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Bi posicionado (psiquiatra “espiritualista”)

PARTE II CAMPO PSIQUIÁTRICO E CAMPO RELIGIOSO: MORFOLOGIAS

3.1 POSICIONAMENTO DO PSIQUIATRA NO CAMPO PSIQUIÁTRICO

3.1.2 Bi posicionado (psiquiatra “espiritualista”)

São 7 (sete) psiquiatras e 2 (dois) enfermeiros bi posicionados ou “espiritualistas”. Tal atribuição está relacionada ao fato de abrirem espaço para questões que não apenas as relacionadas ao campo psiquiátrico, mas àquelas que têm interface com esse campo, por exemplo, as questões religiosas, espirituais. Eles são caracterizados mediante os seguintes posicionamentos:

● Religião é importante para o paciente124

● A favor de medicina com outras abordagens125.

A seguir alguns trechos considerados significativos para ilustrar o que se denomina psiquiatra bi posicionado:

Montei um curso uma vez. Tem até hoje o curso, chama medicina além do corpo. O primeiro curso eu chamei o Lotufo, que foi falar de religião, acupuntura, essas medicinas que têm outras abordagens. 124 Ideias que circundam esse posicionamento: Médico que tem vivência religiosa consegue ver a

importância da religião para o paciente (M7)/ Acha que deveria ter vários serviços religiosos (por exemplo, budista, espírita, maometano) lá dentro (M23)/ Deveria ter encontro multidisciplinar, onde religiosos participassem (M22)/ Psiquiatra deve ver o paciente em todos os ângulos (M22)/ Pacientes devem ser abordados do ponto de vista espiritual (M13)/ Ser humano precisa da parte religiosa (M23)/ Se perceber que o paciente é muito religioso, é interessante falar disso com ele, mesmo que ele não tenha falado diretamente (M24)/ Religião ajuda a lidar com a doença (E3)/ Quando o paciente é descrente é mais difícil o tratamento (M7)/ Tentar jogar um pouco de ideias espirituais, ou seja, incentivar uma vivência espiritual no paciente (M24)/ Religião está presente nos delírios, precisa ser ouvida (E11).

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Ideias que circundam esse posicionamento: A favor de medicinas com outras abordagens (M7)/ Fez curso de medicina além do corpo (M7, M24)/ Paciente pode estar com problema espiritual e não melhora com remédio (M24)/ Dá para conciliar espiritualidade e psiquiatria (M24)/ Não existe assunto tabu, se for interessante a gente conversa (M24).

Umas experiências além do corpo [...]. Eu tenho uma visão mais abrangente. [...] Tem uma outra optativa que entrou esse ano, Dr. Sérgio Felipe, que ele faz no consultório dele. Ele leva os estudantes para conhecerem/tratar sobre espiritualidade, como abordar isso para entrevistar os pacientes. (M7).

É necessário fazer um link entre as pesquisas que estão acontecendo que impactam a espiritualidade e saúde das pessoas, para mostrar que isso não é uma questão só e exclusivamente de fé. É uma questão de ciência. [...] Eu acho que, não só o paciente psiquiátrico, todos os pacientes devem ser abordados do ponto de vista espiritual. Abordados de uma maneira científica também [...] Eu acho que deve partir do médico. O médico deve fazer parte, deve colher a história, anamnese espiritual de todo paciente. [...] Os pacientes que estão internados, eu falo sobre questões religiosas com eles. Oro com os pacientes126, se eles acharem conveniente. (M13).

O ser humano tem a vertente dele também espiritual e eu acho extremamente necessário. Todos nós, principalmente o psiquiatra, tem que ver o paciente em todos os ângulos: psicológicos, biológicos, sociais. O credo religioso faz parte. Então, eu acho fundamental. [...] Como eu sou psiquiatra mais da linha existencialista... o existencialismo trabalha com projetos. O que você é e o que você se projeta. E a religião é uma das que ajudam [...] Quando eu falo de religião para os pacientes [é em relação] aos aspectos formativos que toda a religião traz, não dos aspectos só de rituais. Os aspectos formativos eu acho extremamente importante. Eles fazem a gente rever o homem nesse universo de uma maneira até filosófica. Como falta muito hoje filosofia, a religião preenche isso. [...] Vai de médico para médico. Eu, como trabalho aqui formando residentes, os estimulo a terem essas conversas sobre religião. Eu não sei como eles são sucedidos porque nunca me trouxeram um retorno. (M22).

Se o indivíduo é bastante religioso e você percebeu isso na conversa, veio do paciente, não veio de você. Se eu conseguir sacar que o paciente é um pouco religioso é porque ele, de alguma maneira, está me transmitindo isso e aí eu acho interessante falar disso com ele. Mesmo que ele não tenha falado diretamente [...] Eu sou espírita. Então eu acredito em espiritismo, que existem algumas coisas que não são explicadas pela ciência, mas também eu acredito que o indivíduo, por exemplo, possa estar com algum problema talvez espiritual e ele não melhora com remédio. Se o paciente/pessoa melhora com remédio provavelmente é uma doença, sim. (M24).

