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PROPÓSITOS COMUNICATIVOS

4.2 OS GÊNEROS DISCURSIVOS PARA DOMINIQUE MAINGUENEAU

Situa-se em outra direção a noção de gêneros e tipos discursivos para a Análise do Discurso de Linha Francesa, mais precisamente para Maingueneau (2001), cujas idéias são debatidas a seguir.

Segundo Maingueneau (2001, p. 68-69), “[...] todo gênero de discurso está associado a uma certa organização textual.” Assim, para se dominar dado gênero do discurso é preciso, antes de tudo, dominar os modos de encadeamento dos enunciados e de seus constituintes. Alguns gêneros podem ser ensinados, institucionalmente, nas escolas e academias (as dissertações, os resumos, as sínteses etc.); outros são apreendidos, empiricamente, através da atividade interativa entre os interlocutores. O gênero resumo científico, por exemplo, possui regras e aspectos formais, que podem ser aprendidos institucionalmente; as piadas, por outro lado, possuem características que são adquiridas empiricamente, sem a necessidade de uma intervenção institucional. Como todo texto é inseparável de seu modo de existência material, pode-se dizer que o suporte material, no qual dado texto é gerado, influencia na constituição do gênero. Isso significa afirmar que um diário tradicional tem características diferentes de um diário digital. Os blogs diferenciam-se dos diários tradicionais, principalmente, pela questão do suporte.

Para definir ainda melhor os gêneros do discurso, circunscrevendo-os ao campo teórico da Análise do Discurso de Linha Francesa, Maingueneau (2001, p. 69) lança mão de metáforas do campo jurídico (a noção de contrato); do campo teatral (a noção de papel); e do campo lúdico (a noção de jogo), sobre as quais se discorre a seguir:

- O contrato: afirmar que um gênero do discurso é um contrato significa dizer que esse pressupõe uma cooperação e que é regido por um conjunto de regras e normas conhecidas e

compartilhadas pelos membros de dado grupo. Desse modo, um professor universitário estabelece um contrato com seus interlocutores, a partir do momento em que realiza uma conferência, por exemplo; nessa, ele deve utilizar uma linguagem formal, dissertar em torno de um tema, adequar seu discurso ao tempo preestabelecido pela organização da conferência etc. Tais regras são compartilhadas pelos interlocutores aos quais o professor dirige seu discurso, visto que esse auditório espera que o referido professor siga as regras preestabelecidas e seria estranho se o professor se apresentasse no local da conferência com roupa inadequada ou usando uma linguagem menos formal.

- O papel: falar que dado gênero discursivo tem relação direta com os papéis sócio- discursivos desempenhados pelos interlocutores significa dizer que o mesmo está diretamente ligado a aspectos sociais, não podendo ser desvencilhado desses. Quando um padre batiza alguém, ele o faz na posição social de um representante legítimo da Igreja e de uma ponte direta entre o homem e Deus. Um professor não poderia realizar uma missa, uma vez que não estaria no papel de representante de Deus e a ele não seria dado o direito institucional de realizar a cerimônia religiosa. O papel está ligado ao lugar institucional, no qual o gênero se circunscreve. Isso equivale a dizer que, além de se ligar a um papel estabelecido na comunicação, o gênero deve se ligar a um lugar institucional legítimo, para que possa obter êxito.

Segundo Maingueneau (2001, p. 65):

Os gêneros do discurso não podem ser considerados como formas que se encontram à disposição do locutor a fim de que este molde seu enunciado nessas formas. Trata-se, na realidade, de atividades sociais que, por isso mesmo, são submetidas a um critério de êxito.

Como se observou, o critério de êxito de um gênero liga-se ao estabelecimento do estatuto dos parceiros que estão envolvidos nas trocas verbais e também ao lugar institucional adequado para a realização dessa atividade, o que significa dizer que para que uma missa, por exemplo, cumpra sua finalidade comunicativa de batizar ou abençoar alguém, ela deve ser celebrada por um padre e dentro de uma igreja, um templo religioso, no qual se permite realizar missas.

