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4.1 UM BREVE HISTÓRICO SOBRE OS GÊNEROS DO DISCURSO

Neste capítulo pretende-se inicialmente fazer uma abordagem sucinta sobre a noção de gêneros do discurso, de Bakthin (1997) até a Lingüística de Texto, a fim de estabelecer um breve histórico desta categoria nos estudos Lingüísticos. Em seguida, objetiva-se enfocar os gêneros dentro do escopo teórico da Análise do discurso de Linha Francesa, tendo como base a obra de Maingueneau (2001). Além disso, pretende-se ainda falar sobre os gêneros do discurso gestados pelo hipertexto, os chamados gêneros digitais, focalizando as características dos mesmos.

Os estudos sobre gêneros discursivos ligam-se, de uma forma ou de outra, às idéias postuladas por Bakthin (2003), no campo da Filosofia da Linguagem. Segundo tal pensador, os gêneros do discurso podem ser definidos como “[...] tipos relativamente estáveis de enunciados” (BAKTHIN, 2003, p. 262), cuja diversidade é infinita, uma vez que são também infinitos os processos interativos das atividades humanas.

Os gêneros do discurso são, para esse autor, tipos de enunciados, ligados às diversas esferas da atividade social, que possuem certos traços discursivos (o que o autor chama de “regularidades”) peculiares à situação interativa, na qual são gerados. Os enunciados, em Bakthin (2003), são concebidos como atividades linguageiras concretas e únicas, por isso irrepetíveis. Podem ser orais ou escritos e ligam-se aos diversos campos da atividade humana.

De acordo com Fiorin (2006, p. 61):

Os seres humanos agem em determinadas esferas de atividades, as da escola, as da igreja, as do trabalho num jornal, as do trabalho numa fábrica, as da política, as das relações de amizade e assim por diante. Essas esferas de atividade implicam a utilização da linguagem na forma de enunciados. Não se produzem enunciados fora das esferas de ação, o que significa que eles são determinados pelas condições específicas e pelas finalidades de cada esfera.

Os enunciados são, portanto, a base da interação social, visto que essa ocorre a partir do uso da língua, e esse uso se faz através do emprego de enunciados. Dessa forma, esses

últimos representam unidades concretas do discurso, possuindo uma dimensão dialógica, uma vez que surgem de um enunciador e se destinam a um locutor.

Segundo Bakthin (2003) todo enunciado é dialógico, uma vez que há sempre e inevitavelmente na palavra do “eu” a influência da palavra do “outro”. Assim, o dialogismo é constitutivo do enunciado, pois surge de alguém e direciona-se para o “outro”, sendo marcado essencialmente pela heterogeneidade. A palavra em si mesma é neutra, quando compreendida como parte de um sistema linguístico geral. Porém, quando colocada em uso no processo comunicativo ela perde a neutralidade e passa a ser revestida de uma multiplicidade de

sentidos. O locutor enuncia em função da existência (real ou virtual) de um interlocutor, requerendo

deste último uma atitude responsiva,

Voltando à questão dos gêneros pode-se dizer que os mesmos estão ligados ao desenvolvimento de atividades sócio-culturais simples ou complexas, formados nas condições comunicativas imediatas ou através da reelaboração e incorporação de gêneros já existentes.

Bakthin (2003, p. 262) afirma que os gêneros são históricos e concretos e não podem ser definidos apenas pela sua “estrutura”; com isso, não basta distingui-los, levando em conta, exclusivamente, seus aspectos estritamente formais. Ao contrário, os gêneros discursivos estão diretamente relacionados à esfera comunicativa, às situações de interação verbal, e ligam-se a determinadas esferas sociais. Então, na escola, diante da interação professor/aluno, aluno/aluno, dentre outras, surgem determinados gêneros que ali se institucionalizam, como: a conversa informal, a aula, as palestras etc. Portanto, a principal característica do gênero do discurso é a relação que esse estabelece com a atividade social e histórica e não os aspectos formais do mesmo. Isso significa dizer que determinados gêneros do discurso podem possuir os mesmos traços formais, mas, apesar disso, podem se constituir como gêneros totalmente diversos entre si, o que mostra que apenas os aspectos formais não são suficientes para definir um gênero do discurso.

