• Nenhum resultado encontrado

Rosângela Gomes – Religião e Política

No documento Download/Open (páginas 71-81)

2.5 Rosângela Gomes

2.5.3 Rosângela Gomes – Religião e Política

Rosângela Gomes destaca o importante trabalho realizado pelo Grupo de Jovem da IURD que, através das diversas atividades e reuniões, conseguiu atingir muitos jovens. Diante dos resultados positivos e se destacando cada vez mais como uma forte liderança, alguns jovens e lideranças da Igreja propuseram a ela o desafio de concorrer a uma vaga como vereadora da Câmara Municipal de Nova Iguaçu/RJ nas eleições de 1996. O objetivo do grupo era participar e intervir neste importante espaço para propor políticas públicas para a juventude.

No início não recebeu com tranquilidade esse pedido para concorrer e fazer parte deste cenário, pois tinha uma visão negativa do sistema político. Contudo, resolveu aceitar o desafio e concorreu às eleições pelo Partido da Frente Liberal (PFL), atualmente Partido Democratas (DEM). Ela obteve muitos votos, mas não conseguiu se eleger para vereadora em função da legenda não ter alcançado o número de votos suficiente.

Quando os bons, aqueles que têm boas intenções e que trabalham sério se afastam da política, os viciados se perpetuam e nós sofremos muito com isso né? Enfim, até que um dia eu tentei a primeira vez em 1996, na época eu fiquei muito feliz porque eu ganhei, mas não levei, o partido não fez legenda. (GOMES, 2017).

Comenta que, após essa experiência, passou a estudar o funcionamento dos partidos políticos e a se preparar para um novo processo eleitoral, o que ocorreu em 2000. Participou das eleições municipais de Nova Iguaçu e conquistou uma vaga na Câmara Municipal, sendo a única mulher, e mulher negra, entre os 21 vereadores.

E aí começa uma nova história, é até muito interessante porque na Câmara já tinha três legislaturas que não tinham representação feminina. Então, foi um choque muito grande para os homens lá… Eu enfrentei muito preconceito dentro da Câmara, primeiro por ser mulher, e eles não queriam porque na época eles achavam que ali não era lugar de mulher; segundo porque era preta e terceiro porque era evangélica! Então, eu tinha a última cadeira, o pior carro, não tinha nem gabinete. Eu era quase invisível. (GOMES, 2017).

Neste depoimento, Rosângela Gomes relata a discriminação que sofreu na Câmara Municipal em função do sexo, cor e religião. Uma importante referência quanto a estas interseccionalidades é apontada por Kimberlé Crenshaw ao afirmar que as mulheres que sofrem discriminação de gênero, classe, raça, cor, orientação sexual, religião, têm seus direitos humanos feridos por lhes serem negadas suas especificidades (CRENSHAW, 2002).

Rosângela Gomes aponta as dificuldades que teve ao assumir a vereança na Câmara Municipal de Nova Iguaçu, visto que seus representantes eram todos homens e não aceitavam a presença feminina e negra neste importante espaço de poder e de decisão. Ela relata que conseguiu ter “forças em Deus” para enfrentar a resistência masculina na Câmara Municipal para desenvolver seu trabalho de vereadora, reforçando também que, se Deus a colocou naquele espaço, ela precisava corresponder a esta missão.

Primeiro, porque pedi a Deus direção, até porque sem ele com certeza não chegaria a lugar nenhum. Sem Deus, é impossível viver; sem Deus, é impossível acordar; sem Deus, é impossível ser feliz e sem Jesus não tenho prazer nenhum de viver. E se ele me colocou naquele lugar com grupo de pessoas e acreditando em mim, eu teria que corresponder, até porque quem está à frente de tudo, era Deus. (GOMES, 2017).

