• Nenhum resultado encontrado

BOIADEIRO PUNHO DE AÇO

No documento Download/Open (páginas 159-162)

CAPÍTULO IV – LENDO AS MODAS

BOIADEIRO PUNHO DE AÇO

Autores: Teddy Vieira de Azevedo I

Me criei em Mato Grosso, Laçando potro e dando repasso Meu velho pai pra lidar com boi Desde pequeno guiou meus passos II

− Meu filho, o mundo é uma estrada cheia de atalho e tanto embaraço. Mas se você for bom no cipó Na vida nunca terás fracasso III

Com vinte anos parti

Foi na comitiva de um tar Inácio. Senti o nó me apertar a garganta Quando meu pai me deu um abraço IV

− Meu filho, Deus lhe acompanhe São esses os votos que eu lhe faço. E como prêmio do teu talento Lhe presenteio com esse meu laço

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882000000100002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 2 dec. 2007. doi: 10.1590/S0102-01882000000100002

V Por este Brasil afora,

Fiz como faz as nuvens no espaço. Vaguei ao léu conhecendo terras Sempre ganhando dinheiro aos maços VI

Meu cipó em três rudia Cobri a anca do meu picaço, Foi o que me garantiu o nome De boiadeiro punho de aço. VII

De volta pra minha terra

Viajava a noite com um mormaço. Naquilo eu topei com uma boiada Beirando rio vinha passo a passo

VIII Um grito de boiadeiro

Pedindo ajuda cortou o espaço. Eu vi que o peão que ia rodando Saltei no rio com o meu picaço. IX

A correnteza era forte

Tirei o cipó da chincha do macho. E pelo escuro ainda consegui

Laçar o peão por um dos seus braços.

X

Ao trazer ele na praia

Meu coração se fez em pedaço. Por um milagre que Deus mandou Salvei meu pai com seu próprio laço.

Nesta moda o rural também aparece identificado com a atividade de boiadeiro, no entanto, foram identificadas algumas particularidades na sua abordagem, com destaque para indicações de relações domésticas do boiadeiro, seu aprendizado e ganhos financeiros. Embora a letra da moda também trate de viagens em comitiva, deve-se destacar que das dez estrofes

somente em duas o protagonista está fora de seu local de origem. Quanto às estrofes restantes, pode-se dizer que nas quatro primeiras ele está na sua terra e nas quatro finais ele está retornando. De um modo geral, pode-se perceber como nas outras modas que abordam o tema, a sucessão de eventos da história é condicionada às próprias características da atividade, o boiadeiro tem seu momento de aprendizado, parte para participar de comitivas, em que suas habilidades são julgadas pelos outros boiadeiros, e retorna à sua terra.

Assim como em “Catimbau”, podem ser encontradas nesta moda indicações das tarefas realizadas pelo boiadeiro. Logo após a apresentação do local (elemento já analisado), no segundo verso da música, o narrador informa duas atividades da profissão, “Laçando potro e dando repasso”. Conforme revela Amadeu Amaral296, repasso é o ato de montar eqüinos não domados. Assim, percebe-se que como Catimbau o boiadeiro deve ser capaz de lidar com montarias não domadas e saber laçar.

Nesta moda as atividades são aprendidas no local de residência do boiadeiro a partir do contato e convívio com um boiadeiro mais experiente. No caso o pai do narrador, como se observa nos dois últimos versos da primeira estrofe, “Meu velho pai para lidar com boi, desde pequeno guiou meus passos”. É possível estimar que tal aprendizado tenha se dado a partir da “ajuda” do filho no cumprimento das tarefas do pai, de modo similar ao observado em “Nelore Valente”.

Na segunda estrofe permanecem sendo apresentados os ensinamentos do pai. Só que desta vez ele apresenta uma compreensão da vida a partir de uma ótica imersa na atividade, como aparece nos dois primeiros versos, “− Meu filho, o mundo é uma estrada, cheia de atalho e tanto embaraço”. A resposta para as dificuldades na vida e na profissão, que se confunde com a própria vida, está na própria atividade, como o pai indica nos dois últimos versos desta estrofe “Mas se você for bom no cipó, na vida nunca terás fracasso”. Neste sentido, o sucesso na vida é o sucesso na atividade. De acordo com a própria letra, o sucesso na atividade pode ser traduzido como ganhos em dinheiro e respeito dos boiadeiros, as indicações deste sucesso aparecem no último verso da quinta estrofe “Sempre ganhando dinheiro aos maços” e nos dois últimos da sexta, “Foi o que me garantiu o nome de boiadeiro punho de aço”. O bom desempenho na execução das tarefas, com destaque para a habilidade de laçar (ou “ciência do laço” como referido em “Catimbau”), trouxe como resultado o sucesso do protagonista. Tal habilidade parece associada, por um lado, ao aprendizado e conhecimento do mestre e, por outro, à habilidade individual do pupilo. Este último aspecto é destacado nos versos finais da quarta estrofe “E como prêmio do teu talento, lhe presenteio com esse meu laço”. Novamente, pensando em uma perspectiva aproximada das proposições de Mauss, pode-se interpretar que o objeto carrega elementos do doador, assim o laço do pai carrega a experiência do próprio pai como boiadeiro e obviamente sua habilidade de laçar. Neste sentido, a passagem pode ser interpretada como se o laço fosse uma representação do conhecimento do pai. Apesar de o filho ter seu próprio “talento” ele carrega os ensinamentos e a história de boiadeiro do pai. Esta forma de entendimento me parece acertada, principalmente quando se chega aos momentos finais da história. Quando o filho retorna, o laço também retorna sob a forma de retribuição ao seu dono original, como indicado no último verso “Salvei meu com seu próprio laço”. Resgatando a série de eventos, o pai ensina ao filho os conhecimentos da lida com o gado, com destaque para a “ciência do laço” e dá o laço ao filho reconhecendo “talento” deste, assim, o laço representa o

conhecimento do pai e a habilidade do filho. Nas suas viagens de boiadeiro, o filho utiliza o laço que passa a ser uma extensão de si mesmo, na medida em que é em função do laço (que ele chama de “meu cipó”) que ele é nomeado “Boiadeiro Punho de Aço”. O laço se torna depositário também de elementos do filho. Ao retornar ele salva o pai com o laço, assim, retribui o que foi lhe dado através do laço (que volta a ser do pai, pois ele se refere como “seu próprio laço”).

Além do laço, existem dois elementos que retornam junto com o boiadeiro narrador e atuam no salvamento do pai: a montaria e a bênção divina. Em relação ao segundo, o boiadeiro recebe a bênção na mesma estrofe que recebe o laço, “− Meu filho, Deus lhe acompanhe”. Na última estrofe a influência divina parece associada ao destino marcada no penúltimo verso, “Por um milagre que Deus mandou”. Já em relação à montaria, ela aparece como depositária do laço na sexta estrofe, “Cobri a anca do meu picaço”297, e na nona estrofe durante o salvamento, “Tirei o cipó da chincha do macho”.

O rural nesta moda aparece como um local onde, sob os olhos da divindade, as ações consideradas boas retornam inevitavelmente (“destino”) em escala maior ao sujeito da ação (como observado no caso do pai). Da mesma forma, como a habilidade do boiadeiro é recompensada com dinheiro e respeito. Além disso, o espaço doméstico é o local privilegiado para a formação e preparação do indivíduo para o mundo.

No documento Download/Open (páginas 159-162)