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2 REFLEXÕES SOBRE A ANÁLISE DO DISCURSO DE LINHA FRANCESA

2.3 NOÇÕES BASILARES DA ANÁLISE DO DISCURSO DE LINHA FRANCESA

2.3.1 Do conceito de discurso, formação discursiva e formação ideológica

Cabe, primeiramente, fazer uma reflexão sobre o significado do vocábulo discurso para a Análise do Discurso de Linha Francesa.

Na antiguidade clássica, a expressão logos aproximava-se do que hoje se caracteriza como uma das concepções do discurso. Inicialmente, tal expressão significava palavra falada ou escrita e, mais tarde, no campo da Retórica, ganhou acepção mais ampla e passou a significar razão.

Na Lingüística Textual, a expressão discurso é sinônima da expressão texto, sendo esse último definido como um evento comunicativo falado ou escrito, de qualquer extensão, produzido, segundo as intenções individuais de determinado sujeito. Nesse ponto, a noção de texto se assemelha à de discurso, na concepção clássica do mesmo.

No entanto, para a Análise do Discurso de Linha Francesa, o significado de discurso é ainda mais amplo, uma vez que não se restringe à palavra falada ou escrita e não se ancora na esfera da produção de um sujeito consciente, dono e origem do dizer. Assim, quando se fala em discurso, na acepção da ADLF, levam-se em conta elementos extra-lingüísticos, históricos e sociais. Além disso, considera-se o sujeito histórico, marcado pelo social e pela ideologia, que não é a origem do discurso. Como exemplo de tal idéia, lança-se a citação a seguir:

Para falarmos em discurso, precisamos considerar os elementos que têm existência no social, as ideologias, a História. Com isso, podemos afirmar que os discursos não são fixos, estão sempre se movendo e sofrem transformações sociais e políticas de toda a natureza que integram a vida humana (FERNANDES, 2007, p. 20).

Segundo Orlandi (2005b), na Análise do Discurso de Linha Francesa concebe-se o discurso como mediação entre o homem e a realidade. Essa mediação mobiliza aspectos sociais e ideológicos que constituem os sujeitos. O discurso não é individual, sendo histórico e social, e não pertence somente ao domínio da língua como um sistema abstrato, mas se relaciona com a sua exterioridade. Por esses motivos, observa-se a citação seguinte, a fim de refletir sobre essa questão:

Levando em conta o homem na sua História, considera os processos e as condições de produção da linguagem, pela análise da relação estabelecida pela língua com os sujeitos que a falam e as situações em que se produz o dizer. Desse modo, para encontrar as regularidades da linguagem em sua produção, o analista de discurso relaciona a linguagem à sua exterioridade (ORLANDI, 2005b, p. 16).

Para a Análise do Discurso de Linha Francesa, é importante observar as condições de produção do discurso para entender como o mesmo significa. Conforme Orlandi (2005b), as condições de produção compreendem: o contexto imediato com o qual a produção discursiva se relaciona, o contexto sócio-histórico, a ideologia e também a memória, ou melhor, a maneira como a memória é acionada, no momento em que o discurso é produzido. Segundo a autora (2005b, p. 30), as condições de produção do discurso “[...] compreendem fundamentalmente os sujeitos e a situação. Também a memória faz parte da produção do discurso”.

Sendo assim, para se observar o discurso nos blogs, sob o viés da Análise do Discurso de Linha Francesa, é necessário observar o espaço virtual, no qual o blog é produzido, os sujeitos enunciadores que escrevem os blogs, a memória (os estereótipos, por exemplo, fazem parte da memória discursiva social e rotulam os blogueiros de determinadas formas).

Outra noção importante, dentro da ADLF, é a de formação discursiva (FD). As formações discursivas inscrevem-se dentro de formações ideológicas, que podem ser definidas como um conjunto de representações simbólicas que estabelecem relações com a posição dos sujeitos.

De acordo com Pêcheux (1995, p. 188), a noção de formação discursiva diz respeito a “[...] aquilo que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga, de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa, etc.) a partir de uma posição dada na conjuntura social”.

Assim, Pêucheux (1975), ao mesmo tempo, mostra a possibilidade e a obrigatoriedade do dizer que está subordinado à posição discursiva do sujeito enunciador, ao falar através de dada formação discursiva.