- O jogo: como um jogo, o gênero se define enquanto possuindo um conjunto de regras que devem ser conhecidas, compartilhadas e seguidas; caso contrário, o jogador será punido.

Porém, enquanto as regras do jogo são rígidas e fechadas, não podendo ser modificadas pelos participantes, as regras discursivas são flexíveis e adaptam-se às situações efetivas de comunicação.

Maingueneau (2006) afirma que nenhuma teoria existente até hoje foi capaz de produzir uma classificação global dos gêneros, que pudesse ser útil para os estudos discursivos. Conforme ele, a proposta da AD para solucionar essa questão é agrupar os gêneros em domínios, independentemente de seus temas. Assim, os gêneros estariam relacionados entre si, através da cena englobante, da cena genérica e da cenografia específica. A cena englobante equivale ao que se chama de tipo de discurso. Por exemplo, o talk show possui uma cena englobante ligada ao tipo de discurso televisivo. Uma cena genérica, por sua vez, liga-se ao gênero do discurso: um talk show é um gênero do discurso que possui características próprias e que se situa dentro do tipo de discurso televisivo. Já a cenografia equivale a um quadro flexível, no qual o gênero se circunscreve. Nela, destacam-se questões como a troca de parceiros verbais, o momento e o lugar da enunciação, a finalidade comunicativa e, até mesmo, aspectos não verbais, tais como: as cores, as roupas ou os gestos dos participantes etc.

Maingueneau (2006, p.149) propõe uma divisão dos gêneros do discurso em dois17

grandes tipos quais sejam: gêneros conversacionais e gêneros instituídos.

Os gêneros conversacionais abrangem, segundo o autor francês, situações de conversação rotineira. A organização textual desses gêneros não é preestabelecida, é, ao contrário, flexível,e, como tal, a estrutura dos mesmos modifica-se constantemente a partir da interação dos falantes. Os papéis dos enunciadores e co-enunciadores também não são fixos, mas negociados no processo conversacional. A conversa informal, reunião com amigos etc, são exemplos desses gêneros que dificilmente são divisíveis em categorias distintas.

Os gêneros instituídos, por sua vez, não implicam interação imediata e podem ser tanto orais quanto escritos. Não são homogêneos. Maingueneau (2006, p. 150) propõe para estes gêneros uma classificação que será abordada a seguir:

- Gêneros cuja cenografia é fixa ou Gêneros instituídos tipo 1: existem gêneros que não pressupõem a flexibilização ou variação da cenografia. Isso significa dizer que, nesses gêneros, a cenografia é mais rígida e menos variável. Há alguns exemplos interessantes que

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Inicialmente, Maingueneau (2006) propõe uma divisão dos gêneros em três categorias (“autorais”, “rotineiros” e “conversacionais”), mas posteriormente os aglutina em duas grandes categorias: os gêneros “conversacionais” e os gêneros “instituídos”, que aglutinariam os gêneros autorais e rotineiros da categorização anterior.

podem ilustrar esse caso: a troca de palavras entre um piloto de avião e a torre de comando representa um gênero cuja cenografia é inflexível e rígida, pois não há variação. O piloto procura obter informações relativas ao vôo, a linguagem é codificada, usam-se sempre os mesmos instrumentos para se estabelecer a comunicação e as informações prestadas e solicitadas estão previstas dentro do escopo do discurso da aviação. Dentro desse conjunto, podem-se destacar também as conversas entre os policiais e os centros de comando da polícia, entre membros do exército etc., ou seja, gêneros que compartilham das mesmas características daquelas relatadas no exemplo do piloto e da torre de comando.

