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CETs – evolução do enquadramento legislativo

PARTE II – ESTUDOS DE CASO

CAPÍTULO 6. O Ensino pós-secundário de ciclo curto profissionalizante em Portugal

6.2. O ensino pós-secundário de ciclo curto profissionalizante em Portugal

6.2.1. CETs – evolução do enquadramento legislativo

A primeira referência aos CETs deu-se no Decreto-Lei nº 70/93 de 10 de Março que, em revogação do Decreto-lei nº 26/89 de 21 Janeiro, “estabelece o regime de criação, organização e funcionamento das escolas profissionais no âmbito do ensino não-superior, como modalidade especial de educação escolar” (Artigo 1º). No artigo 14º, alíneas 1 e 2 deste decreto-lei, prevê-se a oferta, por parte destas entidades, de cursos de especialização tecnológica ou artística, realizados em contacto directo com a actividade produtiva e empresarial, exigindo a celebração de protocolos específicos entre a escola profissional formadora, uma instituição de ensino superior e uma associação empresarial ou profissional do respectivo sector de actividade. Nada é, no entanto, regulamentado no que respeita a uma organização específica dos CETs, estando apenas previsto, a sua organização num sistema de créditos, com a duração de um a três semestres e a realização de um estágio final (Alínea 5, Artigo 14º). O aproveitamento com sucesso de um CET traduz- se na aquisição de um diploma de especialização tecnológica.

Nesta primeira abordagem legislativa, os CETs apareceram posicionados no âmbito de um regime de educação especial – o ensino profissional.

O primeiro diploma legal de referência explícita aos CETs, enquanto ofertas autónomas, data de 1995 – Portaria 1227/95 de 10 de Outubro, de “regulamentação dos CETs” (Artigo 1º). No preâmbulo desta portaria, a criação destas ofertas é justificada com base na necessidade de “adopção de estratégias que privilegiem o investimento no alongamento das formações de nível secundário e a inclusão desde o seu início de fortes componentes de formação científica e tecnológica, susceptíveis de promover a polivalência funcional e de

permitir uma diferenciação terminal, ou pós-terminal, tão próxima quanto possível dos contextos reais de trabalho”. No âmbito da presente portaria, os CET são considerados formações pós-secundárias não- superiores, e quando realizados com aproveitamento, conferem o diploma de especialização tecnológica de qualificação profissional de nível III (alínea 2 do Artigo 3º). O acesso aos CETs é permitido a alunos com uma formação profissional inicial de nível III71, por alunos com diploma de estudos secundários ou equivalente (mas sem formação profissional inicial de nível III), por alunos com o 11º ano dos cursos complementares diurnos, dos cursos técnico-profissionais e dos cursos secundários e por alunos com o 2º ano dos cursos complementares nocturnos liceal e técnicos72 (Artigo 2º). Do ponto de vista das entidades promotoras destas ofertas, são contempladas as escolas secundárias, as escolas profissionais, os centros de formação profissional de gestão directa ou participada (IEFP), as escolas tecnológicas e empresas ou associações empresariais (alínea 1, Artigo 6º). Note-se, portanto, que numa primeira fase, as instituições de ensino superior não foram contempladas como entidades formadoras, estando apenas estipulada a obrigatoriedade de celebração de protocolos para efeitos de prosseguimento de estudos para o nível superior (alínea 12, Artigo 6º). De igual importância é o facto de estar igualmente regulamentada a obrigatoriedade de celebração de protocolos com empresas ou associações empresariais que impliquem o seu envolvimento na concepção, gestão e avaliação dos cursos, facto que releva a natreza profissionalizante destas ofertas e do seu posicionamento próximo e articulado com as necessidades do mercado de trabalho (alínea 3, Artigo 5º). A tutela destes cursos é colocada sobre a responsabilidade do Ministério da Educação, do Ministério do Emprego e da Formação Profissional e do Ministério da tutela da formação específica contratualizada, quando se mostrar necessário.

Um segundo momento de evolução e consolidação dos CETs no contexto educativo e formativo nacional deu-se pela Portaria 989/99 de 12 de Abril, que revogou a Portaria 1227/95. Esta revogação foi justificada pela ocorrência de um conjunto de constrangimentos à implementação destes cursos pelas autoridades competentes.

71 Mediante aproveitamento de cursos tecnológicos do ensino secundário ou dos cursos profissionais e de aprendizagem das escolas

profissionais.