Rosângela Gomes narra que, mesmo com todos os obstáculos, conseguiu no primeiro semestre do exercício de seu mandato em 2001 aprovar um Projeto de Lei que criou a Comissão de Defesa da Mulher. Depois atuou para a criação da Casa Abrigo para Mulheres em situação de Violência Doméstica, como também para a criação da Casa da Mãe Solteira. Outras importantes participações na Câmara Municipal de Vereadores ocorreram na Comissão de Combate à Desigualdade Racial, Comissão de Constituição de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania e

Comissão de Educação, Cultura, Turismo, Esporte e Lazer. Assim Rosângela Gomes foi ampliando e fortalecendo seus trabalhos e exerceu três mandatos consecutivos de vereadora, de 2001 a 2010. Para Gomes, toda deputada ou deputado estadual e/ou federal deveria, antes de exercer esses mandatos, vivenciar a experiência de ser vereadora/or por causa do diálogo e trabalho direto com a população local. Comenta que, enquanto vereadora, estava sempre próxima aos munícipes da cidade, realizava visitas à comunidade, visitava hospitais para dar assistência às famílias e, à noite, se dirigia à Câmara Municipal para debater os problemas e as propostas de política pública para a cidade. Atuou como oposição e situação do governo municipal e declara que sempre agiu com responsabilidade em seus mandatos, sendo aprovada em seus trabalhos pela comunidade de Nova Iguaçu através da recondução de seus três mandatos de vereadora e, mais tarde, tendo sido eleita a Deputada Estadual/RJ para o período de 2011 a 2014. Ela ressalta que cabe ao vereador elaborar, discutir e aprovar leis como também fiscalizar a atuação do Executivo. Avalia que essas funções podem ocorrer concomitantemente com a prática do assistencialismo e comenta, desapontada, que a Prefeitura não viabilizava para as/os vereadoras/es a infraestrutura necessária para o atendimento a estas demandas.

Eu vinha numa fase que estava muito decepcionada com a política. Nós gostamos de fazer um trabalho de resultado, e na minha cidade a Prefeitura vinha, de uma certa forma, agindo de uma maneira que nós não concordávamos muito. Eu fiquei um pouco decepcionada e desanimada. Porque nós queríamos trabalhar mais e não podíamos. Por exemplo, na Câmara dos vereadores, eu não tinha sala, se eu fosse usar o telefone para ajudar uma pessoa a arrumar uma vaga de cirurgia, fazer exames ou uma indicação de escola… Coisa que não é atribuição de um vereador, e a nossa função é fazer leis, fiscalizar o executivo, e também fazer indicações. Mas no Brasil de hoje, o de sempre, nós não podemos nos dar o luxo de falar para as pessoas que não podíamos fazer o assistencialismo e aí eu não podia usar o telefone da Câmara, até porque não tinha gabinete, não podia usar o telefone da Câmara, não podia usar meu carro para socorrer alguém em hospital. (GOMES, 2017).

Durante o mandato de vereadora em 2006, Rosângela Gomes foi convidada pelas lideranças do Partido Republicano Brasileiro/RJ a concorrer a uma vaga no Senado da República Federal. Aceitou o convite e participou do processo eleitoral, obtendo a marca de 262.132 votos, o que a encorajou a continuar na política, pois sua expressiva votação significava, segundo ela, o reconhecimento da população do Rio de Janeiro ao seu trabalho. Narra que, antes do processo, participou com o ex-Vice-Presidente da República, José de Alencar, na criação do Partido Municipalista Renovador Republicano Brasileiro, por volta de 2003, que depois ganhou nova

legenda, Partido Republicano Brasileiro. Lembra com orgulho que percorreu várias cidades coletando assinaturas para a criação do partido.

Quando o Crivella e o Zé Alencar me chamou para ser senadora, eu confesso a você que quase entreguei os pontos, mas quando eu vi nossa votação, sem dinheiro, sem santinho, sem nada, aí eu vi a gratidão e o apoiamento do povo, me enchi de alegria e felicidade, disputei de novo a eleição, a reeleição para vereadora e ganhei de novo. (GOMES, 2017).

Após essa campanha e durante o exercício do mandato de vereadora, Rosângela Gomes participou da Convenção do PRB ocorrida em 2010 para escolher os candidatos para eleições estaduais. Neste encontro, foi convidada para concorrer a uma vaga para deputada estadual. Ela confessa que este pedido ocorreu para o cumprimento da legislação eleitoral que determina que cada partido ou coligação preencha com no mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) as candidaturas de cada sexo9. Conta que aceitou o convite para ajudar o PRB para a composição das candidatas e fez sua campanha sem muitos recursos financeiros. O próprio grupo de apoio à sua candidatura, segundo ela, fazia os panfletos e os distribuía para divulgar sua plataforma política. Confessa que aceitou participar do processo eleitoral sem intenção, sem planejamento e sem estratégias para a campanha, apenas para ajudar o partido no preenchimento das cotas. Ainda assim, acabou vencendo as eleições e exerceu o mandato de Deputada Estadual pelo PRB de 2011 a 2015.

