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PARTE I – CAMINHOS DA PESQUISA, APARATO TEÓRICO METODOLÓGICO,

1.2 APARATO TEÓRICO METODOLÓGICO: A TEORIA SOCIOLÓGICA DE PIERRE

1.2.2 Habitus, capital e campo

1.2.2.1 Habitus

O habitus é a forma de cada agente social tornar compatíveis sentimentos externos e internos, é sempre a relação da probabilidade objetiva e as expectativas40. Trata se de um conjunto de disposições que vão caracterizar uma classe de posição41. Ao investigá lo, mediante regularidades (preferencialmente estatísticas)42, é possível objetivar tais disposições. A conjectura fundamental que se faz presente na obra bourdieusiana é a de que todo tipo de existência possui regularidades, as quais são interiorizadas, incorporadas como disposição. E seria isso que constituiria o habitus.

Para entender o trabalho científico de Bourdieu, a sua construção teórica, para compreender como ele chegou até a questão da disposição, da distinção43, do

39Obviamente, não se tem um capital que valha em todo lugar. 40

Importante para se entender o conceito de habitus em Bourdieu é pensar a ideia de um opus operatum (coisa feita), como pensa Lévi Strauss em contraposição a um modus operandi (jeito de fazer, ação): “A tradição objetivista concebe o mundo social como um universo de regularidades objetivas independentes dos agentes e construídas a partir do ponto de vista do observador imparcial que está fora da ação, que sobrevoa o mundo observado. O etnólogo é alguém que reconstitui uma espécie de partição não escrita, que organiza as ações de agentes que crêem improvisar, cada qual sua melodia, enquanto na realidade [...] eles agem conforme um sistema de regras transcendentes” (BOURDIEU, 1983b, p. 70).

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“A ação tem como princípio um sistema de disposições, que chamo de habitus, que é o produto de toda a experiência biográfica (o que, como não existem duas histórias individuais iguais, faz com que não existam dois habitus idênticos, embora haja classes de experiências e, portanto, classes de habitus – os habitus de classes)” (IBIDEM, p. 60).

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Não é possível conhecer as disposições por intermédio de uma autorreflexão. Esse conhecimento só pode realizar se mediante a objetivação, trazendo à baila as regularidades das condutas. Dessa forma o autor procede na obra A distinção (2008), na qual são realizadas estatísticas bem construídas sobre determinados usos e práticas, o que propicia objetivar as disposições por camada social. Segundo François Bonvin, até então não havia uma sociologia argumentada no recurso da construção estatística que permitisse detectar a objetivação. Bourdieu inova nesse sentido (informação verbal).

43Bourdieu utiliza a distinção num momento histórico em que se discutia a aplicabilidade do conceito

de classe social. Na sua perspectiva, as classes sociais não existem, ao contrário, o que existe é um espaço social, um espaço de diferenças: “A teoria marxista comete um erro [...] ela dá um ‘salto mortal’ da existência na teoria à existência na prática [...]. Não se passa da classe no papel à classe ‘real’, se é que ela existiu alguma vez ‘realmente’, é apenas a classe realizada, isto é, mobilizada, resultado da luta de classificações como luta propriamente simbólica (e política) para impor uma visão

habitus é necessário remontar aos seus trabalhos iniciais44voltados para a questão do mundo rural45, que tem, por exemplo, nas pesquisas sobre a Argélia o destaque da obra Travail et travailleurs en Algerie (Trabalho e trabalhadores na Argélia)46. É aí onde tudo começa47. Nessa obra irá discorrer sobre a crise no mundo camponês48. Ele pesquisará a sociedade Cabila e os efeitos das transformações econômicas e políticas exercidas sobre ela. Mediante tais pesquisas inicialmente as realizadas na Argélia e no Béarn Bourdieu notava um desajuste entre o estado das estruturas

do mundo social” (BOURDIEU, 1996b, p. 25 26, aspas e destaque do autor). Ele tentou mostrar que é a maneira que conta, que distingue. Na obra A distinção (2008) faz uma vasta pesquisa sobre os processos de diferenciação social: “O que comumente chamamos de distinção, uma certa qualidade, mais frequentemente considerada como inata, de porte de maneiras, é de fato diferença, separação, traço distintivo, resumindo, propriedade relacional que só existe em relação a outras propriedades” (IDEM, 1996b, p. 18, destaques do autor). O autor pretendia produzir uma “teoria sociológica das categorias que organizam a percepção do mundo social e que por isso contribuem para produzi lo” (IDEM, 2004a, p. 11).

