• Nenhum resultado encontrado

PARTE II CAMPO PSIQUIÁTRICO E CAMPO RELIGIOSO: MORFOLOGIAS

3.2 INSTITUTO DE PSIQUIATRIA (IPQ): A CONSTITUIÇÃO ATUAL

3.2.3 Estudos em saúde e espiritualidade

3.2.3.1 NEPER/ProSER

●Histórico e posicionamento

O NEPER foi fundado tomando como base a nova classe do DSM IV163 (Diagnostic and Statical Manual of Mental Disorders) e levando em consideração a grande diversidade religiosa do Brasil associada à falta de reflexão quanto a essa

163

Segundo Almeida et al. (2000, aspas do autor), a Associação Psiquiátrica Americana deu um passo importante ao inserir no DSM IV a categoria diagnóstica “Problemas Espirituais e Religiosos”, a qual “foi incluída no eixo I, no item ‘Outras condições que podem ser um foco de atenção clínica’”.

questão por parte da medicina (ALMEIDA et al., 2000). O objetivo desse núcleo é voltar se para as questões religiosas e espirituais a partir de um enfoque científico da moderna psiquiatria, desvinculado de qualquer corrente filosófica ou religiosa. Outra proposta importante de seus integrantes é fazer com que o NEPER auxilie na sensibilização da psiquiatria no que diz respeito à produção e difusão de conhecimento relacionado aos problemas espirituais e religiosos (IBIDEM)164. Os médicos que estão atentos à importância da variável religiosa no tratamento da doença chamam a atenção dos especialistas de sua área para as seguintes questões:

● A religião, uma variável que influencia a saúde mental, está sendo negligenciada pela psiquiatria nos seus estudos e programas de tratamento e prevenção.

● É necessário que o psiquiatra esteja familiarizado com a literatura sobre religião e conheça a religiosidade de sua clientela, para saber como utilizá la clinicamente. (LOTUFO NETO, 1997, p. 257).

Os especialistas do NEPER que investem no sentido do diálogo entre psiquiatria e religião têm como intenção defender a importância de uma atuação mais sensível por parte da psiquiatria, pois, segundo acreditam, as variáveis religiosa e espiritual fazem parte dos fatores essenciais na organização da experiência humana, das crenças, dos valores, dos padrões de comportamento e de doença (ALMEIDA et al, 2000). Por conta de tal fato, eles defendem uma postura mais adequada em relação aos pacientes e a suas respectivas crenças, no sentido de maior atenção e respeito aos credos que orientam suas vidas. Dessa forma, e somente assim, os médicos poderão utilizar verdadeiramente seus conhecimentos terapêuticos para ajudá los a levar uma vida religiosa plena (LOTUFO NETO, 1997). Esse é um posicionamento específico dos psiquiatras que consideram importante a religião para a vida dos pacientes e que por isso se debruçam sobre essa questão, seja no sentido de aglutinar adeptos, seja no sentido de produzir pesquisas que fortaleçam essa perspectiva.

Esses médicos adeptos de uma sensibilização para as questões religiosas afirmam, entretanto, que normalmente o que se percebe na prática médica, de um

164

Segundo acreditam esses médicos, dar atenção à questão da espitritualidade e pesquisar sobre ela é importante para evitar erros de diagnóstico, pois é possível confundir se a espiritualidade do doente com a doença mental. Segundo esse ponto de vista, existem problemas espirituais e religiosos que, entretanto, não são problemas mentais.

modo geral, é uma tendência à não valorização das dimensões religiosa e espiritual da vida, tendo em vista que as tendências positivistas da psiquiatria rechaçam qualquer tipo de subjetivismo (LOTUFO NETO, 1997, p. 28). Na verdade, a medicina de um modo geral se constitui enquanto ciência objetiva “pela libertação e pela autonomização do biomédico” (LAPLANTINE, 2004, p. 225) à custa de uma ruptura com o social, particularmente o rompimento com um aspecto do social que é o religioso (IBIDEM). Obviamente que, se a ciência médica contemporânea progride dando continuidade a essa atitude (sob a forma de rechaço dos aspectos mágico religiosos enquanto variável importante na vida do paciente), é “ao preço de uma descontextualização cultural da doença e de uma ocultação da ligação do doente com sua sociedade” (IBIDEM). Ou seja, tomar como condição para a autonomia da medicina o repúdio do aspecto social é dar um passo em direção à fragmentação do ser humano doente.

