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6 ANÁLISE DE DADOS: O ETHOS NOS BLOGS

B) Limparei minha casinha ou apartamentinho ou kitinet, como você quiser e ninguém vai sujar e desvalorizar meus serviços; já que eu tenho

6.2.3 O Blog do Matheus

A imagem a seguir reflete a capa do blog do Matheus. O endereço do site revela o nome do blog, “Matheusideas”, mostrando, logo de cara, o objetivo central do mesmo: expor algumas idéias de Matheus, um jovem universitário, de 19 anos, que gosta de compartilhar idéias com amigos.

Figura 12: Capa do blog do Matheus

A capa do blog chama a atenção pois apresenta, sobre um fundo preto, a imagem de dois jovens; um deles (o rapaz) tem um pincel na mão, com o qual escreve, com letras brancas sobre o fundo preto, a frase, em inglês, Don’t forget your dreams (‘Não desista dos seus sonhos’). A imagem aí postada é uma alusão ao movimento da grafitagem, comum nas grandes metrópoles brasileiras, no qual jovens, reunidos em grupos, vão às ruas para desenhar, nos muros de praças, casas abandonadas, a fim de expressarem suas idéias sobre a vida, o Brasil, a política etc.

O movimento da grafitagem sempre foi utilizado pelos jovens como um veículo de expressão de idéias, muitas vezes proibidas em determinadas conjunturas políticas e sociais. Vista por alguns como uma arte e por outros como expressão de vandalismo, a grafitagem constitui-se como um movimento forte nas grandes cidades brasileiras, é uma forma do sujeito fazer parte de uma sociedade que pretende excluí-lo.

Metaforicamente, a capa do blog mostra o objetivo de o mesmo divulgar as idéias do escrevente, idéias essas que precisam de um espaço próprio de enunciação, que, nesse caso, é o blog do Matheus.

O primeiro post do escrevente mostra-se como um bom exemplo de constituição do

ethos dito. Nele, Matheus preocupa-se em estabelecer um diálogo com os co-enunciadores,

revelando ser uma pessoa “inconstante” e “volúvel”, que inicia projetos, mas não consegue concluí-los.

Veja-se, então, o primeiro post do blog do Matheus, colocado a seguir:

Exemplo 24: Post de 07 de setembro de 2007 Sorry! 01 05 10 15

Mais uma de Matheus mesmo. Aquele que sempre começaalgo, e no ínicio

se demonstra interessado e convicto comsuas vontades, mas o tempo passa

e logo começa a apresentar desinteresse e pouco a pouco abandona, seja

qual for a atividade que tenha começado. Muito prazer, esse sou eu.

Isto logo fica perceptivo a todos os que acompanharam meu Blog, nesses

dois ultimos meses. Postagens quase diárias, sempre em busca de novos

leitores, sempre procurando escrever algo sobre minha vida mas que

pudessem realmente reflitir com aquele que viesse a ler.Em algun tempo,

adquiri alguns leitores, digamos até que fiéis, talvéz por amizade, e nem

tanto pelo conteúdo, mas afinal eram leitores. Leitores esses que com

certeza devem estardecepcionadissimos comigo. Peço então a esses todos

quefaziam suas visitas a esse Blog, as minhas mais sincerasdesculpas, por

não ter apresentado nada novo durante um bom tempo. E aqueles que

conhecerem agora o Don'tForget Your Dream's, que marquem esse Blog e

sempreesperem por alguma coisa nova aqui. E tanto aos novosquanto aos

antigos amigos que me deêm um novo voto deconfiança.

Obrigado! Matheus Leal

No exemplo 24, fica clara a presença do ethos dito. Já no primeiro parágrafo, Matheus apresenta-se como: “Aquele que sempre começa algo, e no ínicio se demonstra interessado e convicto com suas vontades, mas o tempo passa e logo começa a apresentar desinteresse e

pouco a pouco abandona, seja qual for a atividade que tenha começado.” Nesse caso, ele

atribui, para si mesmo, uma imagem negativa, isto é, a de alguém que não consegue concluir os projetos que inicia. Conforme revela o título do post, Sorry, o escrevente busca fazer essa apresentação de si, a fim de se desculpar com os seus co-enunciadores, com os leitores do seu

blog, pelo fato de que levou muito tempo sem postar idéias novas ou textos interessantes.

É no segundo parágrafo do post que Matheus esclarece o seu objetivo, ao criar um

blog: conseguir a adesão de novos leitores, através do texto escrito por ele. De antemão, fica

clara a existência de um estereótipo inicial, já evidenciado no post do blog de Matheus – que guiará o comportamento do escrevente –, o estereótipo do escritor. Retomando um trecho do

exemplo anterior (linhas 11 e 12), objetiva-se perceber a preocupação de Matheus em criar uma imagem de si próxima ao mundo ético dos escritores, como se observa a seguir: “[...] sempre em busca de novos leitores, sempre procurando escrever algo sobre minha vida mas que pudessem realmente reflitir com aquele que viesse a ler. Em algun tempo, adquiri alguns leitores, digamos até que fiéis, talvéz por amizade, e nem tanto pelo conteúdo, mas afinal eram leitores.”