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Necessário estar atento à genealogia dos conceitos presentes na obra de Bourdieu, por intermédio das suas primeiras pesquisas. O entendimento dos conceitos, do pensamento, do método de Bourdieu passa, necessariamente, pelo estudo das suas pesquisas iniciais. Assim, far se á jus à opinião do autor, que credita a Georges Canguilhem uma contribuição decisiva “para a análise rigorosa dos conceitos científicos e dos obstáculos históricos à sua emergência” (IDEM, 2005, p. 58).

45 Bourdieu irá tratar da crise no mundo camponês em obras como Le déracinement, La crise de

l’agriculture traditionelle em Algérie, Paris: Minuit, 1964; Algérie 60, structures économiques et structures temporelles, Paris: Minuit, 1977; Célibat et condition paysanne. Études Rurales, n.5 6, p. 32 136, avr sept. 1962; Travail et Travailleurs en Algérie, Paris, La Haye, Mouton, 1963. Nessas obras, o autor trata de questões como a crise da agricultura tradicional na Argélia, o encontro da sociedade camponesa argelina tradicional com o espírito do capitalismo. Ele mostra que a crise do campesinato não se relaciona simplesmente com o capitalismo agrário, mas também com outros mecanismos sutis relacionados “com a própria reprodução e, inclusive, com a reprodução biológica dos indivíduos” (BOURDIEU, 2004a, p. 9).

46Inicialmente intitulada Sociologie de l’Algérie. Paris: PUF, 1958 (Coll. Que sais je?, 802), primeiro

livro de Bourdieu, publicado em 1958.

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Segundo Bonvin, na Argélia, Bourdieu realiza um conjunto de pesquisas, para as quais ele precisará de uma noção teórica para relacionar as suas observações. O que ele irá observar nas referidas pesquisas são regularidades e irregularidades, observa um grupo de indivíduos que permanece com a sua disposição no mundo mais ou menos estável ou o contrário. Assim, formula a ideia de ajuste do agente, ajuste das disposições ao contexto, ao social exterior: “Em situações de crise ou de rápida mudança, certos agentes, freqüentemente os que eram justamente os mais bem adaptados ao estado anterior do jogo, têm dificuldade de se ajustar à nova ordem estabelecida [...]. É o caso desses herdeiros de ‘família importante’, por mim observados na região do Béarn, nos anos sessenta, que se condenavam ao celibato e a uma espécie de morte social [...]” (BOURDIEU, 2001, p. 197, aspas do autor).

48 Essa temática do mundo rural será tratada tanto em relação à Argélia quanto em relação à sua

terra natal, o Béarn. Neste realizou uma pesquisa (que resultou na confecção de três artigos, os quais foram retomados em Le bal des célibataires: Crise de la société paysanne en Béarn) a respeito do celibato dos filhos mais velhos. Há um desajuste das disposições e dos habitus corporais que faz com que esses rapazes não sejam escolhidos para se casar: “Ao unificar se em escala nacional [...], o mercado matrimonial havia condenado a uma brusca e brutal desvalorização os que estavam atados ao mercado protegido das antigas trocas matrimoniais controladas pelas famílias, os primogênitos de família importante, bons partidos de repente convertidos em camponeses ruralizados, hucous (homens do mato) repulsivos e selvagens, excluídos de uma vez por todas do direito à reprodução” (IDEM, 2005, p. 92, destaque do autor).

objetivas e as estruturas incorporadas sob a forma do habitus49 dos agentes. Ele faz suas reflexões tomando as regularidades das condutas, das práticas, procurando relacioná las com as estruturas objetivas do mundo no qual vivem essas classes de indivíduos50.

A questão é captar, de um lado, como a exterioridade do mundo social que preexiste ao sujeito torna se interiorizada sob a forma de disposições e, de outro lado, como essas disposições (a subjetividade interiorizada) vão se conservando. Destarte, Bourdieu procura fazer uma sociologia relacional ao pensar o corpo numa relação que muda com a mudança do espaço. E isso seria o habitus51: uma estrutura estruturada pelo tipo de vida, pela experiência, pela história e funcionando, por sua vez, como estrutura estruturante das percepções52. O habitus53, essa estrutura objetiva determinada pelo exterior, apreende tanto os condicionamentos sociais quanto a liberdade no comportamento dos atores. Ou seja, ele irá estruturar as percepções e interpretações do mundo.

