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3 A ERRADICAÇÃO DA POBREZA COMO CONDICIONANTE PARA O

3.2 BEM-ESTAR E POBREZA

Para Hagenaars e De Vos (1988), o debate sobre a definição e a mensuração da pobreza ocupou grande espaço nos anos oitenta devido à necessidade de criar ações em prol daqueles acometidos por esta mazela. Segundo a análise de Ravallion (1992), o termo pobreza, por seu caráter multidimensional, nos remete inicialmente a três pontos cruciais: como ocorre a avaliação do bem- estar individual; qual o nível mínimo de bem-estar em que um indivíduo é considerado não-pobre; e como agregar indicadores de um bem-estar individual em uma métrica de avaliação universal e, partindo desta, mensurar a pobreza social. Segundo o autor, verifica-se que existem inúmeras abordagens conceituais para determinar o bem-estar de um indivíduo, visto que diversos aspectos afetam sua mensuração. Sinteticamente, a diferenciação entre estes métodos ocorre em termos da importância atribuída ao julgamento do próprio indivíduo sobre o seu bem-estar, enfatizando, sobretudo, a importância dada para conceitos mais materialistas, como padrão de vida, contra conceitos menos tangíveis, como direitos e liberdades. Deste modo, não há consenso para a definição de bem-estar nem sobre quais são os atributos relevantes à sua definição e consequente delimitação. Visto que a definição

de pobreza varia conforme a maneira que se define bem-estar, a subjetividade da conceituação de bem-estar incorre, portanto, na subjetividade da determinação do termo pobreza. Neste aspecto, cabe ressaltar que a escolha de qualquer definição pauta-se, sobretudo, em argumentos pragmáticos oriundos de dados disponíveis, de decisões políticas ou com base em argumentos históricos, como destacam Hagenaars e De Vos (1988).

McKinley (1997) caracteriza como pobre o indivíduo que não consegue assegurar a si mesmo bem-estar mínimo para uma vida tolerável e de acordo com os indicadores de medidas da capacitação humana é possível definir pobreza, inclusive, pela falta de capacitação humana, pois de acordo com Henninger (1998), grande parte dos indicadores de bem-estar e pobreza podem ser seccionados em três grandes dimensões: econômica, social e ambiente habilitante.

Segundo Diniz Alves (2015), apesar da multidimensionalidade do termo, o Banco Mundial adota um valor estabelecido em US$ 1,25/dia, levando em conta o poder de paridade de compra, com vias de mensurar a extrema pobreza no mundo, sendo este valor conhecido como a linha da pobreza. Deste modo, no ano de 1990 existiam quase dois bilhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, cerca de 36,4% da população da época, segundo o Relatório de Monitoramento Global 2014/2015, apresentado pelo Banco Mundial. Em 2011 – com os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio já em curso – o percentual de pobres no mundo caiu para menos de metade em termos relativos, com pouco mais de 1 bilhão de pessoas vivendo com menos de US$1,25/dia, 14,5% da população mundial.

Neste período, houve redução da pobreza em todas as regiões do planeta, embora sejam notáveis algumas discrepâncias, tendo em vista que apenas cinco países ainda concentram 3/5 da população extremamente pobre do planeta, são eles: Bangladesh, China, Congo, Índia e Nigéria. O Relatório aponta, outrossim, que a maior redução da pobreza ocorreu no Leste da Ásia e Pacífico, com queda de 58,2% em 1990, para 7,9% em 2011. Por outro lado, a única região que não conseguiu cumprir com as metas estipuladas foi a África Subsaariana, onde houve uma redução da extrema pobreza de 56,6% para 46,8% no período.

Segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento relativos ao ano de 2015, o Brasil teve elevada influência para o alcance global da primeira meta do milênio, sendo possível destacar que entre 1990

e 2012, o país reduziu o número daqueles que sofrem com a pobreza extrema de 25,5% para 3,5%, ou seja, menos de um sétimo do nível inicial. Neste prospecto, surgem como trunfos para a plena consecução do primeiro objetivo programas de inclusão social implementados no país, tais como o Fome Zero e o Bolsa Família, referências internacionais em questões concernentes a políticas de inclusão social. De acordo com McKinley (1997), a fim de mensurar bem-estar e, por conseguinte, definir a pobreza, a dimensão econômica calca-se predominantemente em duas variáveis centrais: renda e consumo, ancorando-se em uma métrica monetarista para definir quantitativamente o que se compreende por pobreza.