72 Aos diferentes públicos-alvo estão associadas diferentes modalidades de frequência dos CETs, bem como diferentes durações e

diplomas. Assim, a título de exemplo, aos alunos com o 12 ano completo ou equivalente e com formação profissional inicial de nível III é atribuído um diploma de especialização tecnológica, ao passo que aos alunos com apenas o 11º ano à data da entrada, é-lhes

Os princípios que nortearam a elaboração da Portaria nº 1227/95, de 10 de Outubro, que regulamenta os cursos de especialização tecnológica no contexto das formações pós-secundárias não superiores, mantêm-se actuais e enquadráveis nas orientações definidas do Plano Nacional de Emprego. Contudo, a sua aplicação pelas diversas escolas e entidades que, entretanto, têm vindo a dinamizar esta oferta revelou estrangulamentos que a presente portaria visa ultrapassar (…) (Portaria 989/99, de 3 de Novembro, Preâmbulo).

Relativamente à portaria anterior, a Portaria 989/99 introduz algumas melhorias no sentido de acomodar as falhas pré-existentes, e que, globalmente se consagraram:

• no estabelecimento de margens de flexibilidade curricular de forma a facilitar a aproximação da formação às reais necessidades do mercado de trabalho;

• no acolhimento de modos de organização e funcionamento que permitiram o enquadramento de experiências formativas diferenciadas;

• numa articulação com o Sistema Nacional de Certificação Profissional,

• na possibilidade de um acesso específico ao ensino superior.

Do ponto de vista prático, a alteração mais significativa prendeu-se com a alteração da natureza profissional subjacente a estas ofertas que, mantendo-se como formações pós-secundárias não superiores, passaram agora a contemplar a obtenção de uma qualificação profissional de nível IV (alínea 3, Artigo 1º). Adicionalmente, passaram a dar acesso a um certificado de aptidão profissional (CAP), em consonância com o Sistema Nacional de Certificação Profissional.

A alteração da natureza profissional dos CETs provocou, em consequência, um conjunto de alterações ao nível do regime de acesso, funcionamento e organização das ofertas formativas, destacando-se como as mais relevantes:

• Os CETs deixam de estar acessíveis a indivíduos com apenas o 11º ano de escolaridade, passando a ser obrigatório a aquisição de um diploma de ensino secundário completo. Assim, o acesso aos CETs é restringido a indivíduos com o 12º ano do ensino secundário, ou o equivalente profissional de nível III, na área de especialização do CET ao qual se candidatam. São igualmente elegíveis os indivíduos com o 12º ano incompleto, que tenham em atraso até um máximo de duas disciplinas que não integrem conteúdos considerados de precedência na estrutura curricular do CET para que se candidatam (Artigo 3º);

• No quadro das entidades competentes, a maior alteração deu-se ao nível da retirada das escolas tecnológicas enquanto instituição elegível de formação, continuando de fora as instituições de ensino superior (alínea 1, Artigo 6º). Estas estão, porém, contempladas no campo das oportunidades de progressão educativa, uma vez mais pela via da celebração de protocolos. Adicionalmente, o acesso ao ensino superior foi, pela primeira vez, regulamentado, através da

possibilidade de definição de contingentes especiais de acesso que privilegiam os indivíduos com os diplomas de especialização tecnológica (alínea 3, Artigo 9º).

• A ligação com os agentes económicos manteve-se privilegiada, pela obrigatoriedade de celebração de protocolos entre as entidades de formação e estes agentes, como requisito de registo e aprovação pelas autoridades competentes (alínea 3, Artigo 5º).

• A tutela manteve-se no Ministério da Educação, do Ministério do Trabalho e da Solidariedade e da tutela da respectiva área de formação dos CETs (alínea 1, Artigo 4º).

Decorridos dois anos de vigência desta portaria, deu-se a sua alteração pela portaria nº 698/2001 de 11 de Julho. Segundo esta portaria, todo o regulamento veiculado pela portaria anterior, Portaria nº 989/99, de 12 de Abril, é mantido com a excepção das entidades promotoras, onde se adiciona, uma vez mais, à lista das entidades formadores elegíveis para oferta de CETs73, as escolas tecnológicas74.

Em 2002, deu-se a segunda alteração à Portaria 989/99 de 3 de Novembro, com a publicação da Portaria 392/2002, de 12 de Abril. Estas alterações formalizaram-se, por um lado, na revisão do enquadramento jurídico relativamente ao alargamento da esfera de recrutamento dos candidatos aos CETs, e, por outro, na obrigatoriedade de celebração de protocolos com entidades de ensino superior para acreditação das competências formativas adquiridas no CET para efeitos de candidatura ao ensino superior.