Uma eleição muito dura! Mas ganhamos a eleição. Com algumas propostas assim maravilhosas… Defendendo transporte, defendendo abastecimento de água para a população e, sobretudo, saúde. Então, nós conseguimos ganhar a eleição… Aí começa uma nova etapa, porque na Câmara Municipal não tinha papel para escrever. Já na Assembleia, a gente tinha sala, gabinete com três salas, máquina de Xerox. Nossa! Era uma fartura. Tinha duas linhas telefônicas, tinha carro, tinha gasolina. Aí nos fizemos um trabalho muito legal. Também aprovamos muitos projetos… participei da comissão de prevenção ao uso de drogas. Consegui desenvolver um projeto pela comissão de ir às escolas e falar com os jovens não usarem drogas… Através do Governo do Estado eu consegui apoiamento do governo, eu consegui levar cantores e artistas que já passaram pelas drogas… que conseguiram superar essa dificuldade… Fazíamos um campeonato de redação com o tema de drogas… Então fazíamos um dia inteiro na Escola Municipal ou do Estado. (GOMES, 2017).

Reforça que foi a única mulher, e negra, eleita pelo seu partido nas eleições estaduais de 2010 e, neste período, também fora convidada para assumir a Coordenação Nacional do PRB

9 Lei nº 12.034 de 29 de setembro de 2009 que altera as Leis 9.096, de 19/9/ 1995 – Lei dos Partidos Políticos, 9.504, de 30/9/1997, que estabelece normas para as eleições, e 4.737, de 15/7/ 1965. Código Eleitoral.

Mulher. Enquanto coordenadora da articulação do partido sobre as questões femininas, viajou por várias partes do Brasil, conhecendo melhor a realidade das mulheres.

Eu sou presidente nacional do PRB Mulher. Eu fui a única mulher eleita no meu partido nas eleições estaduais de 2010. Com isso viajei o Brasil todo, conhecendo as pessoas do meu partido. Nessas viagens comecei a entender as dificuldades para as mulheres entrarem na política. Porque somos mãe, esposas, avós, donas de casa etc. Nós ajudamos os homens a se eleger, mas quando chega a nossa vez não temos mais forças e disposição, tornando uma luta desigual. (TOMAZINI, 2015).

A baixa representatividade das mulheres negras no espaço de poder, conforme apontado por Rosângela Gomes foi evidenciada no relatório sobre “A participação das mulheres negras nos espaços de poder” (BRASIL, 2010), que aponta que a sociedade impõe um padrão de beleza no qual a mulher negra não está contemplada. Sua imagem, aparência e capacidade intelectual são consideradas negativas e isto dificulta sua inserção na política, pois a representação admitida está ligada à imagem do homem branco.

Relevante mencionar que a deputada federal Rosângela Gomes desempenhou funções partidárias de destaque, geralmente ocupadas por homens. Ocupou a presidência do Diretório Municipal de Nova Iguaçu/RJ pelo Partido Liberal no período de 1999-2003; foi Vice-Presidente do Diretório Municipal de Nova Iguaçu/RJ pelo Partido Liberal no período de 2003-2005; foi Presidente do Diretório Municipal de Nova Iguaçu/RJ pelo Partido Republicano Brasileiro no período de 2005; foi Coordenadora Nacional do Partido Republicano Brasileiro Jovem no período de 2007-2010 e foi Coordenadora Nacional do Partido Republicano Brasileiro Mulher a partir do período de 2011.

Para as eleições gerais de 2014, Rosângela Gomes concorreu à vaga para deputada federal pelo PRB/RJ e venceu com 101.686 votos (CÂMARA NOTÍCIAS, 2014). Sua atuação e proposições na Câmara dos Deputados a partir da interseccionalidade de gênero e raça/etnia serão analisadas no capítulo seguinte. Também destaca na entrevista que, durante o período de seu mandato de deputada federal, participou das eleições municipais em 2016 concorrendo para o cargo na Prefeitura de Nova Iguaçu/RJ, sem obter sucesso na candidatura. Tinha como propostas em seu programa de governo realizar uma gestão participativa, dialogando com a população através de plenárias nos distritos, e investir em setores prioritários da cidade como infraestrutura, saúde, educação e entre outras áreas da política pública.