Uma formação discursiva nunca é homogênea, porém é, ao contrário, sempre marcada pela heterogeneidade, apresentando elementos vindos de outras formações discursivas. Um mesmo assunto pode ser objeto de conflitos e questionamentos, devido a diferentes posições ocupadas pelos sujeitos na conjuntura social. Tais contradições se refletem na formação discursiva sobre determinado tema.

Consoante Fernandes:

Uma formação discursiva nunca é homogênea, é sempre constituída por diferentes discursos. Um mesmo tema, ao ser colocado em evidência, é objeto de conflitos, de tensão, face às diferentes posições ocupadas por sujeitos que se opõem, se contestam (FERNANDES, 2007, p. 54).

Para melhor exemplificar tal questão, propõe-se que se observe o esquema a seguir:

Esquema 1: Formação discursiva sobre a mulher

Dessa forma, uma certa formação discursiva abriga, em seu interior, elementos de formações discursivas diversas, que se opõem e que estão em embate ideológico, refletindo

Lugar de mulher é na cozinha. FDM 1 Lugar de mulher é no mercado de trabalho. FDM 2

posições diferentes dos sujeitos sociais. Por esse motivo, as formações discursivas não podem ser concebidas como fechadas em si mesmas, mas como unidades que estabelecem relações com outras FDs atravessadas por elas. Por isso, não se pode delimitar com clareza, de forma definitiva, uma dada formação discursiva, uma vez que ela é sempre heterogênea.

Os efeitos de sentido dos enunciados diferentes relacionam-se diretamente a posições ideológicas diferentes dos diversos sujeitos. Os aspectos ideológicos próprios dos sujeitos enunciadores são extremamente importantes para a compreensão de uma dada formação discursiva, visto que todo enunciado está relacionado a certa posição ideológica de um sujeito enunciador.

Desse modo, as formações discursivas inscrevem-se em certas formações ideológicas que se relacionam com a posição de classe ocupada por dado sujeito na sociedade. Uma formação ideológica pode ser concebida, grosso modo, como um conjunto de representações sociais que estão ligadas às posições sociais e históricas dos sujeitos enunciadores. Para que se compreenda melhor tal noção, considera-se a citação a seguir:

Falaremos de formação ideológica para caracterizar um elemento (este aspecto da luta nos aparelhos) suscetível de intervir com uma força em confronto com outras forças na conjuntura ideológica característica de uma formação social em dado momento; desse modo, cada formação ideológica constitui um conjunto complexo de atitudes e representações que não são nem individuais nem universais, mas se relacionam mais ou menos diretamente a posições de classes em conflito umas com as outras (PÊCHEUX; FUCHS, 1997, p. 166).

Assim, como se pode observar na citação anterior, as formações ideológicas ligam-se a posições sociais que o sujeito ocupa. No exemplo do esquema anterior, fica claro o embate ideológico, refletido na posição ocupada pelos sujeitos enunciadores: um sujeito que concebe a esfera doméstica como espaço legítimo da mulher; e outro que concebe a esfera pública como espaço legitimado para a mesma. Tais formações discursivas refletem as diferentes posições ideológicas dos sujeitos enunciadores.

O sentido de dado enunciado se constitui como tal pelo fato de se inscrever em uma dada formação discursiva que está ligada a determinada formação ideológica. Então, os signos não possuem um sentido prévio, mas esse se estabelece a partir das formações discursivas em que estão inscritas. Nesse sentido, pode-se afirmar que os sentidos não são constituídos de forma aleatória ou ingênua, mas são, ao contrário, fruto de posições ideológicas diversas. Assim, os sentidos são ideologicamente determinados.

Para exemplificar o que se está mostrando, retoma-se o exemplo da expressão mulher. Refuta-se, na ADLF, o sentido dicionarizado, fixo e imutável, uma vez que tal expressão pode ganhar sentidos diferentes, a partir das posições ideológicas através das quais é enunciado. Desse modo, o termo mulher pode significar aquela que se restringe à esfera doméstica e a quem o espaço público é negado; ou aquela a quem a esfera pública é legitimada, sendo, portanto, o seu espaço legítimo ampliado.

Sendo assim, percebe-se que o sujeito, enquanto atravessado pela História e pela ideologia, constitui-se como um sujeito clivado e dividido. Além disso, as formações discursivas circunscrevem-se dentro de formações ideológicas e também são marcadas pela posição ideológica que o enunciador ocupa socialmente.