49Segundo Pinto, foi graças às pesquisas realizadas na Argélia que Bourdieu pôde "valer se de um

capital teórico em grande parte constituído pela antropologia estrutural, e sabemos o quanto a sua teoria do habitus deve às suas experiências de campo e ao trabalho teórico daí decorrente” (PINTO, 2000, p. 38).

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A noção de habitus, tirada de seu contexto inicial, adquiria alcance universal. Ela tornava se “uma maneira global de examinar os dados mais diversos submetendo os à questão recorrente de saber como e em que limites se verifica o ajustamento entre as estruturas objetivas e as estruturas interiorizadas, incorporadas pelos agentes sob a forma de um senso prático” (IBIDEM, p. 39).

51 O habitus enquanto “estrutura estruturada predisposta a funcionar como estrutura estruturante”

(BOURDIEU, 1972, p. 175) diz respeito não apenas à interiorização das normas, ele concerne também aos sistemas de classificações (logicamente) preexistentes. Há um sistema de classificação, logicamente, anterior à ação. Os habitus, além de serem princípios geradores de práticas distintas e distintivas, eles “são também esquemas classificatórios, princípios de classificação, princípios de visão e de divisão e gostos diferentes” (IDEM, 1996b, p. 22), isso por intermédio do que o autor chama de “categorias sociais de percepção” como, por exemplo: bom/mau, bem/mal, distinto/vulgar (IBIDEM). Especificamente nesse tipo de análise, Bourdieu faz uso das reflexões de Durkheim e Mauss sobre as classificações primitivas (Vide DURKHEIM, E. e MAUSS, M. De quelques formes primitives de classification. In: MAUSS. Marcel. Oeuvres. Paris, P.U.F., 1969. t. II, p. 13 89). Segundo Bourdieu (1996b, p. 115, aspas do autor), “os agentes sociais constroem o mundo social através de estruturas cognitivas (‘formas simbólicas’, como diz Cassirer; formas de classificação, como diz Durkheim; princípios de visão e de divisão; várias maneiras de dizer a mesma coisa em tradições teóricas mais ou menos distanciadas)”.

52 Nas observações realizadas na Argélia, o autor irá atentar para a questão do

ajustamento/desajustamento. No primeiro caso há uma estruturação espacial e temporal, uma vida tradicional com o espaço organizado, um calendário organizado, todas as regularidades sociais, no outro caso a sociedade é alterada (as vilas transformam se em acampamentos, situação esta em que os sujeitos encontram se perdidos, sem estrutura ocupacional, espacial, temporal).

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Segundo François Bonvin (informação verbal), também foi designado por Weber pela noção de Ethos de classe, termo bem antigo no pensamento das condutas humanas. Bourdieu interessa se, na construção do habitus, pelas regularidades. Em Weber, seria a ideia protestante, a previsão calculada em vez da previsão dia a dia. (informações obtidas em minicurso já mencionado).

O corpo está no mundo social, mas o mundo social está no corpo (sob forma de hexis e de eidos). [...] A relação dóxica com o mundo natal é uma relação de pertencimento e de posse na qual o corpo possuído pela história se apropria de maneira imediata das coisas habitadas pela mesma história. É somente quando a herança se apropriou do herdeiro que o herdeiro pode se apropriar da herança. (BOURDIEU, 2001, p. 185).

O autor pensa a hexis corporal54, o habitus corporal, as disposições do corpo como interiorizadas, porém não conscientes. O habitus é uma estrutura prática da qual o indivíduo não tem consciência55, ele opera as condutas, mas não tem consciência disso. Agentes nativos sabem o que estão fazendo sem o saber, ou seja, a prática é cega com relação aos mecanismos que fazem com que se a execute56.

Panofsky lembra que quando alguém tira seu chapéu para cumprimentar, está reproduzindo, sem o saber, o gesto dos cavaleiros da Idade Média, que tiravam seus capacetes para manifestar suas intenções pacíficas. Ao longo do tempo, fazemos o mesmo. Quando a história feita coisa e a história feita corpo se combinam de uma forma perfeita as regras do jogo e o sentido do jogo, como no caso do jogador de futebol, o ator faz exatamente o que ele tem que fazer, ‘a única coisa a fazer’, como se diz, sem nem mesmo precisar saber o que faz. Nem autômato nem calculador racional, ele é um pouco como L’Orion Aveugle se dirigeant vers de soleil levant, do quadro de Poussin, tão caro a Claude Simon [...]. (BOURDIEU, 1983b, p. 60, aspas e destaque do autor).

