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PARTE I – REFERENCIAL TEÓRICO

CAPITULO 4. O Ensino pós-secundário de ciclo curto profissionalizante na construção de uma Área

4.1. Bologna Trends e documentos suplementares

A primeira referência ao desenvolvimento de ofertas de ensino pós-secundário de ciclo curto profissionalizante aparece no documento técnico-científico produzido na fase de preparação da reunião que antecedeu a aprovação da própria declaração de Bolonha: Trends in Learning Structures in Higher Education I, produzido por Guy Haug e Jette Kirsten, em 1999. Após uma análise exaustiva das principais tendências do Ensino Superior europeu, os autores reconheceram a importância da definição de um quadro comum de qualificações europeias, baseado em quatro níveis principais: i) o nível subgraduado ou de curta duração (short cycle), correspondente às formações de carácter profissionalizante de acesso imediato ao mercado de trabalho ou de preparação para níveis educativos superiores, com um máximo de dois anos; ii) o nível conducente ao grau de licenciado (entre 3-4 anos): iii) o nível conducente ao grau de mestre (2 anos) e por fim, iv) o nível conducente ao grau de doutor (3 anos). A inclusão destes quatro níveis, numa mesma matriz de qualificações, tinha como principal objectivo a construção de uma trajectória educativa progressiva, relativamente flexível e adaptada às várias necessidades emergentes.

14 “The purpose of this Convention is to develop mutual understanding among the peoples of Europe and reciprocal appreciation of

their cultural diversity, to safeguard European culture, to promote national contributions to Europe's common cultural heritage respecting the same fundamental values and to encourage in particular the study of the languages, history and civilisation of the Parties to the Convention. The Convention contributes to concerted action by encouraging cultural activities of European interest”. Para informação mais detalhada sobre a composição da Convenção, consultar o site oficial do Processo de Bolonha

A consideração de uma trajectória de ciclo curto foi justificada pelos autores pela emergência, nos últimos anos, destas ofertas nos vários sistemas de ensino superior europeus, e pelo reconhecimento do seu potencial de desenvolvimento futuro. Este percurso foi entendido à luz de uma trajectória de progressão educativa desejável, com a margem de flexibilidade necessária para permitir a entrada e saída do sistema consoante as necessidades individuais e colectivas, numa óptica de aprendizagem ao longo da vida.

A omissão de referências explícitas a estas ofertas, no quadro do debate da estrutura de qualificações europeia, nos documentos de suporte subsequentes15, motivou em 2003, o desenvolvimento de um estudo por parte da EURASHE (European Association of Institutions in Higher Education), sobre o ensino superior curto na Europa – Tertiary short cycle Education in Europe: A comparative study (Kirsch et al, 2003). É explicitamente referido neste estudo a ausência deste ciclo de ensino de curta duração e de natureza vocacional no debate da reestruturação educativa associado ao Processo de Bolonha. É igualmente explícita a referência à necessidade de o considerar enquanto componente fundamental de grande parte dos sistemas de ensino superior europeus, e por consequência, enquanto parte fundamental de um futuro quadro de qualificações europeu.

Hardly any attention has been paid to the links between tertiary short cycle education [TSC] and post- secondary education and the Bologna Process (Estudo EURASHE, Kirsch et al, 2003:7).

The eventual aim of this study is to promote that students and teachers from a substantial part of TSC education become an integrated part of higher education, by including TSC education in the Bologna- process and thereby enhancing the transparency and recognition of TSC education in Europe (idem:8).

While the Bologna process has lead to a substantial documentation about the First and Second Cycle Higher education, there has until now, been little focus on Tertiary Short Cycle education, although this kind of education constitutes a very important part of higher education system in several countries. (…) (ibid:10).