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Este é o caso mais radical (dentre os bi posiconados, embora se trate de médico de outra especialidade, mas que no momento da entrevista compunha o NEPER) de valorização da religião no tratamento: participação conjunta com o paciente em ritual religioso dentro do próprio tratamento.

3.1.3 “Neutro”/Ambíguo

O que priva o doutor do pão? a) a saúde, b) a morte.

Por isso, para viver, o médico mantémAnos pairando entre ambas127. (Equilíbrio, Eugen Roth).

São 18 (dezoito) psiquiatras e 9 (nove) enfermeiros “neutros”/ambíguos, desse modo conceituados por não se posicionarem declaradamente a favor da abordagem religiosa, mas não se oporem totalmente a ela, sempre fazendo ressalvas. São portadores de um discurso evasivo, o qual faz com que o seu estilo não seja normalmente claro a ponto de serem incluídos em um dos extremos – mono posicionado ou bi posicionado. As características que os justificam nesse posicionamento podem ser apreciadas a seguir:

● É possível abordar a religiosidade desde que respeite as posições de cada um128 ● Depende do momento129

● Religião pode ser uma ferramenta para compreender o doente130 ● Somente se houver demanda131

● Faz parte da cultura132

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Texto original em alemão: Was bringt den Doktor um sein Brot? a) die Gesundheit, b) der Tod. Drum hält der Arzt, auf daß er lebe, Uns zwischen beiden in der Schwebe. (Gleichgewicht, Eugen Roth).

128Ideias que circundam esse posicionamento: Desde que respeite a posição de cada um (M21)/ Ver

o ponto de vista do outro (M3)/ Respeitar (E2, E5, E6, E7, E8)/ Acha que se o profissional se aprofunda no assunto, se entende, ele acaba respeitando mais (E7).

129 Ideias que circundam esse posicionamento: Depende do momento (M3)/ Em casos pontuais,

depende do diagnóstico, da patologia, avaliar, não estimular delírio, se estiver de acordo com a parte clínica (M12, E2, E5, E6, E7, E9, E10)/ Perguntar apenas para investigar, não deve influenciar paciente/ Apenas para aliviar a angústia humana (M20)/ Com pessoas suicidas puxa se esse assunto (M21, M19)/ Tem que ter preparo (E4)/ Tanto positivo quanto negativo (E4).

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Ideias que circundam esse posicionamento: Ver como a informação pode ajudar (M3)/ Ferramenta para compreender o doente (M2)/ Em prol do tratamento (M6, M21)/ Como mais uma ajuda, sem esquecer que o trabalho clínico vem em primeiro lugar (M6)/ Não ser dogmático colocando barreiras à religião (M14)/ Religião, fator protetor para a doença mental (M11)/ Paciente mais confortável com abordagem dupla (M9)/ Paciente com fé lida melhor com a doença (M8)/ Estar aberto, ter flexibilidade (E4)/ Conforto espiritual, ajuda (E4, E5, E10)/ Crença sem ser religião (E5).

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Ideias que circundam esse posicionamento: Se o paciente trouxer a questão (M2, M12, M18, M21)/ Se houver demanda (M26)/ Respeitar (M14)/ Depende da necessidade do paciente (M25)/ Se o paciente aceitar (M19)/ Quando o paciente pede, não impor, não influenciar (E2, E6, E7, E8, E9, E10).

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Ideias que circundam esse posicionamento: Os diversos aspectos da vida do paciente (M14, M18) Paciente precisa de tudo aquilo que ele acredita para melhorar (M21)/ Faz parte de vida comunitária (M4, M11)/ Religião importante não se deve ignorar, mas utilizar como forma terapêutica (M16)/ Evitar

Seguem alguns trechos mais elucidativos do posicionamento desses profissionais:

Eu acho que depende do momento e do caso. Acho que tem momentos que não é legal, que a pessoa tá muito mal, talvez não seja a hora legal, eu como médico, pensando, mas acho que na maioria dos momentos acho que seria muito legal. (M3).

Eu tento não me colocar em uma postura dogmática no sentido de não colocar barreiras. [q] Então eu acho que muito mais é buscar uma atitude mais conciliatória, mesmo [...] acaba que eu me coloco nessa situação: de não crer, mas ao mesmo tempo respeitar e, se existir alguma coisa, espero também ser salvo. (M14).

Eu sou a favor em termos. Eu acho que desde que seja algo para aliviar a angústia humana é evidente que eu sou a favor. Mas eu tenho visto pessoas menos preocupadas com a angústia humana e mais preocupadas com o comércio. (M20).

A religiosidade pode interferir sim. Tanto de forma positiva quanto de forma negativa. Acho que depende do foco, do contexto. (E4).