Os gêneros do discurso são gestados empiricamente e na atividade de interação concreta dos indivíduos, não sendo adquiridos, institucionalmente, através da aprendizagem

de traços formais. Isso fica claro, quando Bakthin (2003) afirma:

Esses gêneros do discurso nos são dados quase da mesma forma que nos é dada a língua materna, a qual dominamos livremente até começarmos o estudo teórico da gramática. A língua materna - na sua composição vocabular e sua estrutura gramatical - não chega ao nosso conhecimento a partir de dicionários e gramáticas, mas de enunciações concretas que nós mesmos ouvimos e nós mesmos reproduzimos na comunicação discursiva viva com as pessoas que nos rodeiam (BAKTHIN, 2003, p. 282-283).

Desse modo, pode-se dizer que os gêneros do discurso são adquiridos na atividade interativa concreta e real, e o discurso é constituído por gêneros que se diferenciam, segundo alguns fatores apontados pelo referido filósofo, quais sejam: a situação, a posição social dos falantes, as relações de reciprocidade, a formalidade ou informalidade da situação, o grau de amizade ou de parentesco dos falantes etc.

Outras características atribuídas aos gêneros do discurso, por Bakthin (2003), e que os

diferem do que o referido filósofo chama de formas da língua, são a normatividade e a flexibilidade. Conforme o autor, os gêneros do discurso são bem mais flexíveis e menos normativos que as formas da língua. Há gêneros que possibilitam uma maior liberdade e criatividade dos falantes, como as conversas informais sobre temas diversos, as reuniões entre amigos, dentre outros. Outros gêneros são mais rígidos, por isso, pressupõem um maior rigor formal e possuem um alto grau de estabilidade, tais como: as palestras universitárias, as entrevistas etc.

Dissertando sobre a perspectiva dos gêneros do discurso em Bakthin (2003), Hemais e

Rodrigues (2005, p. 164) resumem as idéias do referido autor, sobre tal tema, da seguinte forma:

Cada esfera, em sua função socioideológica particular (estética, educacional, jurídica, religiosa, cotidiana etc.) e suas condições concretas específicas (organização socioeconômica, relações sociais entre os participantes da interação, desenvolvimento tecnológico etc.), historicamente, formula na/para a interação verbal gêneros discursivos que lhe são próprios.

Bakthin (2003), portanto, afirma que os gêneros do discurso estão ligados aos campos

de atividade interacional dos seres humanos. Ora, se esses campos são infinitos, também são infinitos os gêneros do discurso deles decorrentes. É somente na esfera comunicativa que se pode compreender a constituição de um gênero, o que significa dizer que, assim como os enunciados, os gêneros também não podem ser desvencilhados da dimensão histórica e social na qual são gestados. Segundo ele:

A riqueza e a diversidade dos gêneros discursivos é ilimitada, porque as possibilidades de atividade humana são também inesgotáveis e porque cada esfera de atividade contém um repertório inteiro de gêneros discursivos que se diferenciam e se ampliam na mesma proporção que cada esfera particular se desenvolve e se torna cada vez mais complexa (BAKHTIN, 2003, p. 60).

Esse autor (2003, p. 263) divide os gêneros discursivos em dois grupos: os gêneros primários e os secundários. Os gêneros primários “[...] são aqueles que se formam nas condições de comunicação discursiva imediata”, enquanto que os gêneros secundários “[...] são aqueles que surgem nas condições de um convívio cultural mais complexo e relativamente muito mais desenvolvido e organizado.” Assim, pode-se dizer que, no processo de formação de gêneros discursivos secundários, há a incorporação dos gêneros primários, os quais são absorvidos e transmutados. Dessa forma, conclui-se que os gêneros discursivos secundários “[...] não são inovações absolutas, quais criações ab ovo, sem uma ancoragem em outros gêneros já existentes” (MARCUSCHI, 2002a, p. 20).

Toma-se emprestada, neste momento, a noção de gênero discursivo para a Lingüística Textual, apresentando a visão de dois importantes teóricos, a respeito desse assunto, quais sejam: Marcuschi (2002a) e Swales (1990).

Para Marcuschi (2002a, p. 19), os gêneros textuais ou discursivos caracterizam-se como eventos textuais que “[...] surgem emparelhados a necessidades e atividades sócio- culturais, bem como na relação com inovações tecnológicas.” Tal noção tem como base a

idéia de gênero discursivo de Bakhtin (2003), uma vez que revela a ligação entre os gêneros

discursivos e os processos sócio-culturais. Os gêneros são, portanto, gestados na atividade interativa do sujeito social. Isso significa que eles não são adquiridos institucionalmente, mas desenvolvidos no processo de interação entre os sujeitos. Ninguém precisa ir à escola para aprender como contar uma piada, mas, ao contrário, esse aprendizado é social e deriva da atividade do sujeito empírico.