Nessa perspectiva, por serem, de um modo geral, menos religiosos, os psiquiatras acabam não dando importância ao significado que a religião pode ter na vida dos pacientes. Quando esses profissionais veem alguma importância na religião é para explorá la no seu aspecto negativo, ou seja, “não há treinamento para que os profissionais de saúde mental aprendam a lidar com variáveis religiosas (IBIDEM, p. 186). Esse é o posicionamento particular de alguns psiquiatras que consideram o aspecto religioso relevante. Todavia, é necessário ainda levar em conta o posicionamento dos médicos de um modo geral, para que assim seja possível comparar os diferentes pontos de vista.

Os ministros religiosos do HCFMUSP evidenciam como a questão da presença religiosa no hospital é tratada atualmente. Acreditam que exista um conflito sim, já que pessoas ocupantes de nível de comando veem a sua presença como irrelevante, desnecessária e consideram um absurdo despender recursos para mantê los ali (AR3). Nesse descaso, estão presentes relações de poder entre campos de atuação distintos que não abrem mão de sua independência e autonomia. O fato é que, atualmente, está nas mãos da medicina o controle do saber erudito de curar (OLIVEIRA, 1985, p. 80) e, por conta desse monopólio, ela tem o poder de desqualificar aquilo que não consiga explicar (IBIDEM).

Entretanto, apesar da propalada indiferença dos médicos em relação a aspectos religiosos do paciente, o IPQ apresenta se de um modo um pouco distinto,

na medida em que esforça se por estabelecer aproximações e diálogos. Isso se deve à existência daqueles profissionais que dentro do ambiente hospitalar da psiquiatria fazem a ponte entre as partes165: “[...] há pessoas (no IPQ) que são intensamente religiosas, intensamente pessoas de fé, pessoas que sabem exatamente o propósito da nossa presença aqui dentro, a função nossa aqui dentro, valorizam a nossa presença como ela tem que ser valorizada” (AR3). Em estudo feito recentemente, Puttini (2004) discorre sobre o que ele chama de “agente híbrido”, ou seja, o sujeito que faz a ponte entre medicina e religião dentro do hospital. É necessário lembrar, entretanto, que também foi decisivo o apoio por parte da diretoria do IPQ, o apoio dos titulares que aparecem, por sua vez, como intercessores nesse processo.

A gente teve, realmente, sempre, um grande apoio da direção do Instituto de Psiquiatria, dos titulares que nunca criaram problemas para o grupo e atualmente estão abrindo cada vez mais espaço: desde a revista de Psiquiatria Clínica sobre o tema, a primeira revista em língua portuguesa, médica, só sobre esse tema; a disciplina na pós graduação de metodologia de pesquisa em espiritualidade e saúde. (M1).

Se, de um lado, é denunciada e criticada a subestimação da religião por alguns profissionais da área médica, por outro lado, existe atualmente uma relação de aproximação (não menos evidente) que pode ser visualizada por meio da tentativa de colocar em diálogo religião e psiquiatria no IPQ do HCFMUSP. Ou seja, se, por um lado, uma parcela de profissionais – veneradores que são do campo científico – procura manter “a ilusão de uma ruptura entre a doença e o social” (LAPLANTINE, 2004, p. 225); por outro lado, existem aqueles que veem na religião, enquanto pensamento totalizante, a possibilidade de “tomar consciência daquilo que nos é oculto pelo pensamento científico: [...] a relação com o social” (IBIDEM). Nessa perspectiva, a religião representaria o elo de contato com o social mais amplo.

A ideia inicial do NEPER era trazer pesquisadores da área e aprofundar a discussão sobre a temática saúde/espiritualidade – “a gente fechou para

165

Papel desempenhado claramente pelos psiquiatras bi posicionados, de um lado, e não tão abertamente pelos neutros/ambíguos, de outro lado. Estes últimos representam a maleabilidade na atuação dos psiquiatras: nem tanto o rigor do mono posicionado, nem tanto a religiosidade como bandeira, no caso dos bi posicionados.

pesquisadores que estão, realmente, fazendo mestrado, doutorado ou que já fizeram ou que têm interesse nessa área, esse foi o foco” (M1) – e a partir daí, a intenção passou a ser, então, a de se formar multiplicadores/formadores nessa área (M1). Posteriormente, com o intuito de ampliar os objetivos deste núcleo de pesquisa houve a mudança do nome NEPER para ProSER166. Tal alteração deveu se, entre outras coisas, à necessidade de incluir a denominação “programa” em todos os grupos de pesquisa existentes no Instituto. A partir daí a coordenação do NEPER abriu a possibilidade de que os integrantes pensassem um nome, este deveria refletir as reais intenções do grupo que era a busca pela interface entre saúde, espiritualidade e religiosidade. A decisão final foi ProSER (Programa de Saúde, Espiritualidade e Religiosidade). Mediante esse novo nome, as intenções deveriam extrapolar àquelas do NEPER que se restringiam apenas à pesquisa. Os objetivos, a partir de então, iriam também ao encontro do ensino e da assistência aos grupos religiosos que atuam no IPQ.

