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3. Enquadramento teórico

3.4. Comunidades de prática

Ao longo deste documento já referimos por diversas vezes a necessidade de adopção de metodologias de ensino aprendizagem que proporcionem uma escola mais integrada na actual sociedade. As comunidades de prática, lançadas como um dos objectivos do programa Internet@EB1, no ano lectivo de 2003/04, têm subjacente a ideia de que a aprendizagem é um acto com uma componente social importante. Nos parágrafos seguintes procuraremos fazer um breve resumo das teorias de aprendizagem na sua relação com as possíveis utilizações educativas das tecnologias.

Clark (1998) sintetizou as arquitecturas cognitivas presentes em produtos de software e relacionou-as com as teorias de aprendizagem. Neste processo, caracterizou quatro arquitecturas - receptiva, comportamentalista, descoberta guiada e exploratória -, atendendo a quatro parâmetros fundamentais: o grau de controlo do aprendente; a organização dos tópicos de instrução, que pode ser globalmente baseada em problemas ou determinada pelo aprendente; a presença e a natureza das interacções, que podem não existir, serem orientadas por questões sucessivas, por resolução de problemas ou serem opcionais; a ênfase no papel da instrução externa ou nos processos mentais internos ao aprendente. Caracterizadas deste modo, as arquitecturas têm uma relação próxima com as teorias de aprendizagem, como se pretende ilustrar na imagem seguinte:

Figura 1 – Relação entre as arquitecturas cognitivas e as teorias de aprendizagem.

Clark refere, ainda, que a utilização de uma determinada arquitectura deve ter em conta os objectivos a atingir e as características dos aprendentes e que um produto poderá possuir

várias arquitecturas, se considerarmos que, em determinado tema, a aprendizagem se fará melhor segundo um ou outro paradigma de aprendizagem.

Carneiro (2003) refere que as TIC, para além da sua função informativa, podem despoletar aprendizagens inegavelmente inovadoras, baseadas num modelo construtivista, desde que exploradas numa perspectiva comunitária e relacional, em que a aprendizagem se sustenta numa boa capacidade de metacognição dos aprendentes exercida sobre os seus saberes passados, presentes e futuros.

Parece haver uma relação próxima entre as reflexões de Carneiro e a arquitectura exploratória, que Clark assumiu ser centrada nas potencialidades de informação e comunicação que se abrem com a Internet, mas que exige do aprendente uma boa capacidade de metacognição, estando o controlo da aprendizagem centrado no próprio aprendente.

Numa perspectiva de aprendizagem em comunidade, Holmes et al. (2001) definem construtivismo comunal como um processo pelo qual os aprendentes constroem significados para as suas aprendizagens e desempenham um papel activo na sua comunidade. Segundo a perspectiva destes autores, é importante que os alunos sejam convidados a apresentar todos os trabalhos aos seus pares e a disponibilizá-los na Internet para uma comunidade mais alargada. Esta ideia pode conjugar-se com a metodologia assumida pela ESE de Setúbal (Anexo 31) de promover a publicação, na página da escola, de materiais produzidos pelos alunos.

Pountney et al. (2002) advogam que o construtivismo comunal, não contendo roturas significativas com o construtivismo social, talvez não deva ser considerado uma nova teoria, mas poderá conduzir a métodos de boas práticas no desenho de ambientes de aprendizagem com a Internet.

Pouts-Lajus & Riché-Magnier (2002) argumentam que as TIC nos dão uma oportunidade de repensar as relações educativas à medida que reflectimos sobre o que é actualmente oferecido aos alunos e optam por uma abordagem baseada na construção de uma comunidade de aprendentes com o foco na própria comunidade e não no aluno individualmente.

Estejamos, ou não, perante uma nova teoria da aprendizagem, estes autores parecem de acordo no que se refere aos novos papéis a desempenhar pelo professor, como organizador e orientador da aprendizagem, e aos novos papéis dos alunos com um envolvimento muito mais activo na sua aprendizagem e no aspecto social que ela deve ter. No sítio SETTIC encontrámos um conjunto de “Propostas de projectos para envolvimento de alunos de diferentes escolas do distrito”, nomeadamente construção de um livro digital, festas populares e gastronomia. Estas temáticas são habitualmente tratadas nas EB1, no âmbito do estudo do meio, e enunciadas como projectos conjuntos, de escolas do distrito, podendo constituir uma oportunidade de publicar e partilhar conhecimentos.