Eu queria fazer uma gestão participativa. Eu queria fazer uma gestão inovadora, no sentido de abrir plenária, nos distritos ou nas ruas. E fazer,

sobretudo, uma gestão voltada e direcionada de acordo e com sintonia com a população daquele distrito. Ou também uma gestão que a gente pudesse trabalhar muito... minha cidade é muito grande, mas é uma cidade que tem tudo para fazer, não tem infraestrutura nenhuma. Então, eu botei como meta pelo menos por mês asfaltar dez ruas. E cuidar da saúde, do hospital fechado. Enfim, saúde, infraestrutura, uma gestão participativa e trabalhar com a educação na integralidade, mesmo que eu não conseguisse fazer com todas as escolas, pegaria um percentual e começaria num próximo ano seguinte, até colocar em toda a rede… (GOMES, 2017).

Rosângela Gomes reafirma que assumiu vários importantes cargos nos partidos políticos, nos poderes legislativos, e enfrentou muita resistência por ocupar estes espaços “naturalmente” destinados aos homens. Narra que a sociedade impõe e espera que as mulheres ocupem e desempenhem papéis no espaço privado, não sendo preparadas para ocuparem os espaços públicos. Ela confirma que as mulheres compõem a maioria da população no Brasil e, em função deste histórico de desigualdade, o país possui poucas representantes na política como prefeitas, vice- prefeitas e vereadoras. Segundo ela, muitas prefeituras não investem em políticas específicas e serviços de atendimentos para a população feminina, bem como os partidos políticos não investem candidaturas de mulheres.

Enfim… Então a gente precisa conversar muito e falar muito com os homens essas coisas. Porque a gente está longe, longe e longe de verdade de um país que seja extremamente democrático. Democrático é igualdade e a gente está muito longe da igualdade, neste Brasil de poucos brasileiros. (GOMES, 2017).

Rosângela Gomes menciona que, no trabalho na Câmara dos Deputados da 55ª Legislatura, as deputadas federais são minoria e quando há projetos voltados para os direitos das mulheres, elas atuam em conjunto de maneira suprapartidária. Acentua também que todos os projetos e programas precisam de orçamento para sua execução, e destaca que tem trabalhado muito pelo Estado Rio de Janeiro, tendo muito orgulho de ser da Baixada Fluminense, região esquecida pelos governantes. Ela disse sonhar com o dia em que sua cidade se torne grandiosa e notável.

Porém, os governos sempre olharam para o Rio de Janeiro e nunca se preocuparam com a Baixada Fluminense e com as cidades do interior. Para

mim é uma honra muito grande lutar e sonhar com uma Baixada mais digna

e mais justa. Eu faço de tudo para ajudar a minha cidade. (GOMES, 2017).

A deputada foi convidada, com Sueli Carneiro, em 2003, pela Organização das Nações Unidas para representar o Brasil sobre o tema “Mulheres Negras da América Latina que chegaram a

cargos eletivos”. Neste encontro, com a participação de 35 mulheres convidadas, três foram escolhidas para falar de suas trajetórias de vida, e Rosângela Gomes foi uma delas. Ela narrou sua história e discorreu sobre a pobreza e alcoolismo dos pais vivenciados em sua infância e adolescência, explanando como superou a situação através da religião.

Eu falei da minha cidade de Nova Iguaçu. Eu não tenho vergonha de ser de Nova Iguaçu. Não tenho vergonha de falar que, algumas vezes, já

dormi no tempo, que sou filha de pai e mãe alcoólatras, que vendi

refrigerantes nos sinais para pagar as dívidas. Enfim, eu tenho o maior orgulho de trazer a memória bem viva, para que outras meninas,

outros meninos, sobretudo negros, de região periférica e com dificuldade,

com todo o tipo e espécie de contrariedade. Como eu falei, eu tinha tudo para dar errado, mas Deus não deixou; eu tinha

tudo para estar morta, mas Deus não deixou. Então eu falo se algum dia

alguém quiser ler sobre tudo isso que eu estou aqui falando… é para que isso sirva de inspiração para os nossos jovens que estão

sem perspectiva e sem direção. Dizer para eles que eles podem, é só confiar e crer em Deus em primeiro lugar de depois acreditar em si mesmos, mesmo que ninguém acredite. Se Deus acredita em nós, e se ele acredita nele, com certeza ele poderá chegar onde desejar e quiser. Eu sempre falo: quem tem fé, sabe o que quer e sabe exatamente onde quer chegar. (GOMES, 2017).

