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Nota Introdutória: A Guerra Civil Americana e o período da Reconstrução

PARTE II – ESTUDOS DE CASO

5.2. Community Colleges Americanos

5.2.1. Nota Introdutória: A Guerra Civil Americana e o período da Reconstrução

Em meados do séc. XIX um conjunto de divergências políticas, económicas e sociais emergiu entre os Estados do Norte e do Sul do país. Central a este contexto divergente foi o tema da escravatura afro- americana, persistente nos Estados a sul do país, utilizada sobretudo como mão-de-obra na exploração agrícola do algodão, tida como umas das principais actividades económicas na geração da riqueza nacional. Estas divergências motivaram o início de um conflito armado em 1861, entre o território Norte e Sul do País, que só veio a terminar em Abril de 1865, com a vitória do Norte.

A Guerra Civil foi uma das mais sangrentas da história dos EUA, contabilizando cerca de 620 mil soldados mortos e um número indeterminado de vítimas civis. Os seus principais legados foram o fim da escravatura afro-americana, a restauração da União dos Estados e o reforço do governo federal (Athearn, 1988). São vários os autores que defendem que o legado político e sócio-económico da guerra civil foi decisivo para o alcance dos objectivos da reconstrução social e económica que se seguiu, e determinante para a construção da actual superpotência americana (Brint e Karabel, 1989; Dougherty, 2002; Cohen e Brawer, 2003).

O período Pós-Guerra civil foi caracterizado por uma forte recessão, mas simultaneamente por um grande espírito de reconstrução identitária e sócio-económica. Neste período, os movimentos cívicos e políticos em defesa dos direitos de voto e cidadania para os antigos escravos americanos, adquiriram uma relevância central. Simultaneamente deu-se a emergência daquilo que Mark Twain designa como Gilded Age, ou seja, um fenómeno de crescimento e expansão massivo do sector industrial (Zinn, 2003).

Segundo o autor, assistiu-se, do ponto de vista económico e em paralelo a esta expansão industrial, à concretização de um conjunto de investimentos complementares, de índole infraestrutural e de actividades de suporte. Simultaneamente, assistiu-se a uma mudança significativa da estrutura social do pré-guerra: por um lado, deu-se a emergência de uma classe social privilegiada, constituída pelos grandes proprietários industriais e que concentrou uma parte substancial da riqueza nacional; por outro lado, assistiu-se ao aparecimento de uma nova classe proletária, que absorveu uma grande maioria da mão-de-obra escrava libertada, bem como as correntes massivas de imigração europeia que se assitiram neste período de consolidação e expansão económica (Zinn, 2003).

No contexto de transformação social e económica identificado, assistiu-se igualmente a uma alteração profunda do funcionamento da sociedade americana, observando-se, por um lado, a emergência de movimentos filantrópicos, associados às famílias mais abastadas, e de onde decorreram grandes

investimentos nos domínios da educação, saúde e cultura; e por outro lado, a emergência dos primeiros movimentos organizados de trabalhadores, associados ao novo proletariado industrial, e de onde resultaram as primeiras greves nacionais (Zinn, 2003).

O período de reconstrução do pós-guerra caracterizou-se, assim, por uma profunda alteração da base económica nacional, de uma economia sustentada pela actividade agrícola em prol de uma economia industrial, e pela emergência e consolidação de uma nova estrutura social, marcada pela presença de uma nova classe de trabalhadores, mais activa e organizada.

Central ao movimento de reconstrução, foi o tema da reposição dos ideais do “self-made men” e do “Americam dream”, abalados durante o conflito civil, e cuja relevância no clima social emergente ganhou contornos especiais. Mais do que garantir a distribuição equitativa da riqueza, sobretudo pelas classes sociais de base emergentes, o objectivo político baseou-se na procura de soluções que permitissem o acesso por todos, sem preconceitos e descriminações, às mesmas oportunidades de ascensão social e económica (Brint e Karabel, 1989). Segundo os autores, no contexto das soluções encontradas, destaca-se a contribuição de Andrew Carnegie, um magnata e filantropo associado à indústria do ferro, que defendeu que a resolução do problema da concentração da riqueza e do crescente desequilíbrio social passaria pela construção de oportunidades educativas de progressão individual. Segundo Carnegie, a concretização destas oportunidades pressupunha profundas alterações na organização e funcionalidade do sistema educativo americano, no sentido da sua maior abertura e expansão (Brint e Karabel, 1989).

É num contexto de crescente desigualdade entre ricos e pobres e de novos desafios de ordem social e económica, que a criação de um sistema educativo mais inclusivo, enquanto fonte de oportunidades de sucesso individual, foi assumida como uma das soluções determinantes para a manutenção do sonho americano. Com um papel central nesta nova reorganização educativa destaca-se a criação dos Community Colleges, que pelas suas especificidades organizacionais e programáticas tornariam, desde muito cedo, o sistema de ensino superior americano um dos mais eficazes do mundo (Brint e Karabel, 1989; Dougherty, 2002; Cohen e Brawer, 2003).

Segundo os autores, numa primeira fase de desenvolvimento, no início do séc. XX, os Community Colleges concentraram-se na oferta de cursos académicos preparatórios, i.e, cursos de preparação para o ingresso num 4-year college ou universidade – que passaremos a designar por missão propedêutica -, de forma a responder às solicitações sociais de um maior acesso ao ensino pós-secundário. Esta estratégia educativa estava subjacente à ideia inicial de que os Community Colleges constituíam uma porta de acesso ao ensino superior para aqueles que, por motivos económicos, não possuíam condições suficientes para um ingresso

directo, numa lógica de democratização e igualdade de oportunidades. Esta estratégia durou sensivelmente quatro décadas.

No entanto, um conjunto de alterações sócio-económicas profundas, em meados do século XX, ditou a mudança de estratégia educativa dos Community Colleges. Em resposta às necessidades e ambições emergentes, a solução encontrada passou por um reforço significativo da sua missão vocacional (adiante também designado por estratégia do vocacionalismo ou apenas vocacionalismo), no sentido da valorização de uma educação prática e profissionalizante, de natureza intermédia (Brint e Karabel, 1989; Dougherty, 2002; Cohen e Brawer, 2003).

Os próximos subcapítulos apresentam de forma mais detalhada os contornos da evolução organizacional e educativa dos Community Colleges, em resposta às perguntas definidas no guia de acção.