Acerca das comunidades, Dias (2000), tomando como referência Wenger (1998), refere que devem centrar-se na partilha, isto é, devem ser orientadas para a comunidade e não para o

Universidade de Aveiro 2006

Internet@EB1 – Estudo de Impacte num agrupamento de Setúbal

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indivíduo, pois só haverá “verdadeira” aprendizagem quando os conhecimentos resultarem da interacção e das múltiplas perspectivas de todos os indivíduos envolvidos nessa comunidade. As diversas teorias de aprendizagem têm subjacentes interpretações diferentes sobre o modo como aprendemos. Wenger (1998) distingue duas formas de aprendizagem. Numa o conhecimento é formado por “pacotes de informação” que o aluno vai agrupando, na sala de aula, longe de qualquer perturbação externa. O conhecimento é então algo que vai sendo adquirido de forma descontextualizada, e separado de qualquer envolvimento numa actividade. Na outra perspectiva Lave & Wenger (1991) e Wenger (1998) referem que o armazenamento da informação é só uma parte da construção individual da aprendizagem e que esta se faz pela participação activa em comunidades sociais. Isto corresponderá a um contexto de sala de aula onde o papel expositivo do professor é menos significativo e onde as discussões, o acesso a documentos diversos, e a participação activa do aluno, assumem um papel mais preponderante.

As comunidades de prática são objecto de estudo de Wenger e Lave desde 1991 que as definem como estruturas sociais em que todos participamos, de modos diversificados, nalgumas com uma intervenção activa, noutras com uma intervenção periférica, ambas legítimas, mas que fazem parte do nosso dia-a-dia e do modo como interagimos e aprendemos em sociedade. Para além das comunidades de prática existem ainda as comunidades de aprendizagem entendidas por Ponte et al. (2006) como “a prática das escolas” e que, em qualquer dos casos, se configura como um conceito complexo composto por um conjunto de dimensões que se devem verificar cumulativamente: empreendimento conjunto, empenhamento mútuo, repertório partilhado.

Empreendimento conjunto: corresponde à existência de uma prática comum que passa pela negociação, pelas semelhanças de interpretações e que se configura numa rede social da qual resultam importantes aprendizagens informais relacionadas com a prática.

Empenhamento mútuo: para gerar conhecimento colectivo e individual, os membros da comunidade têm que estar envolvidos na participação e reconhecer que esta poderá ter grande diversidade, mas que a inter ajuda, mais do que o admitir que se sabe tudo, é a atitude mais significativa para o desenvolvimento da aprendizagem.

Repertório partilhado: o desenvolvimento de um repertório colectivo e comum que se vai consolidando e crescendo com o tempo e que pode incluir documentos diversos, mas também aspectos participativos, como o desenvolvimento de um discurso, de significados e de sentimentos de identidade aos níveis local e global.

O desenvolvimento das tecnologias e das suas capacidades de comunicação expandem estas comunidades sendo possível construí-las com independência do tempo e do espaço. Surgem as comunidades distribuídas que, segundo Wenger et al. (2002) passaram a ser mais comuns do que as localizadas.

Wenger estuda, a pedido do Governo Federal dos Estados Unidos, as características desejáveis para um software que suportasse comunidades de prática e concluiu que devia possuir, como características fundamentais, a promoção da disponibilização de recursos e mecanismos que reforçassem a relação entre a comunidade e o individuo.

Os meios tecnológicos utilizados para suportar a constituição destas comunidades podem ser um Learning Management System ou pode resumir-se à utilização de uma ferramenta de e- mail, por exemplo um webmail, como sugere Paiva et al. (2003), continuando a garantir todas as capacidades de comunicação entre os intervenientes, desde que exista o cuidado de enviar as mensagens a todos os participantes. Selwyn & Robson (1998) destacam algumas vantagens e desvantagens de utilização do e-mail. No que se relaciona com as vantagens, para além de quebrar as barreiras do espaço e do tempo (pouco tempo necessário para enviar uma mensagem e o tempo é quase independente da distância geográfica entre as pessoas), é simples de utilizar, tem um baixo custo, não possui taxa de envio e quando a mensagem é lida no ecrã evita consumo de papel pelo que pode contribuir para baixos custos de comunicação. O autor considera também algumas desvantagens que devem ser consideradas no trabalho de sala de aula, nomeadamente as relacionadas com a facilidade de apagar mensagens sem que sejam respondidas (é tão fácil enviar como apagar) ou com a proliferação de e-mails recebidos, factores que podem ser desencorajadores de uma resposta.

d'Eça (2002) estudou a utilização do e-mail na sala de aula e reconhece que os recursos da Internet com a utilização da WWW, as listas de discussão ou o mail, são “uma fonte inesgotável de informação e um meio privilegiado e incomparável de comunicação”, mas reconhece também que são ferramentas e meios de aprendizagem fascinantes. No entanto, não substituem o professor e devem ser complementadas com o contacto presencial e social, mas permitem que esse contacto seja complementado e ampliado de formas anteriormente inimagináveis.

3.5. Obstáculos e factores facilitadores da integração das TIC em