Marcuschi (2002a) faz uma diferenciação entre gênero e tipo textual, afirmando que esses últimos reduzem-se a uma meia dúzia de categorias, enquanto os primeiros são inúmeros, e, por isso, é impossível quantificá-los. Ao definir tipo textual, o referido lingüista (2002a, p. 23) observa:

Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de construção teórica definida pela natureza lingüística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas). Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção.

Como já foi visto anteriormente, enquanto os tipos textuais “abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas”, os gêneros textuais são infinitos e surgem emparelhados às atividades sociais; são um fenômeno adquirido empiricamente na interação comunicativa entre indivíduos. Assim, Marcuschi define gêneros textuais como:

[...] uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características

sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais,

estilo e composição característica. Se os tipos textuais são apenas meia dúzia, os gêneros são inúmeros (MARCUSCHI, 2002a, p. 23).

Dessa forma, para a Lingüística Textual, há uma clara diferenciação entre gêneros e tipos textuais, sendo os primeiros processados no seio da atividade comunicativa, e, portanto, de número indeterminado, além de adquiridos, empiricamente, na experiência social; e os segundos, definidos por suas propriedades formais e adquiridos institucionalmente.

Para outros teóricos importantes, no campo da Lingüística Textual, como Swales (1990), há especificidades diversas que definem os gêneros dos discursos.

Consoante Hemais e Rodrigues (2005, p. 113), a tônica da teoria de Swales (1990) baseia-se nos seguintes pontos: o referido autor considera os gêneros discursivos como um conjunto de eventos comunicativos, que compartilham de um mesmo propósito comunicacional. Então, pode-se afirmar que, segundo a teoria de Swales (1990), os gêneros possuem um objetivo comunicativo, que, muitas vezes, pode não estar expresso de maneira clara, mas que pode ser identificado pelos interlocutores e pela comunidade discursiva. Ainda conforme Hemais e Rodrigues (2005, p. 115), Swales (1990) define comunidade discursiva como um conjunto de pessoas que possuem objetivos comuns e que compartilham dos mesmos mecanismos comunicativos. Uma comunidade discursiva desenvolve seu próprio elenco de gêneros, criando aqueles mais relevantes para a comunicação dos seus membros. Portanto, os gêneros discursivos são gerados dentro de uma determinada comunidade discursiva, para atender aos interesses comunicativos de tal comunidade.

Além disso, os gêneros possuem características específicas e carregam também uma lógica própria. O conteúdo do gênero e seu aspecto formal são concebidos em função do propósito comunicativo daquele gênero. Então, em um gênero como a piada, por exemplo, em que há um pequeno rigor estilístico e o propósito de causar o riso, permite-se uma maior informalidade, o uso da ironia, da metáfora e de situações que causem estranheza ou espanto, e, por isso, levem ao riso.

Assim, para o referido pensador, um gênero se define pelos propósitos comunicativos, que são reconhecidos pelas comunidades, nas quais é gestado, e está ligado às mais diversas atividades humanas. A teoria de Swales (1990) circula com facilidade dentro da Lingüística e serve como base para o desenvolvimento de estudos dos gêneros discursivos, principalmente dentro do campo da Lingüística Textual.

Tendo como base a teoria de gêneros de Swales (1990), pode-se afirmar, portanto, que os blogs se constituem como uma cadeia genérica, uma vez que existem diversos tipos de

blogs que possuem propósitos comunicativos diferentes. Há, conforme o quadro a seguir, blogs políticos, científicos ou educacionais, jornalísticos e pessoais, que compartilham de

objetivos comunicativos diversos. Dentro do próprio conjunto de blogs pessoais, existe um propósito comunicativo maior: divulgar questões da vida cotidiana dos escreventes.

Assim, o gênero blog seria segundo Swales (1990) uma cadeia de gêneros, ou seja, o gênero blog é formado por diversos outros blogs, que têm em comum a função diarística, mas que diferem nos objetivos comunicativos, como é possível notar no quadro a seguir:

TIPOLOGIA DOS BLOGS CARACTERÍSTICAS DISCURSIVAS