Rosângela Gomes reafirma que sua participação na Igreja Universal do Reino de Deus a levou à participação partidária. Enfatiza que os evangélicos possuem a missão de servir e considera que a política é uma servidão, por isso tem a mesma essência da religião. Para ela, política e religião se entrelaçam a partir deste conceito de servir. Pontua, contudo, que infelizmente a maioria dos políticos do Brasil querem ser servidos, praticando assim o que chama de “politicagem”, para ter ganhos e/ou beneficiar grupos ou setores. Ela considera que a política precisa estar a serviço da população e, principalmente, de quem precisa da política.

Eu tenho certeza que qualquer pessoa que ocupe o cargo público, o nome já diz público, tem que ter o espírito de servir, e não de ser servido… nós a nossa base era essa. De sempre estar servindo o próximo. Então nós, que somos evangélicos, temos esse conceito de servir, que no meu entender a política é uma servidão. (GOMES, 2017).

2.6 Considerações Finais do Capítulo

No capítulo 1, foram apresentadas algumas referências teóricas sobre a interseccionalidade, evidenciando-se como este marco auxilia a refletir sobre as dificuldades e estratégias de luta de mulheres negras nas dimensões de raça, gênero, classe, religião e política. No presente capítulo, buscou-se verificar como a interseccionalidade se fez presente na trajetória das três deputadas

negras evangélicas, ou seja, como os marcadores acima citados aparecem e se entrecruzam em diferentes momentos de suas vidas. Como conclusão, serão tecidos alguns breves apontamentos comparativos sobre as trajetórias das deputadas, sendo enfatizadas as convergências e as divergências em diferentes dimensões interseccionais.

No tocante a gênero, foi interessante observar nos depoimentos o papel assumido pela figura feminina na organização familiar em que cresceram Benedita da Silva e Tia Eron. Em alguma medida, as três deputadas mencionam a figura materna como grande referencial em suas histórias de vida. Benedita da Silva qualificou sua mãe como uma “matriarca” em razão do papel ativo que assumia na liderança da família, das conduções dos trabalhos religiosos da Umbanda e também das atividades comunitárias. Para Tia Eron e para Rosângela Gomes, o referencial das mães aparece em momentos críticos de suas infâncias, quando suas famílias passaram por crises e dificuldades financeiras e psicológicas. Ao perder o marido, a mãe de Tia Eron corajosamente passou a chefiar a família, enfrentando preconceitos e dificuldades, como, por exemplo, a recusa de homens inquilinos em continuar o contrato com ela pelo fato de ser mulher. Neste caso, entrecruzam-se gênero e classe social, ressoando as questões que tantas outras mulheres chefes de família enfrentam no Brasil. Já a mãe de Rosângela Gomes é citada como referência pela deputada federal num sentido diferente das outras duas, pois ela teria sofrido ainda mais os problemas de classe social em razão de sua doença, o alcoolismo. Rosângela Gomes fala de sua mãe com orgulho, assim como de seu pai e de sua irmã.

Foi relevante notar também diferenças e semelhanças entre a infância e a adolescência das deputadas no que tange à classe social. Rosângela Gomes e Benedita da Silva relatam terem enfrentado graves situações de miséria e vulnerabilidade social, chegando ao caso extremo de uma tentativa de suicídio da primeira por conta do desespero em face das condições de vida a que estava exposta. Já o depoimento de Tia Eron relata uma situação financeira bem diferente, dada a ocupação profissional do pai e as posses de imóveis da família – situação, contudo, que oscilou significativamente após a morte do pai.

Os depoimentos das deputadas se diferenciam também ao relatarem experiências de preconceito racial. No relato de Benedita da Silva, experiências negativamente marcantes aparecem desde os primeiros anos da infância, chegando até mesmo aos dias de hoje, quando demonstrou tristeza ao perceber que sua bisneta sofreu racismo. Já nos relatos de Tia Eron e Rosângela Gomes, a barreira racial é mencionada sobretudo no momento em que vão assumir um papel proeminente na

No documento Download/Open (páginas 71-81)