O aumento do leque de recrutamento fez-se pela via do alargamento das condições de elegibilidade do acesso, ao permitir, mediante condições especiais: i) a candidatura de indivíduos que não possuam o ensino secundário completo ou formação profissional equivalente; ii) de indivíduos com idade superior a 25 anos com três ou mais anos de experiência profissional no âmbito da formação do CET ao qual se candidatam; e iii) de indivíduos que tenham completado com aproveitamento uma ou mais unidades curriculares de um plano de estudos de um curso de ensino superior (Artigo 3º). Esta intenção de alargamento está igualmente contemplada, embora de forma implícita, no fim da obrigação da sequencialidade dos CETs, passando agora a formações pós-secundárias não-superiores, em detrimento de “formações pós-secundárias não superiores a desenvolver na mesma área, ou área de formação afim àquela a que o candidato obteve qualificação profissional de nível III” (Portaria 989/99, de 3 de Novembro, alínea 2, Artigo 1º).

A grande novidade desta portaria é a consideração, pela primeira vez, das instituições do Ensino Superior como entidades promotoras de CETs, mediante a devida autorização dos ministros da tutela (Educação, Trabalho e Solidariedade e Ministro na área de formação do CET a candidatar) (alínea 2, Artigo 6º). É também reforçada a componente científico-tecnológica destes cursos, em detrimento da sua componente

73 Escolas secundárias, escolas profissionais e centros de formação profissional com gestão directa ou participada.

científico-cultural75, centralizando a importância destas ofertas num contexto de formação de natureza mais prática e aplicada.

A evolução, até ao presente, do quadro legislativo dos CET termina com a publicação do Decreto-Lei nº 88/2006, de 23 de Maio, de regulação dos CETs, que marca o reconhecimento e a dignificação formal das ofertas de ensino pós-secundário não superior, do ponto de vista político, pela via da atribuição de um estatuto legislativo superior e autónomo76.

Este reconhecimento formal é traduzido por um conjunto de alterações profundas no quadro de funcionamento e organização dos CET, e justificado por um novo enquadramento destas ofertas num quadro de competitividade e progresso social e económico global. Assim, evocando, pela primeira vez, objectivos de expansão e democratização de oportunidades educativas77 ao nível do ensino superior, o Governo assume, por um lado, a necessidade de alargar a oferta de formação ao longo da vida e a sua extensão para novos públicos, e, por outro, a necessidade de envolver as instituições de ensino superior, “na dupla perspectiva e articulação entre os níveis secundário e superior de ensino e creditação, para efeito de prosseguimento de estudos superiores, da formação obtida nos cursos de especialização pós-secundária” (Decreto-Lei nº 88/2006, de 23 de Maio, Preâmbulo). O reforço dos CETs é igualmente justificado pela presença de um enquadramento político favorável, concretizado pela iniciativa “Novas Oportunidades”, inserido no Plano Nacional de Emprego, cuja missão é promover o ensino secundário profissionalizante78.

Mas o que estipula, na prática, este decreto-lei, e quais as alterações mais relevantes face ao enquadramento legislativo anterior?

Os CET mantêm-se cursos pós-secundários não superiores que visam a aquisição de nível IV de formação profissional, continuando a poder ser assegurados por um conjunto de instituições de índole diversa79. Contudo, no âmbito das entidades formadoras, especial destaque é dado ao papel das instituições de ensino

75 O plano de formação dos CET é alterado, passando a componente de formação científico-cultural a ter um peso de 15% (ao invés

de 25% estipulado pela portaria anterior) e a componente de formação cientíco-tecnológica um peso de 85% (artigo 7º).

76 Relembra-se que, até então, a regulamentação dos CET tinha vindo a ser feita mediante a publicação regular de portarias. Com a

publicação do Decreto-Lei nº 88/2006 de 23 de Maio, os CETs ganham, pela primeira vez, um espaço legislativo de organização e funcionamento privilegiado.

77 Pela primeira vez é evocada uma justificação de foro social à definição destas trajectórias, em detrimento de argumentos

puramente economicistas (no entanto estes mantêm-se como pertinentes).

78 A consideração de uma trajectória pós-secundária curta vocacional justifica-se, no âmbito deste programa, enquanto a definição de

uma oportunidade de progressão educativa, alternativa ao ensino superior.