Além de ser um grupo de estudo e fomento de pesquisa, a gente tem ideia também de criar cursos. Já existe um curso, inclusive, que está sendo feito, que é um curso de espiritualidade na psicoterapia e de prestar assistência também. Assistência essa que ainda não está em curso, mas existe a ideia de desenvolver nesse programa167 assistência também. Então, aí, nós teríamos o tripé: pesquisa, ensino e assistência. Então, a mudança do nome tem a ver com isso. Tem a ver com essa necessidade do Instituto e tem a ver com essa ideia de ampliação da dimensão do grupo. (M27).

O ProSER168é aberto à participação desde que se faça o contato inicial com a coordenação. No entanto, o fato de frequentar as reuniões não garante o pertencimento ao grupo ou ao Instituto como pesquisador. Existem os trâmites

166O desligamento por falta de disponibilidadede pessoas que encabeçavam o NEPER e a falta

de substitutos para a função fizeram com que o grupo ficasse por volta de três anos sem atividades, mantendo, entretanto, durante esse período “alguns esboços de tentativas de retomar. [...] Havia uma comunicação muito superficial e uma tentativa de querer organizar, mas não aconteceu nada a não ser uma ou outra reunião com ideias de retomar”. (M27). Não houve dificuldades na retomada– que começou, de fato, em início de 2008–, pois o referido grupo já tinha espaço garantido, contando com o apoio de alguns profissionais do Instituto anteriormente envolvidos no projeto.

167Importante frisar que esse programa de assistência encabeçado pelo ProSER encontra se em fase

de elaboração e quase implementação. As informações obtidas até o momento da finalização deste trabalho dizem respeito apenas aos encaminhamentos realizados para o desenvolvimento do programa.

168Consultar no Apêndice desta tese o quadro com a descrição dos temas abordados nas reuniões

burocráticos que devem ser respeitados169: para compor o quadro de pesquisadores não é necessário estar vinculado à pós graduação com um projeto de mestrado ou doutorado; porém, exige se que o projeto do interessado tenha passado pelo crivo do departamento de Psiquiatria. Para ser encaminhado ao departamento via ProSER, o responsável deste programa deve estar de acordo com o projeto. Depois de avaliado no departamento, o projeto precisa ser aprovado pela Comissão de Ética da faculdade. Após passar por todo esse processo é que se pode ser considerado pesquisador. Esse é o procedimento para todos os grupos de pesquisa do IPQ.

O objetivo da assistência proporcionada pelo ProSER é no sentido de acompanhar as atividades de assistência espiritual, criando para isso programas170. Inicialmente seria algo como um capelanato, o qual não necessariamente está vinculado a uma religião: “Inclusive deve ser uma pessoa de mente aberta que propicie que diversas denominações religiosas ou diversas necessidades espirituais dos pacientes sejam acolhidas” (M27). A perspectiva aqui é de acolhimento de demandas as mais diversas no âmbito do universo da religiosidade/espiritualidade.

O ProSER não vai fazer assistência espiritual. Na realidade a ideia é que a assistência espiritual seja feita pelos agentes religiosos: pastores, padres, espíritas, budistas, quem quer que seja sob a coordenação do ProSER, acompanhando/participando dessa atividade. [Este acompanhamento dar se ia] criando programas. Na realidade, o PROSER pretende, na assistência, criar programas onde as necessidades religiosas dos pacientes possam ser acolhidas. Vamos supor que o paciente tenha necessidade de receber a visita de um agente religioso da religião a que ele pertence e tudo, que existam programas que permitam/organizem esse tipo de coisa. No início seria uma espécie de capelanato. O capelão é um sujeito que faz isso, é responsável. Nos EUA, por exemplo, são contratados funcionários para esse fim. (M27).

