, tive de ir ver que sites é que são apropriados, para não ter de estar a perder tempo porque ainda por cima a ligação da escola é mais lenta do que a de casa (Sofia).

Este trabalho de preparação é referido como mais exigente em tempo do que o mais tradicional, particularmente junto dos professores com menores competências em TIC.

Para mim é, porque como é uma técnica que não domino muito bem, envolve mais investimento de tempo, só nesse sentido (Filomena).

6.2.4.2. Barreiras internas aos professores

A Filomena é referida por quase todos os monitores como a professora que mais evoluiu ao longo do tempo do programa Internet@EB1. Ela considera-se ainda uma pessoa muito insegura, mas acha fundamental a utilização das TIC com os alunos e mostra-se disposta a arriscar a sua utilização porque considera que, se houver problema, alguém ajudará. Essa ajuda poderá ser oferecida pelos próprios alunos, por um dos animadores dos ATL, ou mesmo por algum colega. Neste aspecto, o trabalho efectuado pelos monitores tem sido

responsável pela articulação com os temas de curriculares e pelas metodologias adoptadas na gestão de sala de aula. Os novos papéis do professor, como gestor de aprendizagens, mas simultaneamente como aprendente, é claro nas reflexões.

Às vezes há dúvidas, mas eu sou adepta de que o professor não é uma enciclopédia nem um dicionário. Às vezes, eu sugiro fazer de uma maneira, mas eles dizem “eu faço assim, e eu também”, e acabamos por aprender todos (Patrícia).

O processo de aprendizagem ocorrido ao longo dos três anos em estudo é considerado como “uma caminhada que se vai fazendo” por muitos dos entrevistados. A aprendizagem das TIC faz-se lentamente e, ao longo desse processo, o professor vai progressivamente utilizando o computador nas suas práticas lectivas, que consequentemente também se modificam no sentido de uma maior autonomia do aluno.

A maior parte dos professores entrevistados refere que o computador na sala de aula já é um instrumento do dia-a-dia. Não consideram obrigatória a sua utilização diária, mas afirmam que a dinâmica da sala inclui iniciar o dia com a abertura das janelas, a subida das persianas e a ligação do computador. A dinâmica do dia de trabalho pode não proporcionar a sua utilização mas, na generalidade, essa utilização ocorre, mesmo com os professores que tecnologicamente são menos evoluídos. Mas também são referidas resistências à sua utilização.

Neste momento todos os meninos usam o computador, nem que seja para jogar, mas todos os professores já contactaram para pesquisar na Internet, todos os professores já reconhecem que está ali um instrumento que os meninos usam e que ele usa. Provavelmente haverá uns dois ou três que pessoalmente ainda são muito reticentes no seu uso.

Quando as pessoas têm lacunas graves do ponto de vista científico, principalmente desacompanhadas do ponto de vista pedagógico, cingem-se aos manuais. Mas os manuais não contemplam computadores, não contemplam materiais didácticos, não contemplam biblioteca, porque as pessoas que resistem aos computadores são as mesmas que resistem ao material didáctico, são as mesmas que resistem à aprendizagem em comunidade, são as mesmas para quem a expressão plástica e a educação musical estão a mais... são as mesmas (Noémia).

Este problema dos materiais considerados como padrão para orientação das aulas é uma questão colocada por vários professores e que, de algum modo, também se relaciona com os materiais do SETTIC. Os manuais escolares constituem uma orientação que facilita a vida do professor, têm propostas de actividades e suportam uma metodologia behaviourista, centrada no professor, sem recurso a materiais diversificados.

As pessoas têm que começar e começaram, com o apoio dos monitores do projecto, a ter a noção que existem outros recursos. Deixar o livro um bocadinho de parte, ter a Internet como um recurso, os alunos conversarem sem pensar isso como uma aula de português. Em vez de ser aquela aula de texto e interpretação, agora vamos ler todos, dá para fazer outro tipo de trabalho e esse trabalho é uma mudança de mentalidade das pessoas. As pessoas começarem a encarar isto como uma coisa que pode ser útil para o dia-a-dia. Uma coisa que faça parte do próprio processo educativo do ensino e aprendizagem (José).