Ser escritor pressupõe algumas características pessoais, com as quais Matheus se sente preocupado: ser um escritor, na acepção tradicional, significa saber se expressar muito bem através das palavras, ser criativo e capaz de prender a atenção dos leitores, elaborar um texto coeso e coerente, utilizar uma linguagem mais próxima do padrão formal etc.

No processo enunciativo, o escrevente deixa claro que se preocupa com algumas dessas questões: pretende fazer um texto criativo, diferente e interessante. Porém, outras características, também muito importantes, parecem não ser alvo da preocupação do escrevente, como a correção gramatical, os aspectos formais da língua, visto que, nos posts do mesmo, essas questões não aparecem de forma relevante. As palavras destacadas em negrito, no trecho acima, revelam a despreocupação do escrevente com relação a essa questão. Sendo assim, “reflitir” e “algun” fogem da regra culta. Nesse caso, o ethos produzido poderá ser visto pelos co-enunciadores como diferente do ethos visado (desejado), uma vez que o estereótipo do escritor exige uma maior preocupação com os aspectos formais da língua, coisa que não está presente no blog do Matheus.

Como já foi dito, Maingueneau (2006) diferencia o ethos visado do ethos efetivamente produzido, diferenciação que é evidenciada neste caso, uma vez que o Matheus pretende criar a imagem de um escritor, mas termina criando uma imagem de alguém descuidado com a linguagem, ferindo o estereótipo relacionado ao escritor.

Apesar de não revelar, claramente, a sua vontade de ser um escritor, talvez um jornalista ou colunista, o escrevente mostra-se muito interessado e preocupado em conquistar leitores e em fazer do seu blog uma espécie de espaço enunciativo, no qual se colocam as idéias do Matheus.

Exemplo 25:

Postado em 13 de agosto de 2007

01 (...) Desculpe se já não escrevo como antes, não que fosse um escritor, mas tinha em minha mente mais criatividade que a que tenho agora. =)

No post do exemplo 25, o escrevente finaliza o texto postado com a seguinte mensagem: “Desculpe se já não escrevo como antes, não que fosse um escritor, mas tinha em minha mente mais criatividade que a que tenho agora. =).” Nesse trecho, ele mostra-se preocupado com a qualidade dos textos que escreve no blog, porém não indica isso de forma direta, constituindo, assim, o ethos mostrado. Apesar de fazer uma ressalva, “[...] não que fosse um escritor [...]”, Matheus demonstra a preocupação de escrever textos criativos e que agradem os seus co-enunciadores.

Então, pode-se dizer que ele busca atender às expectativas de um auditório particular que, nesse caso, se constitui como o conjunto de leitores de seus textos, pensamentos e idéias. Preocupa-se com a opinião dos mesmos e com a reação desses ao lerem seus textos. Isso fica claro no trecho do exemplo 24 (linhas 15 a 18): “Leitores esses que com certeza devem estar decepcionadissimos comigo. Peço então a esses todos que faziam suas visitas a esse Blog, as minhas mais sinceras desculpas, por não ter apresentado nada novo durante um bom tempo.”

No blog do Matheus, há outra passagem que mostra, claramente, o ethos dito do escrevente. No post do dia 31 de julho de 2007, o escrevente se considera “preguiçoso”, o que, mais uma vez, reflete a preocupação dele com a sua auto-imagem, perante os leitores de seu blog. Desse modo, como passou muito tempo sem postar e visitar o mesmo, ele se apresenta como preguiçoso diante dos seus leitores. O trecho deste post está transcrito a seguir:

Exemplo 26:

Post de 31 de julho de 2007 Thank's again

01 E o preguiçoso veio a postar aqui. O que será que tem acontecido com minhas idéias, será que algum alienigena, Veio a roubar minha criatividade, não sei, mas com Certeza, se eu levasse a sério, quando meus amigos 05 Diziam, que eu poderia ser colunista, a essa hora, já estaria

no olho da rua, certamente.

O blog do Matheus pressupõe a figura de um fiador criativo, que se utiliza de um tom, muitas vezes irônico e crítico para enunciar-se. O escrevente ironiza a si mesmo, a sua incapacidade de concluir os projetos já iniciados, a sua falta de criatividade na postagem dos textos etc.

Retoma-se, agora, o post de 13 de agosto de 2007. Nele, o escrevente coloca um texto que tem um caráter quase filosófico, pois reflete sobre o tempo, a vida e as escolhas.

Exemplo 27: Post de 13 de agosto de 2007 Tarde 01 05 10

E há os que digam que já é muito tarde, e os que pensam "antes tarde do que nunca", seja qual pensamento eu for adotar, fica em comum que tarde é aquele tempo em que você já deveria ter feito algo antes.