169

Segundo M27, em reposta à indagação da pesquisadora quanto a alguns desentendimentos, entre membros, na retomada do NEPER: “Tinham algumas pessoas que acharam que podiam fazer algumas coisas independentes no grupo e isso gerou, talvez, esses conflitos aí [que você está mencionando]” (M27).

170 Interessante notar que a ideia de criação de um programa de assistência religiosa, ainda que

tenha a intenção de se estender a todo o complexo do HCFMUSP, eclodiu do Instituto de Psiquiatria e não de outros Institutos/faculdades: “Eu acho que o ProSER é uma semente que pretende produzir bons frutos. Então, inicialmente, a gente vai estar meio focado aqui no IPQ, no complexo HC, mas à medida que esses programas forem implementados, testados e desenvolvidos, eles podem ser expandidos para outras instituições. Esse é o objetivo” (M27). Ou seja, o IPQ – assim como o grupo de psiquiatras bi posicionados é visto no seu interior – promove uma atitude inovadora no complexo do HCFMUSP. Desse modo, a inflexão deve ser vista não somente no interior do Instituto de Psiquiatria, mas no interior do hospital como um todo.

A princípio a ideia é fazer um mapeamento das necessidades espirituais dos pacientes para então criar programas que facilitem a ação dos religiosos. Com relação aos profissionais de saúde, a intenção é treiná los para que possam diagnosticar tais necessidades e acolhê las. A expectativa não é que esse profissional de saúde conceda assistência espiritual, mas sim que ele “seja um acolhedor” da necessidade religiosa do paciente, no sentido de valorizá la e saber dar um encaminhamento para que essa necessidade seja atingida/atendida de algum modo (M27).

O profissional de saúde pode dar iniciativa no sentido de perguntar sobre a espiritualidade do paciente, mas para isso ele deve ser treinado (M27) – “nos EUA, por exemplo, eles dão treinamento para o médico já na faculdade de como perguntar para o paciente, por exemplo, se ele tem alguma crença religiosa” (M27). Esse treinamento poderá ajudar no sentido de “criar conforto” num diálogo que venha a se estabelecer entre o profissional de saúde e o paciente, os quais podem sentir se constrangidos.

Na verdade, existem o preconceito e o desconforto, este gerado pelo primeiro. Os dois por falta de treinamento. Ou, ainda que não haja preconceito, o profissional não possui conhecimento de como lidar com uma situação que envolva religião/religiosidade. Aí reside a importância do treinamento: preparar para trabalhar com esse tipo de questão sem transformá la “em motivo de angústia/ansiedade/problema durante o relacionamento” (M27). O argumento utilizado por alguns psiquiatras de que fazer um levantamento das necessidades espirituais do paciente seria uma sobrecarga a mais é colocado em discussão pelos que acham que quando há o treinamento para fazer uma condução suave dessas necessidades elas não irão sobrecarregar (M27).

A grande questão é ter uma equipe de profissionais que seja capaz de realizar esse trabalho e para que isso ocorra é imprescindível, acredita se, que haja o treinamento adequado: “Na hora que você tem uma equipe de saúde treinada para reconhecer as necessidades/acolhê las e saber encaminhá las eu acho que grande parte do problema está atendida” (M27). Deve haver treinamento dos dois lados, tanto dos agentes de saúde quanto dos religiosos. Estes últimos recebem treinamento para atuar no complexo do HC e são chamados de leigos e, conforme acredita M27, são treinados pelo CARE. Eles recebem treinamento e orientações de

“como devem se comportar, quais são os limites de atuação deles, não buscar confrontação/substituição, estimular o paciente a não seguir um procedimento em função de uma crença e tudo, mas fazer uma coisa de associação” (M27). Num primeiro momento, a ideia é fazer um apanhado das necessidades religiosas dos pacientes e ajudar no sentido da criação de programas para atender essas necessidades. Se, porventura, perceber se a necessidade, no momento de desenhar estes programas, de treinar o agente religioso, os psiquiatras poderão então participar nesse sentido.