O estudo da EURASHE revelou a existência de um sector emergente e em franca expansão e consolidação no seio dos sistemas de ensino pós-secundários europeu, alertando simultaneamente para os efeitos negativos da sua negligência num processo de reestruturação educativa. Pela sua pertinência, destacam-se os seguintes pontos (Kirsch et al, 2003):

15 Trends in Learning Structures in Higher Education (II), de Guy Haug e Christian Tauch (2001), e Praga Communiqué – Towards the

• O subsistema educativo pós-secundário de ciclo curto profissionalizante representava, no conjunto de Estados-Membros signatários da declaração de Bolonha, 2.5 milhões de estudantes (dados de 2003);

• O subsistema em causa exerce um papel preponderante na democratização do acesso ao Ensino Superior, enquanto porta de acesso a públicos considerados como não-tradicionais, particularmente a indivíduos oriundos de meios sócio-económicos mais desfavorecidos;

• Em determinados contextos nacionais, caracterizados pela existência de uma cultura de confiança e cooperação entre agentes de desenvolvimento, este subsistema dá uma contribuição fundamental na resposta às necessidades do mercado de mão-de-obra especializada, bem como às necessidades individuais na procura de formação técnica e profissional específica. Adicionalmente, exerce um papel muito significativo na construção e desenvolvimento das comunidades locais, contribuindo para a produção e acumulação de conhecimento local e consequentemente, para o desenvolvimento sócio-económico;

• O ensino pós-secundário de ciclo curto profissionalizante dá igualmente uma contribuição bastante positiva no desenvolvimento da formação ao longo da vida, quer pelo reconhecimento da experiência profissional como um critério de acesso, quer pelas suas características organizativas, que contemplam o grau de flexibilidade necessário para se adaptarem às diferentes necessidades de aprendizagem individuais;

• O ensino pós-secundário de ciclo curto profissionalizante é igualmente uma porta de entrada a percursos de ensino superior mais avançados, funcionando como uma trajectória propedêutica com vista à progressão educativa.

Este estudo teve impacto na comunidade política europeia, resultando numa referência explícita a estes percursos, a primeira em termos políticos, no compromisso político decorrente da reunião ministerial de Berlim em Setembro de 2003:

Ministers invite the Follow-Up Group to explore whether and how shorter higher education may be linked to the first cycle of a Qualification Framework for the European Area of Higher Education (Berlin Communiqué, 2003:4).

Simultaneamente, esta declaração expressa a necessidade de operacionalizar de forma mais concreta e eficiente o processo de Bolonha, através da definição de um quadro de referência comum de qualificações para o espaço europeu, bem como da construção, a nível de cada Estado-Membro, dos respectivos quadros de qualificação nacionais.

A Conferência e declaração de Berlim, em 2003, marcam, desta forma, uma viragem na condução do processo de Bolonha, centrando-se nos seus aspectos mais operativos. Os documentos e eventos que se seguiram16 revelam esta faceta mais instrumental, reiterando a necessidade de definição de um quadro de referência comum de qualificações do espaço europeu, como parte integrante e fundamental da construção de uma Área Europeia Comum de Ensino Superior.

Esta dimensão mais operativa da condução do processo de Bolonha traduziu-se igualmente numa nova forma de abordagem ao modelo inicial de ciclos educativos, mais atenta e adaptada às várias realidades educativas europeias. À luz desta visão mais realista, a existência e a relevância educativa das ofertas de ensino pós-secundário de ciclo curto profissionalizante são reconhecidas.

Qualifications corresponding to successful completion of short cycle can be identified. Such short cycle qualifications are not universally employed and comparable qualifications do not exist in all national systems. (…) However, since short cycle qualifications are found in many countries it is important to give them a place in the framework. This will help for the mutual recognition of the qualifications between those States that have them. It will also help to develop recognition of short cycle qualifications in those states which do not use them in their national systems but who receive holders of such qualifications. (FQEHEA/BWGQF, 2005: 62).

Apesar deste reconhecimento, a adopção e integração formal de uma trajectória de ciclo curto de natureza profissionalizante, caracterizou-se, numa fase inicial, por alguma controvérsia.