Henninger (1998) aponta como vantagem deste método a facilidade para a análise comparativa e a perquirição por soluções destes percalços através da adoção de valores previamente determinados, com vias de produzir índices de pobreza com a maior acurácia possível. Neste prospecto, Rocha, S. (1996) e Barros (2001) destacam que embora a pobreza seja um fenômeno social de complexidade ímpar caracterizado por diversas carências, inexiste definição universal para o termo devido à sua multidimensionalidade e, em uma esfera exclusivamente econômica, pobre é o indivíduo incapaz de manter um padrão mínimo de vida devido a rendimentos insuficientes para o pleno atendimento de suas necessidades básicas.

É possível verificar, portanto, que tradicionalmente a dimensão econômica pautou o cenário dos debates acerca dos axiomas da pobreza, todavia a utilização de uma métrica exclusivamente monetária mostrou-se insuficiente para a compreensão de fatores intangíveis que se incluem em uma análise multifocal do termo, tais como direitos, oportunidades e a liberdade de cada indivíduo. Logo, a mensuração e a consequente delimitação da pobreza fogem ao consenso dos especialistas devido ao uso de diferentes métricas para sua avaliação, divergências metodológicas concernentes aos fatores preponderantes para sua definição, bem como ao caráter limitado de uma análise unidimensional de um problema que demonstra ser oriundo de múltiplas vertentes, pois segundo o economista indiano Amartya Sen (2000) a riqueza não pode ser um fim por si só, mas sim um meio para obter maior liberdade em busca de uma vida desejável. Segundo o autor, ao identificar a pobreza em termos de renda, deve-se analisar a capacidade de cada indivíduo para converter sua renda e recursos em maiores capacidades e, sobretudo, para auferir maiores liberdades à sua vida, incorrendo, por fim, em

funcionalidade à renda, tendo em vista que para Sen (2001) a adequação da renda para evitar a pobreza varia de acordo com as características pessoais e as circunstâncias sociais onde cada indivíduo encontra-se inserido. Portanto, Sen (2000) destaca que privar um indivíduo de suas capacidades é um fator impeditivo ao seu pleno desenvolvimento e, neste aspecto, a privação das capacidades individuais pode estar intimamente relacionada a um baixo nível de renda, visto que a escassez de renda pode incorrer em um baixo nível educacional ou em má condição de saúde.

Deste modo, surge a necessidade de conciliar a análise da pobreza com os desafios intrínsecos à multidimensionalidade do termo, tratando-a como a privação de uma vida longa e saudável, de conhecimento e padrão de vida decente, resultados de uma intersecção de características econômicas, sociais e culturais que interferem diretamente no bem-estar de um ser humano, com vias de buscar uma convergência de fatores para um pleno entendimento acerca da pobreza. A dimensão social, por sua vez, fundamenta-se em indicadores socioeconômicos para mensurar bem-estar e pobreza. Segundo o Relatório do Desenvolvimento Humano das Nações Unidas de 2004, nutrição, educação, saúde e acesso à água potável são exemplos dos parâmetros utilizados na análise. Neste prospecto, a utilização de indicadores educacionais para mensurar a pobreza faz-se extremamente relevante, pois a redução do analfabetismo e a ampliação das taxas de matrícula no ensino fundamental associam-se fortemente a redução da pobreza, visto que para Sen (2000) a educação transfere ao ser humano maior capacidade sobre decisões pertinentes ao seu futuro e segundo Jacobi e Luzzi (2013) a educação é protagonista no processo de mudanças estruturais em questões alusivas ao desenvolvimento de cada indivíduo. Quanto à nutrição, Annan (2000) pontua que cada indivíduo tem necessidades nutricionais mínimas para uma vida digna e justa e, deste modo, uma alimentação insuficiente reverbera em debilidade nutricional e caracteriza, consequentemente, outro reflexo social da pobreza.

