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Benedita da Silva e sua trajetória religiosa

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2.3 Benedita da Silva

2.3.2 Benedita da Silva e sua trajetória religiosa

Na história de vida de Benedita da Silva, a religião está diretamente ligada às questões sociais e políticas às quais ela se dedicou. Sua mãe trabalhava na Umbanda desde que morava em Minas Gerais. No Rio de Janeiro, seu terreiro localizava-se em Chapéu Mangueira. Benedita da Silva afirma que D.ª Ovídia não gostava que sua religião fosse chamada de sincrética, pois passava a ideia que a Umbanda não era religião legítima (MENDONÇA; BENJAMIM, 1997, p. 93). Conforme mencionado acima, muitos políticos getulistas frequentavam o terreiro. A Umbanda, como outras religiões afro-brasileiras, era perseguida e reprimida pela polícia. De acordo com as análises de Volney Berkenbrock (1998) ao tratar do surgimento da Umbanda, afirma que seus adeptos eram predominantemente pobres. Esta religião cresceu em ambientes de periferias e se adaptou rapidamente às mudanças urbanas no Brasil (BERKENBROCK, 1998, p. 154).

No terreiro da mãe de Benedita as sessões iam até quatro da manhã e havia danças, músicas e os atabaques. Ela ressalta o trabalho assistencial que a mãe realizava junto às práticas propriamente religiosas, e o quanto isso a tornava conhecida em toda a comunidade.

Minha mãe ajudava muito gente. Como ajudava as crianças a nascerem, também fazia comida para as mães e dava roupas para os bebês […]. O morro inteiro conhecia minha mãe. As pessoas chegavam infelizes e saíam sorrindo. Vinham pessoas com boas condições financeiras, mas que tinham muito mais problemas que nós. Elas não eram felizes, brigavam por causa de dinheiro, herança e coisas desse tipo (MENDONÇA; BENJAMIM, 1997, p. 94).

Benedita da Silva trabalhou no terreiro até os 18 anos. Ela afirma que associava os “dogmas” e obrigações da Umbanda à autoridade de seus pais, o que fez com que não tivesse vontade de seguir com os trabalhos.

A Umbanda, como toda religião, tem os seus dogmas. Cada Orixá tem suas regras. Ficava enlouquecida quando minha mãe me proibia de fazer as coisas por causa da religião. Não gostava de trabalhar no terreiro, principalmente na época dos ensaios de carnaval. Tinha que ficar trabalhando e não podia ir para a rua brincar […]. Minha mãe ficava louca comigo. Ela me criou dentro daquilo que acreditava e esperava que eu fosse continuar o seu trabalho, mas sempre fui questionadora […]. Minha geração estava rompendo com a tradição de os filhos terem que seguir os passos dos pais. Eu associava a doutrina dos Orixás às obrigações que mamãe me impunha. Se chegava tarde para os trabalhos no terreiro, sabia que ia apanhar. Essa coisa da autoridade era tremenda. (MENDONÇA; BENJAMIM, 1997, p. 94).

Católica e da Pastoral de Favelas. Aproximando-se da Teologia da Libertação, participou das comunidades eclesiais de base, o que a fez perceber como sua mãe a tinha influenciado: “A partir daquela experiência, percebi o quanto mamãe me influenciou, não do ponto de vista espiritual, mas político. Ela sempre procurou ajudar sua comunidade e, apesar de não seguido sua religião, sua bondade e sentimento me marcaram” (MENDONÇA; BENJAMIM, 1997, p. 95).

Em sua participação, diferencia a Teologia da Libertação, que era contra o sistema que oprimia os negros, índios e mulheres, do Catolicismo conservador, que estimulava a submissão dos pobres. Afirma que a Teologia da Libertação se ajustou aos seus princípios cristãos e também políticos. Nessa época, ela encontrou neste segmento da Igreja Católica as concepções que já guiavam sua vida comunitária, como a justiça social e a opção pelos pobres.

Situações diversas a levaram a aderir ao pentecostalismo em seguida. Ela relata que sentia um vazio espiritual que a Igreja Católica não conseguia preencher. E que em 1968 chegou a pensar em suicídio. Naquela época ela enfrentava a pobreza, a fome, tinha perdido um filho, tinha feito um aborto e ainda lidava com o alcoolismo do marido. Ela sentia-se impotente. “Eu me sentia infeliz e precisava de um pouco de paz” (MENDONÇA; BENJAMIM, 1997, p. 96).

Assim, aos 26 anos, se tornou membro da Assembleia de Deus. “Minha opção religiosa me ofereceu tranquilidade para refletir e tomar decisões. O que necessitava realmente era encontrar fundamento nas coisas que estavam fora do meu controle – o que significa ter fé” (MENDONÇA; BENJAMIM, 1997, p. 96).

Embora a Igreja Evangélica tenha preenchido o vazio espiritual que sentia, o mesmo não se verificou com o lado político. Benedita da Silva considera que a política social daquela igreja é muito fechada e, por conseguinte, sempre trabalhou com outros segmentos religiosos. A igreja lhe impôs algumas regras de conduta, mas ela soube manter a independência e não modificou sua vida política. Outrossim, evitou “usar a igreja como instrumento político”. Alguns fiéis, segundo ela, apoiam suas iniciativas políticas por se identificarem espiritualmente, mas ela não explora a fé para ganhar apoio, fazendo uma “política transparente” (MENDONÇA; BENJAMIM, 1997, p. 96).

Benedita participou da Assembleia de Deus por quinze anos. Decidiu sair, pois não aceitavam seu segundo casamento, com Agnaldo Bezerra do Santos, conhecido como “Bola”, que não era da Igreja (MENDONÇA; BENJAMIM, 1997, p. 98). Casou-se na Igreja Presbiteriana Independente através do contato com o pastor Mozzart Noronha. Nesta passagem de sua biografia, percebe-se um trânsito religioso interessante em busca, segundo ela, de suas convicções e fé, mas sem deixar que a posição da igreja interferisse em sua vida pessoal.

Para Benedita da Silva, a Bíblia faz parte da sua concepção política. Avalia que sua fé não deve estar separada da sua política. Defende a reforma agrária não só por razões políticas, mas também por questão de fé. Para ela, as leis existem para democratizar as relações e garantir os direitos dos cidadãos. Não devem ser usadas como instrumento de repressão. Ao longo do capítulo, Benedita da Silva fundamenta muitas de suas ideias através de passagens da Bíblia. “Não tenho formação marxista. A Bíblia fala das leis que servem para oprimir, de como os grandes proprietários usurparam suas terras, sobre corrupção” (MENDONÇA & BENJAMIM, 1997, p. 99). Ela afirma ter como inspiração as figuras da Bíblia que lutaram por direitos. Mulheres como Sifrá e Puá, duas parteiras que arriscaram suas vidas para salvar bebês do sexo masculino, condenados à morte pelo faraó do Egito. Também as filhas de Zelogeade, que lutaram pelo direito à herança das terras de seu pai, o que foi considerado legítimo e transformado em lei e direito que passou a fazer parte do Velho Testamento. Outra mulher da Bíblia mencionada por ela foi Débora, juíza que abdicou do luxo e mordomias dos tribunais e passou a atender as pessoas carentes debaixo de uma palmeira (MENDONÇA; BENJAMIM, 1997, p. 103). Benedita afirma acreditar no Deus que se identificou com os pobres, curou os enfermos, compadeceu-se dos cansados e aflitos, libertou os oprimidos e desmascarou os hipócritas (MENDONÇA; BENJAMIM, 1997). E continua: “Minha leitura do Evangelho não é alienada. Considero Jesus Cristo revolucionário, mais que qualquer proposta de partido de esquerda que já conheci. Ele sempre pregou contra a opressão, a tirania, a usura e a fome, não temeu os poderosos e exaltou os humildes” (MENDONÇA; BENJAMIM, 1997, p. 98). Benedita entende que a Bíblia é um importante meio de transformação social e, de uma forma interessante, resgata o papel da mulher no Evangelho.

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