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2. DO DIREITO DE PROPRIEDADE NO BRASIL: TRATAMENTO LEGAL (1500-

2.1 BRASIL: 1500 A 1822

O território que viria a ser o Brasil começou a ser partilhado antes mesmo de seu “achamento”. Desde 1436 as terras conquistadas dos infiéis eram distribuídas ora a Portugal ora a Espanha. A Espanha que recebera em 3 de maio de 1493 a

➱ ✃ ❐ ❒❮✃ ➱❐❰ “ilhas e terras firmes achadas e por achar, descobertas ou por ➱ Ï❰ Ð✃ Ñ ÒÓÒ”

103 situadas a 100 léguas ao Leste das ilhas de Cabo Verde, no ano

Ô ✃❰ ÕÏÒÓ✃ÒÖ× Ó ÒØ✃ ÙÏØÚ✃rdesilhas tratado com Portugal, alterando este limite para 370 ÛÜ ÝÙ❐❰

104.

Mesmo com o Tratado de Tordesilhas, a propriedade portuguesa sobre as terras americanas permanecia contestada105 e a coroa lusitana, temendo perder seu ainda desconhecido território, organizou expedição para aferir as terras além-mar. Portugal também esperava descobrir metais preciosos, tal como ocorrera no território espanhol. Em 22 de abril do ano 1500, o Brasil foi então “descoberto”.

No entanto, não encontrando a riqueza mineral, a exploração e defesa da costa brasileira poderiam ter se tornado inviáveis, pois a atividade econômica inicialmente adotada na América – a extração de pau-brasil – necessitava ser substituída por outra mais rentável e que exigisse a fixação de população. E foi o açúcar, com seus engenhos, com as enormes propriedades que estes exigiam e a mão de obra escrava, o provável responsável pela manutenção das terras106.

Desse modo, a exploração econômica que começara com o sistema de feitorias, foi, em 1532, alterada para o de capitanias hereditárias. Também, no ano de 1532, fundou-se a primeira cidade do território brasileiro, São Vicente.

103 Bulas Rex Regum de 1436, Sti suscept de 1442, Inter caetera de 1456, Aeterni Regis de 1481 e

em, 1493 a Inter caetera (de 3 de maio), a Eximiae devotionis e a Intercaetera (de 4 de maio) (LACERDA, Manoel Linhares de. Tratado das terras do Brasil. v. I. Rio de Janeiro: Alba, 1960. p. 34- 35.).

104 Portugal não aceitou as disposições territoriais impostas e firmou com a Espanha o Tratado de

Tordesilhas, alterando o limite estabelecido.

105 Além de Portugal e Espanha que discutiam os limites acordados, a França, por exemplo, não

reconhecia o Tratado de Tordesilhas e sustentava que era possuidor de uma área quem a efetivamente a ocupasse (FAUSTO, Boris. História do Brasil. 6. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo/ Fundação do Desenvolvimento da Educação, 1998. p. 43.).

106 FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p.

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As capitanias hereditárias ou donatarias eram doações da coroa portuguesa do direito de explorar o território recém-descoberto a indivíduos escolhidos. Foram estabelecidas quinze donatarias que teriam a largura de 50 léguas no litoral e deveriam se estender por igual medida rumo ao interior107.

Dentre as regalias dos donatários, outorgadas como recompensa pela colonização e cobrança de impostos sobre a exploração, encontravam-se: o recebimento do título de capitão e governador; a propriedade, bem como o poder de autorizar a instalação de engenhos e salinas; a cobrança de impostos ou, mesmo nos casos em que a Metrópole os arrecadava, o recebimento de uma parte destes; o monopólio da escravidão indígena; o exercício da jurisdição criminal (em conjunto com o ouvidor criminal); e a autorização para a criação de vilas108.

Destaca-se, entretanto, que os donatários não eram proprietários das terras e que estas seriam transmitidas indivisamente a um único herdeiro, prioritariamente, ao filho varão mais velho. Esta figura jurídica tinha sua fonte nas ordenações e recebia o nome de sesmaria109.

De acordo com o Título LXVII, do Quarto Livro das Ordenações Manuelinas:

SESMARIAS são propriamente aquelas que sejam de terras, casas, ou pardieiros, que foram ou são de alguns senhorios, e que já em outro tempo foram lavradas e aproveitadas, e agora o não são, as quais terras, e os bens ali danificados e destruídos, podem e devem ser dados de Sesmarias para os Sesmeiros que para isto forem ordenados, os quais Sesmeiros a Nós somente pertence de os dar, e por nos Lugares onde houver terras e bens de raiz, que de Sesmaria se devam dar; e se as terras, onde de as Sesmarias houverem de dar, forem foreiras ou tributárias a Nós, ou À Coroa de Nossos Reinos, quer se os foros e tributos arrecadem para Nós, quer para outrem, a que Tenhamos dado, Acostumamos dar por Sesmeiros os Nossos Almoxarifes dos Lugares, ou Almoxarifados onde, os tais bens, ou terras estiverem110. (atualização livre)

Além de trazer a definição jurídica de sesmaria e estipular as obrigações dos sesmeiros, o citado diploma continha ainda diversas determinações concernentes ao instituto. Havia, por exemplo, a permissão de se instituírem sesmarias em terras

107 A demarcação das áreas não foi na prática seguida (FREIRE, Felisbello. História territorial do

Brazil. ed. fac-similar. Salvador: Secretaria da Cultura e Turismo; Instituto Geográfico e Histórico da

Bahia, 1998. p. 5 -10).