Devido à multidimensionalidade da pobreza, Henninger (1998) destaca ainda que a utilização dos indicadores sociais não é um fim por si só para a compreensão de bem-estar, sendo necessário destacar a complementaridade destes indicativos com a dimensão econômica e com o ambiente habilitante. Para tal, faz-se necessário compreender os componentes da última dimensão. Segundo

Amaransinghe; Samad; Anputhas (2005) determinam-se constituintes desta esfera três fatores: o acesso aos meios de produção, vulnerabilidade e áreas periféricas. Para os autores, delimita-se o primeiro aspecto através da proporção da população com acesso ao capital natural ou geográfico, ao capital físico e ao capital social. Água, terra e florestas são componentes do capital natural, ao passo que tecnologia, estradas e informação integram o capital físico e, por último, o acesso a grupos sociais e aos processos de tomada de decisão configuram-se como parte do capital social. Conforme o Relatório de Desenvolvimento do Banco Mundial (2005), quanto maior o grau de pobreza de um indivíduo, maior a dificuldade de decisão deste acerca do seu próprio futuro. Deste modo, a transferência de poder aos pobres advém, em grande parte, do amparo de instituições públicas à suas necessidades, reforçando seu papel na tomada de decisões pertinentes ao seu futuro e a sua participação em sociedade com vias de reduzir as barreiras sociais impostas pela pobreza.

Para Henninger (1998), a definição de vulnerabilidade perpassa à suscetibilidade de um indivíduo, família ou comunidade para choques e flutuações externas. O autor classifica estas ameaças em cinco categorias: risco ambiental (secas, inundações, pragas), risco de mercado (flutuação de preços, variação de salário, desemprego), risco político (conflitos civis, mudanças em subsídios, transferência de renda), risco social (redução do apoio da comunidade e redução de direitos, violência doméstica) e risco de saúde (exposição a doenças). Henninger destaca que a vulnerabilidade afeta a todos, ricos e pobres, no entanto é mais sensível para o último grupo devido à sua maior suscetibilidade a flutuações externas. Alusivo às áreas periféricas, o autor assinala como suas principais características o isolamento físico e altos índices de pobreza, denominando estas regiões de áreas “esquecidas”.

Acerca da intersecção de condicionantes à pobreza, Amartya Sen (2000) afirma que sua origem deve ser encarada, sobretudo, por meio da privação de potencialidades básicas do ser humano. Neste prospecto, o Relatório de Desenvolvimento Humano da Organização das Nações Unidas (1997) aponta a negação de escolhas e oportunidades básicas para o desenvolvimento da vida humana como fator preponderante para uma análise completa sobre a pobreza, centrada nas pessoas e privilegiando a qualidade da vida humana – e não apenas

suas posses materiais, enfatizando que “a pobreza humana é mais do que renda, é a negação de escolhas e oportunidades para viver uma vida tolerável22” (UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 1997, p.2, tradução nossa). Sobre este aspecto, Sen (2000) afirma que a desigualdade tem papel fundamental no acirramento da pobreza e, portanto, o desenvolvimento de uma medida de mensuração para a pobreza pautada na dimensão social respalda a tese de que a privação humana é proveniente de inúmeras facetas, em detrimento de uma visão estritamente monetarista.

Amartya Sen (2001) pontua que o bem-estar de um indivíduo pode ser constituído por um conjunto de funcionamentos interdependentes, cabendo destacar que os funcionamentos de maior relevância tem caráter elementar, como nutrição adequada e boa saúde. Para o autor, é necessário que a qualidade de vida e o bem- estar de uma pessoa representem a sua liberdade frente à suas próprias escolhas de vida e, assim sendo, a liberdade de uma pessoa permite sua capacitação para realizar funcionamentos e, por conseguinte, ampliar o seu bem-estar. Assim sendo, define-se desenvolvimento humano como a expansão das capacitações humanas, padrão que reflete diretamente a qualidade de vida das pessoas. Neste aspecto, McKinley (1997) aponta que existe pobreza de capacitações quando um indivíduo não consegue ter acesso ao mínimo aceito para atividades essenciais do funcionamento humano e, por conseguinte, existe privação das capacitações onde faltam oportunidades aos indivíduos. Faz-se verdadeira, portanto, a máxima do escritor inglês Samuel Johnson (1782) de que “a pobreza é um grande inimigo para a felicidade humana; certamente destrói a liberdade e torna algumas virtudes impraticáveis, além de tornar outras extremamente difíceis23”.

3.3 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA E