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Tia Eron – Religião e Política

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2.4. Tia Eron

2.4.3 Tia Eron – Religião e Política

Na entrevista realizada na Sede Estadual do PRB, em 2017, tia Eron aponta para o forte entrelaçamento entre Religião e Política. Declara que as lideranças religiosas, reconhecendo sua atuação e sua “veia política”, a orientam para atuar na esfera política para concorrer, em 2000, a uma vaga de vereança no Poder Legislativo de Salvador/BA. Ela narra que, ao receber este chamamento, não conseguiu de imediato se apropriar da ideia, mas a reflexão sobre a solicitação trouxe duas preocupações: a primeira, de se afastar dos trabalhos que desenvolvia na igreja e distanciar-se da proposta do Evangelho; e a segunda, de estar na Câmara de Vereadores, um espaço de poder majoritariamente masculino.

Tia Eron declara que não tinha possibilidade de negar o pedido para participar das eleições municipais. Disputou as eleições pela sigla PFL (Partido da Frente Liberal, atualmente substituído pela sigla DEM – Democratas). Venceu as eleições para vereadora da Câmara Municipal de Salvador/BA para o exercício de 2001 a 2004. Ao exercer o cargo de vereadora, exigiu de imediato do Presidente da Câmara dos Vereadores a criação da Comissão Permanente de Mulheres. Posteriormente, foi reeleita para três mandatos: de 2005 a 2008; de 2009 a 2012 e de 2013 a 2015, pelo Partido Republicano Brasileiro. Admite que o desafio não está somente em concorrer e ganhar

vereadora negra da Câmara Municipal de Salvador. Enfatiza que as especificidades de ser negra com identidade e pertencimento cabem somente às mulheres negras e indica que a representação deste segmento nos diversos espaços é fundamental, principalmente nos cargos eletivos para os poderes Executivo e Legislativo.

Com o objetivo de recuperar as memórias de mulheres negras que tiveram importância para a história negra do Brasil, Tia Eron foi autora do Projeto de Lei que instituiu o Dia 25 de Julho como o Dia Municipal da Mulher Negra. Vale aqui destacar que o Dia 25 de Julho foi criado no I Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas em 1992. Definiu-se que essa data seria celebrada em nível internacional para dar visibilidade às lutas das mulheres negras e ao enfrentamento ao racismo sofrido por elas.

Outra iniciativa de Tia Eron na Câmara dos Vereadores foi o Projeto de Lei que instituiu o prêmio Maria Felipa para homenagear a Mulher Negra. Justifica a iniciativa para resgatar o protagonismo e dar visibilidade às mulheres negras que construíram a história do Brasil.7

Sobre a filiação partidária, afirma que o PFL foi importante em sua trajetória política, pois este a acolheu com sua sigla para lançá-la como candidata a vereadora, mas ressalta a importância do PRB em sua militância política. Segundo a deputada federal, seu atual partido a empoderou e credibilizou diante da sociedade. Em 2015 ela assumiu a Presidência Estadual do PRB de Salvador/BA.

Penso ser este o nosso diálogo, penso ser esta a nossa preocupação: fazer chegar a cada homem, mulher, menino e menina negros de nossa sociedade a percepção de que nós podemos (e devemos) estar em todos os lugares, em todos os Poderes. É retirar de nossa prática, assim como pensamos que retiramos de nosso discurso, a ideia de que, se um negro ‘vence’ e pensa ou se posiciona diferente de nós, ele deve ter algum ‘motivo’ que o levou aquela vitória, apenas pelo fato de não reconhecermos que, pensamos diferente, agimos diferente, mas o que precisamos é ter como bandeira de luta única a causa do povo negro. Esta é minha história. E ela me trouxe aqui.

(CARVALHO, 2014).

Convém resgatar que, na entrevista, Tia Eron, ao se referir à posição da IURD em sua inserção na política, pontuou que a Igreja estava não somente atenta às reivindicações dos movimentos sociais, de mulheres e pela promoção da igualdade racial, como também colocou em prática essas demandas. Afirma que a IURD reconhece a importância do papel da mulher, alega que “Jesus Cristo” confiava e valorizava as mulheres, que eram tão discriminadas pela sociedade.

7 A heroína Maria Felipa de Oliveira, liderou, em 1823, quarenta mulheres, homens e índios que queimaram embarcações dos portugueses que dominariam Salvador (SCHUMAHER & BRAZIL, 2006: 94).

Justifica essas declarações citando passagens bíblicas, como a da vida de Maria, mãe de Jesus Cristo, pontuando que o nascimento e a ressurreição foram anunciados por uma figura feminina.

É pertinente fazer esse paralelo ao levantar seus projetos enquanto vereadora. Tia Eron propôs vários projetos de lei sobre a mulher. Entre vários projetos de lei municipal, destacam-se: a proibição aos órgãos públicos de contratar bandas que toquem músicas estimulando a violência contra as mulheres; a criação da Comissão Permanente dos Direitos e Igualdade da Mulher em Salvador/BA; o projeto social “Da Cozinha para a sala de aula”, em parceria com a Faculdade Batista Brasileira, para que mulheres que trabalham em casa voltem a estudar; o projeto que institui nos postos de Saúde do município de Salvador atendimento diferenciado para mulheres vítimas de violência doméstica; a indicação para a criação do Núcleo de Atendimento à Mulher no Governo do Estado da Bahia; a indicação ao Tribunal de Justiça da Bahia para a implantação do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher prevista na Lei 11.340 – Maria da Penha; e a proposta da criação do Dia do Aleitamento Materno.

Outra importante atuação na igreja e como vereadora e deputada federal, refere-se aos seus trabalhos com a população negra. Tia Eron declara que desenvolvia seus trabalhos da Igreja com meninos e meninas negras e pobres. Afirma que muitas pessoas não se assumem como negras; às vezes se consideram pardos, morenos ou caboclos. Tia Eron define este comportamento como uma “crise de identidade” e justifica tal posicionamento em função da discriminação e da negatividade de ser negra e negro no país. Historicamente, a população negra foi escravizada e teve seus direitos negados, e as mulheres negras foram tratadas como objeto sexual. Segundo Tia Eron, recentemente muitas pessoas estão assumindo sua negritude e afirmou declarar-se negra de forma espontânea, garantindo que ninguém tira isto dela.

Outro ponto analisado pela deputada é o grave problema do racismo sofrido pela população negra. Declara que uma das conquistas do movimento negro foi a tipificação do racismo como crime hediondo; porém, a sociedade ainda comete esses crimes e lamentavelmente nega essas práticas. Reforça que, quando a sociedade nega, ela aumenta e intensifica ainda mais a ação deste racismo contra a população negra.

Sem dúvida, os avanços na luta pelo enfrentamento ao racismo, que vem se fortalecendo desde a década de 90, com as reivindicações históricas dos movimentos negros e sociais no debate da questão racial, questionando o mito da democracia racial, apontando a situação da população negra nos diversos campos educacional, social, político e econômico, exigindo reparação através de políticas públicas, ações afirmativas, além de

racial, que sobreviveu por 50 anos, o Brasil se reconhece racista e o 20 de novembro é um marco histórico no nosso País, pois marca a luta incansável de guerreiros e guerreiras contra a escravidão. (CARVALHO, 2014).

Tia Eron, enquanto vereadora, também participava de eventos realizados pela IURD sobre o enfrentamento à discriminação e preconceitos contra mulheres e homens negros. A Igreja criou um espaço que comemora o “Dia Universal do Orgulho Negro”, com reflexões sobre a situação das pessoas negras, palestras, depoimentos de superação do racismo, músicas com cantoras/es negras/os etc.

Sabemos que existe a discriminação racial e o preconceito, mas estamos atentos e a cada caso que cai em nossas mãos, saímos em busca de solução, afinal não é possível ainda viver com esse tipo de situação. (CARVALHO, 2014).

Tia Eron afirma ainda que sua atuação ocorre de forma muito “tranquila” e que a igreja não intervém no exercício de seus mandatos. Ao contrário: seu trabalho político pauta as ações da IURD visto que, ao ter contato com os problemas que atingem a população, em especial a violência doméstica e familiar contra a mulher, além das providências tomadas por ela enquanto agente político, ela também orienta o líder religioso do Estado da Bahia para abordar esse assunto nos cultos da Igreja. Ela comenta que o líder religioso reconhece que muitas mulheres o procuram para confidenciar que estão em situação de violência doméstica. Desta forma, prega nos cultos a valorização da mulher, utilizando passagens da Bíblia sobre a vida de Jesus e como ele respeitava as mulheres, principalmente vítimas de preconceitos e de discriminação. Tia Eron considera naturais as abordagens da IURD sobre a valorização e enfrentamento à violência contra a mulher, uma vez que os textos bíblicos abordam e reconhecem a importância feminina na história.

Outro apontamento feito por Tia Eron ao bispo da Igreja foi sobre identidade racial, enfatizando que o Estado da Bahia possui muitas heroínas negras esquecidas pela história. A deputada fala da importância da IURD ao resgatar essas mulheres, dando visibilidade às suas trajetórias. Ela justifica que o entrelaçamento entre política e religião cria uma nova identidade dentro da instituição, que tem posicionamento democrático e está atenta à questão racial.

Tia Eron afirma que se sente honrada em fazer parte da 55ª Legislatura da Câmara dos Deputados, principalmente por terem sido eleitas três deputadas evangélicas negras. Ela ressalta que, mesmo com a baixa representatividade feminina nesta legislatura, o PRB colaborou com a política brasileira ao lançar e eleger as duas deputadas evangélicas com atributos da maioria das mulheres negras (ela e Rosângela Gomes).

Para ela são muitas as dificuldades em se eleger e se manter no poder, principalmente para uma mulher negra, visto que a sociedade não valoriza a identidade racial e o espaço masculino resiste em valorizar a competência e o compromisso da figura feminina na esfera política. Indica que existe na sociedade uma crise de identidade racial que atinge negativamente as lutas das mulheres negras, e cita a trajetória de Benedita da Silva, com filiação ao Partido dos Trabalhadores, como um exemplo de superação.

Na entrevista, Tia Eron declara que a trajetória de Benedita merecia uma homenagem com um busto em espaço público ou até mesmo nome de uma rua, por sua contribuição para a sociedade. Conforme enfatiza, a dedicação da deputada para com a questão racial através de sua atuação política, possibilitou garantir direitos à população negra do Brasil e isso é reconhecido até por pessoas e/ou segmentos de oposição política a ela. Por outro lado, Tia Eron aponta que a atuação política de Benedita não estaria sendo valorizada pelo seu potencial e pela sua história de luta. Ela deveria, segundo a deputada, ser a mulher mais votada do Brasil e isso não estaria ocorrendo – pelo contrário, seu potencial de votação estaria diminuindo.

Tia Eron reafirma que, nos espaços de poder majoritariamente masculino, não se apreciam a competência, a disposição e o discurso feminino, e sua atuação consiste em enfrentar esses desafios. Relata que sempre está alerta para contrapor a posição de não valorização do feminino, citando uma interessante experiência vivenciada na Câmara dos Deputados, na qual Mônica Donato, jornalista e especialista em Ciência Política pela UnB (SIQUEIRA, 2016), apresentou um estudo acadêmico sobre a representação feminina no Congresso Nacional e o investimento para a manutenção dessas políticas públicas para as mulheres. A pesquisa, de acordo com Tia Eron, faz uma importante crítica que aponta que as mulheres, ao participarem de disputa eleitoral, incluem, em suas plataformas de campanhas, programas ou projetos voltados para os direitos das mulheres. Todavia, quando são eleitas, muitas delas não executam as propostas para o público feminino, ou seja, não destinam emendas parlamentares ao seu Estado ou suas cidades, para o fortalecimento das políticas públicas para as mulheres. Tia Eron ilustra com exemplos as verbas para aquisição de mamógrafos, criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, entre outros.

A deputada enfatiza que um dos papéis desempenhados pelas/os parlamentares é analisar a lei orçamentária do Governo Federal, ou seja, os gastos federais, e alterar através de emendas parlamentares seu destino para diversas políticas públicas, incluindo a temática da mulher. A pesquisa mencionada por Tia Eron aponta para a necessidade das/os representantes do Congresso Nacional contemplarem, nas emendas parlamentares, o orçamento para desenvolver e fortalecer as políticas públicas voltadas para as mulheres. Após análise dos dados contidos na pesquisa, Tia Eron

Federal verbas para desenvolver essas políticas e alertar sua bancada como as/os demais deputados/as federais para a necessidade da mesma, tendo aumentado o número de emendas parlamentares de sua autoria visando a destinação de verbas para o desenvolvimento do público feminino.

Segundo estudo de Mônica Donato, me fez e me levou a fazer uma fala no Congresso Nacional e a chamar a atenção e puxar a orelha da bancada. E hoje a bancada tem todo o cuidado. Até de levar para seu Estado e sua cidade. Eu como fui aquela que recepcionei esse estudo, mas que nunca me senti na obrigação… e terminei sendo a mulher até então a destinar maior número de recursos para as políticas para as mulheres no Brasil. (CARVALHO, 2017).

Tia Eron também reconta o episódio sobre seu voto no Conselho de Ética para a cassação do mandato do Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, ocorrido em 2016, e que obteve repercussão nacional e internacional. Ela narra que seu voto era decisivo e que não se curvou diante das várias manifestações de controle sobre seu parecer. Considera que esse cenário mostrou às mulheres o que é atuar em um espaço de poder e tomar a decisão mais difícil do país.

É a Casa mais importante do país. Ali é um lugar de tomada de decisão que toca na vida das pessoas que transforma ou que prejudica […] Não é lugar para superficialidade. É um lugar onde tem que ter os melhores pensando intelectualmente inclusive. (CARVALHO, 2017).

Avalia que houve outros fatos na Câmara dos Deputados mais relevantes do que a votação sobre a cassação do referido deputado, mas esse fato ganhou grande repercussão por estar nas mãos de uma mulher negra. Salienta que seu posicionamento e de sua bancada de deputados do PRB rompeu com uma cultura dentro de Congresso Nacional ao ter uma mulher negra no comando desta importante decisão.

De acordo com o depoimento de Tia Eron sobre sua trajetória de vida, percebe-se o entrelaçamento entre Religião e Política. Suas proposições referentes à 55ª Legislatura a serem analisadas no próximo capítulo indicam uma forte atuação nos temas mulher e população negra. Tia Eron está licenciada do mandato de deputada federal e assumiu, em 2017, o cargo de Secretária de Promoção Social e Combate à Pobreza (Semps) da Prefeitura de Salvador/BA.

Porque somos negras! Que bom que a gente tem esse foco, porque seria muito feio, seria uma desmoralização ser negra e não ter essa identidade, ter esse pertencimento de causa. Estou fazendo meu dever. (CARVALHO, 2017).

2.5 Rosângela Gomes

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