- Gêneros cuja cenografia é semi-flexível ou Gêneros instituídos tipo 2: há gêneros que não possuem uma cenografia completamente rígida, como no caso anterior, mas se baseiam em práticas sociais estabilizadas socialmente e pressupõem a criação de uma “rotina” discursiva. Nesses gêneros, os autores devem trabalhar dentro de um quadro discursivo, que possui regras formais e discursivas preestabelecidas. Um exemplo de um gênero assim é o de um artigo científico. Nesse, há algumas regras que devem ser seguidas, tais como: a utilização de uma linguagem formal, a delimitação de um tema, a exposição de uma idéia ou de um conceito, a presença de citações etc. Para escrever um artigo, o autor sempre tem que seguir essas regras, trabalhando dentro de um quadro discursivo preestabelecido. Porém, há uma certa flexibilização, quanto ao tema abordado no artigo, à finalidade do mesmo, ao suporte no qual esse se baseia e ao modo de circulação e consumo. Essas são características que diferenciam esses tipos de gênero dos anteriores.

- Gêneros cujas cenografias são completamente livres ou Gêneros instituídos tipo 3: existem gêneros que pressupõem uma infinidade de cenografias. Isso significa que não há um modelo ou uma regra geral a se seguir nesses gêneros, mas as cenografias podem ser criadas, de acordo com o objetivo, a finalidade comunicativa, os parceiros de comunicação etc. É o caso, por exemplo, dos anúncios publicitários. Em uma propaganda, define-se o estilo do gênero, de acordo com o objetivo comunicativo do autor e também de acordo com o que se pretende gerar no auditório particular ao qual tal anúncio se dirige. Assim, os anúncios publicitários representam gêneros que possibilitam uma cenografia mais livre, criada a partir das finalidades dos autores. No entanto, existe um quadro geral de regras publicitárias, que deve ser seguido: o uso de certas cores, de destaque em frases, letras ou palavras.

- Gêneros não-saturados ou Gêneros instituídos tipo 4: são aqueles que pretendem realizar

a auto-caracterização da própria fala. Nesse caso, têm-se textos que se auto definem e criam uma cenografia adequada a essa auto-caracterização. Os textos se aprenetam como liberais, de esquerda etc., e a cenografia dos mesmos varia, de acordo com essa definição.

Dentro do que é estabelecido por Maingueneau (2006), os blogs podem, portanto, se enquadrar no campo dos gêneros instituídos tipo 2, uma vez que possuem cenografias semi- flexíveis: os escreventes podem escolher o lay out das imagens de capa dos blogs, mas não podem alterar sua estrutura. Isto é, todo blog deve ter uma estrutura pré-fixada na qual há um campo para postagem de mensagens, um para os comentários dos leitores, outro para a indicação de diários digitais dos amigos ou colegas que constituem os co-enunciadores dos blogueiros etc.

No entanto, Maingueneau (2009) considera produtiva a classificação do blog como um hipergênero. Segundo o referido pensador francês, o blog pode ser considerado um hipergênero, já que há um elo que liga os diversos tipos de blog: a função diário. Sabe-se que, em todos eles, se podem armazenar mensagens, em ordem cronológica, observando-se que possuem uma função de diário, quando permitem a criação de arquivos digitais, nos quais são guardadas as postagens mais antigas. Sendo assim, os blogs constituiriam um hipergênero. O autor francês lança mão de tal conceito, inicialmente, a fim de explicar o papel dos diálogos nas relações comunicativas entre os sujeitos discursivos. Ao fazer isso, observa que sempre houve diferentes gêneros que usaram os diálogos, ou seja, o diálogo seria uma espécie de elo coesivo que ligaria tais gêneros, os quais poderiam, por tal motivo, ser considerados hipergêneros. Dessa maneira, afirma-se que haveria, então, um elemento maior, o diálogo, que perpassaria todos esses gêneros. Tal característica marcaria a existência do hipergênero, que anteciparia aos co-enunciadores elementos comuns às distintas manifestações genéricas. Nesse sentido, o conceito de hipergênero engloba um conjunto de gêneros que possuem um elo que os une; no caso dos blogs, ressalta-se que tal elo seria a função de diário que uniria todos os blogs em um conjunto.

Feitas essas observações acerca da definição e conceituação dos gêneros do discurso, tendo, principalmente, como base os estudos enunciativos de Bakthin (2003) e a perspectiva de gêneros na Análise do Discurso de Linha Francesa, faz-se necessário definir os gêneros digitais no contexto do hipertexto e destacar os blogs, objeto de estudo desta tese.