Os diferentes grupos realizam experiências distintas do mundo. As classes de indivíduos estão expostas a determinações diferentes, em função das quais realizam suas experiências. Estas acontecem, então, em diferentes mundos objetivos de constrangimentos ou de possíveis. Essa é a forma que Bourdieu encontra para escapar à ideia de que o comportamento é uma reação direta a um

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Em Bourdieu (2007, p. 61) há a retomada da noção aristotélica de hexis, a qual fora convertida pela escolástica em habitus. O autor utiliza o conceito de hexis corporal (que no caso seria o jeito de vestir se, de andar, de atravessar o espaço, ou seja, todo o estilo corporal): “Uma maneira de manter e conduzir o corpo” (IDEM, 2001, p. 175). Esse habitus corporal, para mudá lo seria necessário mudar a própria “natureza”, porquanto, ele “consiste naquilo que se vive como mais natural, aquilo sobre o que a ação consciente não tem controle” (IDEM, 2002). Normalmente, o indivíduo é marcado por uma hexis corporal que, antes de tudo, é um signum social (IBIDEM).

55 Segundo François Bonvin (informacão verbal), Bourdieu não usa o termo inconsciente porque

poderia haver uma confusão com o conceito da Psicanálise, utiliza o termo não consciente.

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Entretanto, dizer que a prática é cega não é o mesmo que afirmar que o campo é o equivalente a um jogo de forças cegas (o autor nunca pretendeu dar tal conotação), porquanto “num campo existem reais possibilidades de transformação, mas que são muito diferentes conforme a posição ocupada” (PINTO, 2000, p. 10).

estímulo, às condições exteriores57. Ele procura escapar à perspectiva, de um lado, de que o agente é somente o portador de uma estrutura e, de outro lado, da concepção de um sujeito indeterminado. Daí, o conceito de interiorização da exterioridade e exteriorização da interioridade, dialética construída pelo autor também com a intenção de objetivar a noção de dom, de inteligência diferencial, mostrando que tudo é resultado de exposição a condições diferentes58. Vale lembrar que para o autor relações objetivas são as que não dependem da vontade dos agentes. As relações objetivas a que todos estão expostos serão vivenciadas diferentemente através das disposições de cada um. Nesse sentido, nas palavras de Bourdieu (2001, p. 139 e 140, aspas do autor), “contra o fetichismo platonizante que ronda todo o pensamento escolástico” é necessário “renunciar à mitologia do ‘criador’ incriado” e no seu lugar procurar admitir que “o verdadeiro ‘sujeito’ das obras humanas mais bem sucedidas não é outro senão o campo”; é graças a ele e ao mesmo tempo contra ele que as obras se realizam. Certamente, constata Bourdieu, “a arte nasce do constrangimento”, este executado “pela estrutura objetiva das possibilidades e impossibilidades inscritas num campo ou que, para ser mais preciso, surgem da relação entre um habitus e um campo” (IBIDEM). Aqui o autor faz a movimentação teórica entre os conceitos de habitus e campo, procurando evidenciar a sua estreita ligação.

A experiência prática em relação às possibilidades e às impossibilidades para cada sujeito enquanto classe de indivíduos: aí está a constituição de um sistema de disposição sistemático que Bourdieu denomina de habitus. A experiência prática faz com que o agente identifique se ou não a uma classe. Por intermédio dessa experiência, que é a de identificação ao seu grupo e diferenciação de outro grupo, interioriza se um senso prático, o qual não é intelectualizado, não demanda reflexão, é incorporado. Trata se de um habitus que não se apresentará impositivamente, mas mediante uma identificação que ocorrerá tanto por parte do ingressante no campo em relação aos que lá se encontram como o contrário.

Na realidade, em lugar do habitus tácita ou explicitamente exigido, o novo postulante deve trazer para o jogo um habitus praticamente compatível, ou suficientemente próximo, e acima de tudo maleável e 57

É uma contraposição ao estruturalismo de tipo marxista.

58Mediante essas noções, o autor questiona pressupostos como a ideologia do dom e a autonomia

suscetível de ser convertido em habitus ajustado, em suma congruente e dócil, ou seja, aberto à possibilidade de uma reestruturação. É a razão pela qual as operações de cooptação prestam atenção aos sinais de competência e ainda mais aos indícios quase imperceptíveis, quase sempre corporais, postura, compostura, maneiras, disposições de ser e sobretudo de vir a ser. [...] (BOURDIEU, 2001, p.120).