While all the discussions underlined the need to endorse the concept of shorter Higher education purposes, there were, however, discussions of whether the short cycle within the first cycle should be indeed termed as a “cycle”. The main argument in favour of referring to short cycle higher education is perhaps that short higher education qualifications will enable their holder either to enter the labour market with a valued qualification or to continue their education. Whereas the main argument against is that referring to a short-cycle within the first cycle could cloud the view of an overall European Higher Education Area structure consisting on three main cycles. Whatever the solution is in the end preferred, we must not losing sight of the fact that the conference strongly supported the reality of short higher education as an option chosen by at least 2 million students in Europe (Bologna Conference on Qualifications Frameworks – Report by the General Rapporteur, Sjur Bergan, 2005:16).

16Trends IV: European Universities implementing Bologna (versão preliminar - EUA, 2004); Dublin Descriptors for Short Cycle, First

Cycle, Second Cycle and Third Cycle Awards (Joint Quality Initiative Group, 2004); A Report on a Framework for Qualifications of the European Higher Education Area (Bologna Working Group on Qualifications Framework, 2004); Final report and recommendations of the conference “Improving the recognition system of degrees and study credit points in the European Higher Education Area (Ed. Stephan Adam, 2004); Report of the Bologna conference on Qualifications Frameworks (Ed. Sjur Bergan, 2005).

Tendo presente os argumentos apontados, a integração de ofertas de ensino pós-secundário de ciclo curto profissionalizante no modelo de Bolonha deu-se através da consideração de um percurso educativo integrado no 1º ciclo de Bolonha, numa lógica de reconhecimento do modelo tripartido inicialmente definido (cf.Tabela 2). A sua adopção formal encontra-se reconhecida pelo Quadro de Qualificações para uma Área Europeia de Ensino Superior (FQEHEA – A Framework for Qualifications of the European Higher Education Area, 2005).

There are some awards that are made to students who have completed a programme of study within the Bologna first cycle, but which not represent the full extent of this cycle. Such awards may prepare the student for employment, while also providing preparation for, and access to, studies to completion of the first cycle. These awards are referred to as higher education short cycle (within the first cycle). National systems may have various qualifications within the first cycle. This descriptor is intended for a commonly found type and which often approximates to 120 ECTS credits or equivalent. (FQEHEA/BWGQF, 2005:148).

Tabela 2: European Higher Education Area: Short-cycle qualification descriptor

Outcomes ECTS Credits Short cycle (within or linked to the first cycle) Qualification

Qualifications that signify completion of the higher education short cycle (within or linked to the

first cycle) are awarded to students who:

• have demonstrated knowledge and understanding in a field of study that builds upon general secondary education and is typically at a level supported by advanced textbooks; such knowledge provides an underpinning for a field of work or vocation, personal development, and further studies to complete the first cycle;

• can apply their knowledge and understanding in occupational contexts;

• have the ability to identify and use data to formulate responses to well-defined concrete and abstract problems;

• can communicate about their understanding, skills and activities, with peers, supervisors and clients;

• have the learning skills to undertake further studies with some autonomy.

approximately 120 ECTS credits

Fonte: A Framework for Qualifications of the European Higher Education Area, pp:193

Apesar da sua integração no quadro europeu de qualificações do ensino superior, o reconhecimento político destas ofertas, na reunião ministrial subsequente – Conferência de Bergen, Maio 2005 – The European Higher Education Área – Achieving the Goals, não se concretizou. No quadro de organização do sistema de graus de Bolonha, estas ofertas foram referenciadas como qualificações intemédias, sem referência explícita ao seu conteúdo vocacional ou de curta duração.

We adopt the overarching framework for qualifications in the EHEA, comprising three cycles (including, within national contexts, the possibility of intermediate qualifications), generic descriptors for each cycle based on learning outcomes and competences, and credit ranges in the first and second cycles (Bergen Communiqué, 2005:2).