Porém, são poucas coisas que depois de tarde, possam ser irremediáveis, ou seja, mesmo com tanto tempo perdido e tudo atrasado, há ainda o que fazer. Existem tantas coisas que eu já deveria ter feito, em que ainda estão inacabadas, tantas coisas que eu deixei passarem, esperando pelo amanhã. E isso é natural, todos nós temos aquela mania de querer sempre deixar algo pra amanhã, e assim tudo sucede, porque sempre tem um amanhã. Só que chega uma hora em que você olha todos os "amanhãs" que você deixou, e eles não são os mesmos, eles se tornaram em "ontens", e o tempo passa, e é exatamente nesse momento que você

começa a perceber que é tarde.

O post anterior mostra que Matheus não pretende escrever sobre questões particulares de sua vida. O uso de indefinidos ratifica tal constatação, não detalhando alguns aspectos de sua vida. Tal post inicia-se com a retomada de idéias que circulam socialmente, inclusive com a inclusão de um provérbio , na linha 01, “antes tarde do que nunca”.O uso de provérbios é bastante interessante, pois reflete a filiação do enunciador à polifonia. Segundo Maingueneau (1997: 101), o indivíduo que profere o provérbio “apresenta sua enunciação como uma retomada de um número ilimitado de enunciações anteriores do mesmo provérbio”. Desse modo, ecoam em tal enunciado vozes anônimas que se fazem presentes através do provérbio e das acepções sobre o tempo tal como em “tarde é aquele tempo em que você já deveria ter feito algo”, na linhas 03 e 04 ou ainda no enunciado “todos nós temos a mania de querer sempre deixar algo para amanhã”, linhas 09 e 10. Observa-se também que o uso da primeira pessoa do plural nós, neste enunciado, mostra que o escrevente insere-se em uma comunidade imaginária formada pelas pessoas que não sabem conviver com o tempo e terminam deixando tudo para depois. A noção de comunidade imaginária, segundo Maingueneau (2001, p.99) refere-se àqueles que comungam na adesão a um mesmo discurso. Neste cão, Matheus mostra que comunga com aqueles que deixam tudo para depois.. Ao mesmo tempo, o post pressupõe a incorporação dos co-enunciadores a tal comunidade, uma vez que a primeira pessoa do plural inclui tanto o escrevente, quanto o auditório para o qual ele destina seus posts.

Algo que chama a atenção no blog de Matheus é a ampla interação que existe entre as postagens do mesmo e os seus co-enunciadores. Na verdade, o referido blog é visitado pelos seus amigos e pelos amigos de seus amigos, que, esporadicamente, comentam os posts escritos por ele. No post de 20 de novembro de 2007, intitulado “Eu sempre esqueço de por título, é que na verdade eu nunca sei um título bom”, há oito comentários de leitores que se identificam com o conteúdo ali postado ou que tem por objetivo debatê-lo. Com o intuito de exemplificar a forma como os leitores do blog interagem com o escrevente, colocam-se alguns dos comentários feitos pelos mesmos, a fim de que seja possível analisá-los:

Exemplo 28:

Arne Balbinotti disse...

01 Oi menino tudo bem com vc?

(..)Bom, as vezes eu tambem nao sei que título por, as vezes acho algum que se identifique com o texto e quando eu nao consigo um titulo bom, leio o texto que escrevi e tento tirar dele alguma frase ou junto duas ou três palavras para representa-lo.

Mas nao fique sem postar de novo ok Exemplo 29:

Homossexual e Pai disse...

01 não conseguir por um bom titulo não é uma questao só sua. muitos autores,

Pintores, escultores simplesmente não poe nome nenhum em suas obras! quer uma sugestão? comece a numera-las!

abs!

Nos dois comentários postados anteriormente, os co-enunciadores dialogam com o escrevente sobre o título do post, já que ele diz que sempre esquece de colocá-lo, pois nunca sabe como fazê-lo. Nesses comentários, os co-enunciadores revelam que, como escritores de

blogs, também sentem a mesma dificuldade de Matheus. No primeiro post, o co-enunciador

sugere ao escrevente algumas técnicas, para se colocar um título no texto, tais como: retirar dele alguma frase, duas ou três palavras etc. Há, no final do post, uma cobrança do co- enunciador, que pede ao escrevente para que ele não deixe de escrever de novo por muito tempo: “[...] não fique sem postar de novo, ok?”

No segundo comentário, o co-enunciador sugere que o escrevente não deve se preocupar com o fato de não conseguir achar títulos que se ajustem ao seu texto. Ele também oferece uma sugestão para Matheus, indicando que esse deve começar a numerar as postagens, quando sentir dificuldade de colocar um título para representá-las.

Os comentários dos co-enunciadores aqui postados revelam que o discurso do escrevente está sendo regulado pelas expectativas dos mesmos, e também pelo auditório universal, que, baseado em estereótipos, pode atribuir uma determinada característica às postagens do escrevente.

Ao contrário de conceber a Internet como um locus amplamente democrático, no qual existe a grande facilidade de acesso e postagem de informações diversas, considera-se, aqui, que esse espaço oferece, assim como todo e qualquer espaço discursivo, restrições dadas pela própria situação de interação: quem fala, para quem fala, de que posição discursiva fala, o que pode e deve ser dito naquele espaço discursivo etc.