79 Os CET podem ser ministrados por: a) estabelecimentos de ensino públicos e particulares ou cooperativos com autonomia ou

paralelismo pedagógico que ministrem cursos de nível secundário de educação; b) estabelecimentos de ensino superior públicos, particulares ou cooperativos; c) centros de formação profissional da rede sob a coordenação do Instituto de Emprego e Formação Profissional, de gestão directa ou participada; d) Escolas tecnológicas (…), e) Outras instituições de formação acreditadas pelo Ministério do Trabalho e Solidariedade” (Decreto-lei nº 88/2006, de 23 de Maio, Artigo 19º)

superior, pela via da alteração produzida na Lei de Bases do Sistema Educativo pela Lei nº 49/2005, de 30 de Agosto. Com efeito, a publicação da Lei nº 49/2005 de 30 Agosto, estabelece pela primeira vez uma trajectória de formação pós-secundária não superior, no âmbito da missão geral do Ensino Superior, visando a formação profissional especializada, por via do aditamento do artigo 13ºC à lei nº 46/86 de 14 de Outubro (Lei de Bases do Sistema Educativo). Esta importância acrescida do papel do ensino superior na oferta de CETs levanta algumas questões de índole organizacional e institucional que analisaremos mais adiante.

Relativamente ao enquadramento legislativo anterior, as alterações mais significativas reflectem-se ao nível de:

a) Organização da estrutura dos cursos, valorizando de forma mais pertinente a componente de formação tecnológica (artigos 14º, 15º, 16º, 17º e 18º)

b) Alteração das condições de acesso, considerando a habilitação de referência o ensino secundário, mas prevendo algumas excepções: indivíduos com idades superiores a 23 anos com experiência reconhecida; indivíduos com formação de nível 3 mas sem ensino secundário; indivíduos sem o 12º ano completo; e indivíduos que procurem uma requalificação profissional (tendo previamente obtido aprovação num CET ou num curso de ensino superior) para efeitos de incremento de níveis de empregabilidade80 (Artigo 7º);

c) Consideração da experiência profissional anteriormente obtida como um critério elegível de atribuição directa de um diploma de especialização tecnológica (Artigo 24º);

d) Simplificação do processo administrativo de criação e autorização de funcionamento dos CET, passando estes para a tutela do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, sob coordenação directa do Director Geral do Ensino Superior para a apreciação e aprovação dos registos;

e) Modificação do regime de acesso ao ensino superior para os titulares de um diploma de especialização tecnológica, no sentido de uma maior facilitação.

A maior novidade introduzida pelo Decreto-Lei 88/2006, de 23 de Maio, traduz-se num claro privilégio das intuições de ensino superior enquanto principais promotoras da oferta de CETs.

Por um lado, não obstante a consideração de outras entidades de educação neste domínio, é óbvia a vantagem das instituições de ensino superior. Em primeiro lugar, apresentam um maior número e qualidade de recursos disponíveis para a formação; em segundo lugar, detêm um posicionamento privilegiado no que respeita às condições de progressão educativa regulamentadas, por se apresentarem simultanemanete como instituições promotoras de ofertas educativas de natureza superior.

Por outro lado, a passagem da Autoridade de Gestão e Supervisão, com funções ao nível do registo e reconhecimento dos CETs, para a alçada do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, vem reforçar o posicionamento dos CETs na missão e organização do ensino superior, fragilizando, consequentemente, o seu posicionamento em outras instituições.

O novo decreto-lei vem, assim, reposicionar a política de ensino pós-secundário de ciclo curto profissionalizante nacional numa lógica mais abrangente do ensino superior, criando-lhe um novo conjunto de condicionantes organizativas e funcionais81.

Os CETs aparecem no cenário educativo nacional como forma de resposta a necessidades económicas, num quadro de manifesta carência de formação profissionalizante de nível intermédio.

A sua evolução fez-se sobretudo pela via de alterações ao seu enquadramento formal no sistema educativo e formativo nacional, e ao nível das suas condições de acesso, funcionamento e organização programática e institucional. De relevar, pela sua importância, esta dimensão institucional. Contemplados, numa primeira fase de evolução, por um conjunto de entidades formativas, a sua evolução tem vindo, contudo, a ditar a sua institucionalização gradual no âmbito da missão das instituições de ensino superior.

Apesar da necessidade de um posicionamento claro destas ofertas no cenário educativo institucional, à semelhança dos casos americano e irlandês, não é claro que a sua consideração sob a alçada do ensino superior se mostre a melhor opção dentro de um conjunto de soluções disponíveis. Remetemos para mais tarde algumas considerações sobre esta matéria, de acordo com os resultados das evidências recolhidas durante a elaboração do estudo empírico.