O fato de não haver um programa “mais organizado” (M27)171 de atendimento religioso no sentido de que “a coisa é feita de uma forma ainda muito solta” (M27) faz com que até mesmo o trabalho religioso (de padres, pastores) já existente no hospital seja comprometido, sendo “mal interpretado pelo paciente”172 (M27). A presença do padre associada à morte iminente (e à extrema unção) é resultado da falta de um programa voltado para isso. Semelhante questão é constatada por M27, que já ouviu relatos nesse sentido: “Um dos padres já mencionou em uma apresentação que ele chega lá e o paciente fala: ‘Não, doutor, mas eu vou morrer? Não preciso de padre’”. Quando não se tem um programa que organize o atendimento, corre se o risco de más interpretações e até mesmo da interrupção de trabalhos anteriormente iniciados: “O coral não tem ocorrido, foi suspenso porque falta um programa que organize/direcione. Então fica muito da iniciativa de certas pessoas e esta iniciativa, desde que não é sustentada por um programa, ela ocorre, às vezes e às vezes não ocorre” (M27). Além do mais, complica até mesmo a entrada dos agentes religiosos visto que, sem um programa por trás, a autorização para ter acesso ao espaço é dificultada: “Se você tem um programa, essa autorização vai estar implícita no programa” (M27). Até mesmo os padres e pastores dependem de autorização. Isso porque existe uma complexidade maior do IPQ em relação às demais especialidades do HCFMUSP, pois lá “existem

171 Segundo M27, o programa de atendimento é pensado nos moldes de uma abertura para os

diferentes tipos de religiosidades. Normalmente cada hospital, dependendo da sua característica ou disponibilidade, oferece determinado tipo de atendimento. Existem até mesmo hospitais que concebem um espaço para meditação e oração com música ambiente.

172Como apontado em outra parte desta tese, onde é feita a abordagem sobre a capelania religiosa

os delírios místicos” (M27) com os quais deve haver cautela, visto que uma prática religiosa pode alimentá los (M27)173.

Tem havido tentativas incipientes no sentido da criação de programas relacionando saúde e espiritualidade em outras partes do Brasil174 (na direção de começar a estudar o assunto, fazer pesquisa para levantar dados capazes de sustentar ações que tenham evidências de eficácia na relação de saúde). No fundo, acredita se que “sempre teve gente buscando essa interface. É que às vezes essa situação foi vivida com muito conflito” (M27). Ao contrário de outros tempos, onde a atuação não era oficializada, hoje se tem o espaço garantido para isso, uma abertura maior para falar sobre a questão. No próprio IPQ houve épocas em que tratar desse assunto não era permitido. Atualmente a situação se reverteu e “não só é permitido como o Instituto acolheu o grupo, incentivou até a formação do grupo e tudo. Isso é uma mudança. Mudança paradigmática, eu diria” (M27). Realmente a curvatura realizada no modelo psiquiátrico se sobressai pela sua ousadia, por não se intimidar com as possíveis dificuldades no que diz respeito à mudança de regras há muito estabelecidas.

O ProSER não está vinculado diretamente a alguma religião, ainda que se possa perceber uma participação representativa de espíritas – o que talvez se explique pelo fato de o “espiritismo valorizar muito essa associação/interface [entre ciência e religião]” (M27). Há abertura para qualquer pessoa que queira fazer parte independente da sua religiosidade, bem como independente da sua especialidade de agente de saúde (médico, enfermeiro, dentista, psicólogo, etc), pois a ideia é ser um grupo multidisciplinar. Segundo M27, há uma proporção grande de pessoas no grupo que não segue nenhuma religião, elas “são interessadas não no aspecto

173

Pode se notar que, por vezes, até os psiquiatras bi posicionados fazem alusão à possibilidade do delírio místico por parte do paciente (a questão do delírio místico/religioso será abordada detalhadamente no capítulo 5). Ainda que seja um revolucionário no que tange a questão de perceber o paciente inserido na sua cultura, o psiquiatra bi posicionado não se aparta das características básicas defendidas pelos seus pares; ou seja, por mais que efetue um rompimento radical com a postura médica oficial, “ele sabe que não pode, não importa o que pense ou faça, deixar de agir e pensar em termos de medicina. Cada palavra que ele pronuncia é, quer ele queira ou não, uma palavra de médico” (DUHAMEL, 1946 apud LAPLANTINE, 2004). Em outros termos, o médico está marcado pelo fervor (religioso) à medicina, o que acaba por mostrar que assim como o empreendimento eclesiástico, o empreendimento médico é indelével (IBIDEM).

174 Além do NEPER/ProSER, outros grupos em universidades desenvolvem pesquisas na área de

saúde e espiritualidade: Laboratório sobre Saúde, Espiritualidade e Religiosidade (LASER) da UNICAMP, Liga Acadêmica de Saúde e Espiritualidade (LIASE) da Universidade Federal de Goiás;