Esta mudança é um processo lento e a disponibilização de materiais, de acordo com Moreira & Leal (2006), pode ser um passo significativo para a facilitar. A Filomena refere as dificuldades que por vezes sente quando procura utilizar a Internet com os alunos: “Mas às

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vezes encontrar uma informação sobre um tema em estudo que queremos tratar com eles também não é fácil”. As metodologias de ensino utilizadas pelos professores ficam facilitadas quando se centram no livro e o tomam como principal orientação para o ensino, pelo que nos parece que a inclusão nos manuais de referências a outros recursos pode ser determinante. O caminho a efectuar nesse sentido pode passar por um sítio nacional, tal como sugerido numa das reuniões analisadas, cuja organização facilite a utilização dos recursos pelos professores, e o exemplo referido por Becta (2006b) poderá sugerir algumas ideias para iniciar a sua construção.

A resistência à inovação, que se reflecte na utilização do livro, é focada por alguns professores e monitores como sendo mais notória junto dos professores mais jovens, facto aparentemente contraditório pois estes já possuem mais competências na utilização pessoal das TIC. No entanto, essa resistência parece ser motivada por alguma insegurança na gestão do currículo e por sentirem que as TIC são mais uma aprendizagem que os alunos devem efectuar, sem as encararem como um recurso para aprendizagem das diferentes áreas disciplinares.

A gestão da sala de aula foi uma temática que surgiu ao longo de várias entrevistas. A escassez de recursos não permite que todos os alunos possam utilizar o computador ao mesmo tempo, pelo que é necessário diversificar estratégias que facilitem a existência de trabalhos distintos a efectuar por vários alunos em simultâneo. Uma primeira questão que se coloca é a opção entre um ou dois computadores na sala de aula ou um Centro de Recursos que permita a sua utilização por toda a turma ao mesmo tempo. Neste aspecto, a opinião dos entrevistados vai, maioritariamente, para a opção de sala de aula.

Num colégio em Lisboa […] havia uma sala de informática que eu podia usar uma hora por semana […] mas não é fácil de gerir, porque não tem de estar todos a fazer a mesma coisa e torna-se absolutamente extenuante.

[…] não sei se me queixe da escassez de recursos ou da existência de recursos a mais, não sei o que é que é mais fácil de fazer […], mas para conseguir que o computador entre na rotina de trabalho parece mais pertinente ter um na sala de aula (Sofia).

O problema da gestão da sala de aula é agravado com a existência de turmas onde coexistem vários anos de escolaridade.

Era um bocado complicado aplicar na sala com os miúdos, por causa das nossas condicionantes... Não temos computadores suficientes, e muitas vezes apanhamos turmas com vários níveis de ensino e é mais complicado gerir (Mónica).

Tenho pena de este ano estar com uma turma de 3º e 4º ano porque tendo todos dentro da sala torna-se um bocado complicado de gerir. Nos outros anos tive com uma turma única e aí era menos complicado (Filomena).

Mas estas dificuldades também se vão ultrapassando como refere a Patrícia: “A rotatividade, quando se dá autonomia aos alunos, já não é novidade […] e também está relacionada com a organização da aula”. Trata-se de perceber que é necessária outra organização da sala de aula, que o papel do professor passa a ser o de gestor de aprendizagens e que o grau de autonomia do aluno aumenta. Mas esta professora refere um outro problema, relacionado com a gestão dos tempos na sala de aula, que considera o mais complicado de resolver.

Este grupo vai para o computador, depois vai outro, e acaba por se fazer sempre só metade. Ainda tenho dificuldade em perceber o que demora mais tempo ou menos tempo e organizar esse tempo dentro da minha planificação. Essa é a minha maior dificuldade (Patrícia).

Ficámos com a percepção de que os problemas fundamentais destes professores não se relacionam com o manuseamento da tecnologia, mas com as metodologias que utilizam com os seus alunos. Højsholt-Poulsen (2005) refere que esta é uma etapa para que os professores reflictam sobre a tecnologias e possam aplicá-las segundo métodos e processos de trabalho relevantes.