O sentido prático enquanto disposição sistemática (Bourdieu construiu essa sistematicidade contra uma suposta liberdade, fantasia do ator) como forma de avaliar o possível ou o impossível para atuar no mundo social. Segundo François Bonvin (informação verbal), o pensamento de Bourdieu leva a acreditar que não há uma reflexividade, o que não é verdade. Ao seguir a linha de pensamento da fenomenologia de Merleau Ponty, ele contrapõe se à concepção que percebe o espírito humano como algo feito, como uma estrutura eternal. Ao divergir de tal perspectiva, ele procura, a seu modo, historicizar o espírito humano, com o intuito de fazer notar que existe um agente que é indissociavelmente corpo agindo e inteligência, sensibilidade59. Merleau Ponty (1990, p. 100) faz referência ao jogo. Ele trabalha sobre o sentido do jogo, o qual está relacionado ao fato de não ser necessário ao jogador de futebol pensar para jogar, pois a ciência do jogo dele está no corpo, é incorporada e completamente prática. Obviamente que há de haver um tanto de mobilização de estratégias pensadas conscientemente, reflexivamente, mas o essencial do jogo dele é o corpo que pensa de um jeito prático na instantaneidade. Ou seja, o sentido do jogo é não consciente.60.

O campo de futebol não é para o jogador em ação um ‘objeto’ [...]. O campo não lhe é dado, mas se apresenta como o termo imanente às suas intenções práticas; o jogador forma com ele um todo e sente, por exemplo, a direção do ‘gol’ tão imediatamente quanto a vertical e a horizontal de seu corpo. (MERLEAU PONTY, 1990 apud PINTO, 2000, p. 44, aspas do autor).

Bourdieu retoma essa ideia de Merleau Ponty. Isso foi muito importante para a construção do sentido prático, do que é na ação essa inteligência que vem da história do indivíduo, da sua experiência que é incorporada. Para Bourdieu, não se trata apenas de categorias de pensamento. Sob a forma de habitus, é a

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Autores como Canguilhem, Bachelard são a genealogia do tipo de ciência social empreendida por Bourdieu. Nessa linhagem de pensamento, a ideia motriz é a de que não se pode pensar o espírito separado do corpo.

interiorização das possibilidades objetivas nesse mundo. E o indivíduo tem esse sentido do jogo: ele pertence a um espaço, já interiorizou completamente as possibilidades que são suas nesse espaço social. Na sociologia bourdieusiana, a compreensão das disposições, do habitus de cada um (as maneiras de ser e agir no mundo) só pode ser avaliada mediante a percepção junto ao grupo; ou seja, ao indivíduo só é possível enxergar se por intermédio das objetivações dos outros. Pode se dizer que ocorre, assim, uma identificação pelos outros61. O que o autor empenha fazer é uma sociologia relacional.

O autor, por vezes, é acusado de elaborar um tipo de automatismo a ação do habitus (que é toda a história incorporada) assemelhar se ia a automatismo , mas, ao contrário, é possível perceber que há espaço para a reflexividade nos seus conceitos e na sua teoria. Senso prático, habitus, disposição estão indissociavelmente no corpo do sujeito, na parte consciente (a estratégia usada pelo agente, por exemplo, seria um “cálculo” mais consciente) e na parte não consciente62.

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Nessa direção, é preciso lembrar que o conceito de campo é muito importante no processo de objetivação objetivar o mundo social (campo); objetivar o sujeito da objetivação (uma postura reflexiva no jogo, no sentido de não achar que o observador sabe mais que o observado). Ou seja, de um lado, o mundo social precisa ser objetivado e, de outro lado, é necessário objetivar o sujeito da objetivação, refletir sobre sua própria prática, pois não se está fora do jogo em Homo Academicus (1984), livro dedicado ao campo universitário, o autor trata da necessária objetivação daqueles que objetivam. A reflexividade seria, destarte, insistir na objetivação do sujeito da objetivação, visto que o sujeito não plana no mundo social, ao contrário, ele está observando o mundo a partir de uma determinada posição: “Se o sociólogo tem algum privilégio, não é o de ficar pairando acima daqueles aos quais ele classifica, mas de se saber classificado e de saber mais ou menos onde se situa nas classificações” (BOURDIEU, 1983b, p. 58). Nesse sentido, segundo Pinto (2000, p. 32), Bourdieu e Foucault aproximam se na medida em que defendem uma relação crítica ou reflexiva com o saber: “Se há uma postura que ambos rejeitam é a do cientista como dono de uma autoridade inconteste; eles compartilham, até certo ponto, a idéia de que o progresso da racionalidade é indissociável de