108 LACERDA, op.cit., p. 111- 114. 109 Ibid., p. 113 -117.

110 PORTUGAL. Ordenações Manuelinas. Quarto Livro, Título LXVII. Das Sesmarias. In: PORTUGAL.

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jamais aproveitadas e também a possibilidade de pessoas perderem suas propriedades se, depois de notificadas, não as aproveitassem111. Ou seja, acaso o

enfiteuta não cumprisse com os objetivos estatais, perderia seu direito. Tais disposições foram também mantidas nas Ordenações Filipinas.

Os privilégios dos donatários estavam descritos na carta de doação da capitania e no foral que era um “contrato enfitêutico pelo qual aqueles que recebessem as sesmarias se constituíam perpétuos tributários da coroa portuguesa”112.

Já naquele tempo, foi feita uma opção pelas grandes propriedades monocultoras e agroexportadoras, pois estas possibilitavam a produção em larga escala e permitiam a existência de excedentes a serem comercializados no mercado internacional, uma vez que a colônia deveria contribuir com a autossuficiência econômica da metrópole113.

Excetuando-se as capitanias de São Vicente e Pernambuco, o sistema das donatarias fracassou e, em 1549, foi estabelecido um governo central no Brasil. Nesta época existiam cerca de 17 (dezessete) povoações e foi fundada a cidade de São Salvador para ser a sede administrativa da colônia114e115.

Inicialmente, a colonização se restringiu à área litorânea, com os portugueses “arranhando ao longo do mar como caranguejos”116. A ocupação costeira do

território visava principalmente a evitar as ocupações estrangeiras, notadamente a francesa e a holandesa. Posteriormente, o território foi sendo melhor explorado e os limites de Tordesilhas foram reafirmados e depois expandidos.

O Tratado de Ultrecht, de 1661, garantia a posse portuguesa do território brasileiro em detrimento dos holandeses e impunha aos franceses o dever de neutralidade em relação à área.

Já o Tratado de Madri, de 1750, estabelecia o princípio do uti possidetis, advindo do direito romano e determinador de que a posse garantiria o território para

111 Ibid., p. 164-74.

112 ALMEIDA, Agassiz. 500 anos do povo brasileiro: uma visão crítica. São Paulo: Paz e Terra, 2001.

v.1. p. 133.

113 FAUSTO, op.cit., p. 47-48, 55. 114 ALMEIDA, op.cit., p. 142-143. 115 FAUSTO, op.cit., p. 45-47.

116 “Da largura que a terra do Brasil tem para o sertão não trato, porque até agora não houve quem a

andasse, por negligência dos portugueses que, sendo grandes conquistadores de terras, não se aproveitam delas, mas contentam-se de as andar arranhando ao longo do mar como caranguejos.” (SALVADOR, Vicente do, Frei. História do Brazil. 1. ed. 3. reimp. Curitiba: Juruá, 2011. p. 39.)

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o Estado e que seus ocupantes apenas a exerceriam em nome deste117. Dessa

forma, os territórios além da raia de Tordesilhas, que eram explorados ilegalmente pelos portugueses, passaram à jurisdição lusitana.

Em 1808, fugindo das guerras napoleônicas, a família real e a corte portuguesa, composta de cerca de 15.000 (quinze mil) pessoas, aportaram no Brasil. Dentre as inúmeras consequências positivas desse evento podemos citar a abertura dos portos, a criação da casa de suplicação, a permissão de qualquer tipo de indústria, a criação da imprensa régia e do Banco do Brasil.

No entanto, a corte necessitava ser abrigada e as novas atividades econômicas que passaram a ser permitidas também necessitavam ser alocadas. Com esta finalidade, foram editados diversos decretos desapropriatórios em nome do príncipe regente118.

Após a acomodação da corte e até a proclamação da independência, a situação das propriedades no território brasileiro se alteraria drasticamente com a proibição das sesmarias. A justificativa para a resolução do Reino nº 76, posteriormente ratificada pela provisão de 22 de outubro de 1822, pode ser encontrada nas recomendações de José Bonifácio aos deputados de São Paulo que comporiam as Cortes portuguesas e residia no fato de que as sesmarias estarem

117 LACERDA, op.cit., p. 85-111.

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Exemplo de Decreto: “Sendo-me presente a grave e urgente necessidade que há de erigir sem

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sendo mal aproveitadas e espalhadas territorialmente devido à obrigação de se deixar área não aproveitável entre elas119.

A norma ainda estabelecia que as propriedades não aproveitadas – passado um tempo determinado – deveriam retornar aos bens públicos, que os posseiros poderiam perder as terras já cultivadas adicionadas de um espaço extra para o exercício da mesma, bem como que todas as terras da nação não poderiam mais ser gratuitamente cedidas.

Dessa forma, tem início no Brasil o regime da posse das terras devolutas, uma vez que à proibição da concessão de sesmarias não se somou, até 1850, lei regulamentadora do uso e da propriedade da terra120, o que mais tardiamente viria a

causar pendências sobre diversos domínios não titulados.