Nos documentos e declarações que se seguiram após a conferência ministerial de Bergen17, a inexistência de referências explícitas a este tipo de ofertas mantem-se. O seu reconhecimento (implícito) é assumido apenas mediante a aceitação do Quadro Europeu de Qualificações, onde estas ofertas foram contempladas.

Importa, a título conclusivo, referir que, do ponto de vista político, com a excepção da declaração ministrial de Berlin em 2003, nunca houve uma manifestação clara da importância destas ofertas de ciclo curto profissionalizante no quadro de desenvolvimento de uma Área Europeia de Ensino Superior. A sua consagração deve-se à sustentação técnico-científica decorrente dos vários estudos de suporte realizados. As razões na base desta omissão ficaram por explorar.

O reforço da formalização educativa destas ofertas dá-se em 2008, através da aprovação do Quadro de Qualificações Europeu para a Aprendizagem ao Longo da Vida (Lifelong Learning), pelo Parlamento e Conselho Europeu18. Entendido como um quadro conceptual de qualificações mais inclusivo, e como resposta a uma necessidade de maior transparência na oferta e na organização de percursos educativos e profissionais, o Conselho e o Parlamento Europeu, recomendaram a definição de um quadro de referência de qualificações conjugando a vertente vocacional e profissional e a vertente educativa, esta última em estreita compatibilidade com o Quadro de Qualificações para a Área Europeia de Ensino Superior. Na proposta apresentada, o percurso de ensino pós-secundário de ciclo curto profissionalizante é igualmente reconhecido, ocupando o nível 5 de uma estrutura composta por 8 níveis, sendo que os três últimos correspondem ao 1º, 2º e 3º ciclos de Bolonha, respectivamente (cf. Tabela 3).

Estabilizado todo um processo de discussão a nível macro-político, a configuração e consolidação de ofertas de ciclo curto profissionalizante, em estreita articulação com o 1º ciclo do modelo de Bolonha, estão, actualmente, sob a inteira responsabilidade dos Estados-Membros, e da respectiva definição dos seus quadros de qualificações nacionais. Caberá a cada um deles a decisão de reconhecer formalmente e desenvolver estas trajectórias educativas, de acordo com as suas próprias expectativas e necessidades,

17 Documento preparatório da conferência de Londres: Bologna Trends V: Universities shaping the European Higher Education Area

(2007); Comunicação Ministeral de Londres 2007 – Towards the European Higher education Área: Responding to challenges in a globalised world; e Comunicação Ministeral de Leuven e Llouvain-la-Neuve 2009 – The European Higher education Area in the new decades.

18 Recomendação do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Abril de 2008 relativa à instituição do Quadro Europeu de

sabendo de antemão das suas potencialidades enquanto instrumento de coesão e equidade social e de desenvolvimento económico.

Tabela 3: Indicadores de definição dos níveis do Quadro Europeu de Qualificações (QEQ) (nível 5)

Conhecimentos Aptidões Competências

Nível 5 (*)

Resultados da aprendizagem correspondentes ao nível 5:

Conhecimentos abrangentes, especializados, factuais e teóricos numa determinada área de estudos ou de trabalho e consciência dos limites desses conhecimentos.

Uma gama abrangente de aptidões cognitivas e práticas necessárias para conceber

soluções criativas para

problemas abstractos.

Gerir e supervisionar em contextos de estudo ou de trabalho sujeitos a alterações imprevisíveis.

Rever e desenvolver o seu desempenho e o de terceiros.

Fonte: Recomendação do Parlamento Europeu e do Conselho de 23 de Abril de 2008 relativa à instituição do Quadro Europeu de Qualificações para a aprendizagem ao longo da vida (2008/C 111/01)

(*) O descritor do ciclo mais curto do ensino superior (no âmbito do primeiro ciclo ou a ele associado), elaborado no contexto da iniciativa conjunta para a qualidade no quadro do processo de Bolonha, corresponde aos resultados da aprendizagem no nível 5 do QEQ.