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2. DO DIREITO DE PROPRIEDADE NO BRASIL: TRATAMENTO LEGAL (1500-

2.2 A CARTA DE 1824 E A PROPRIEDADE

A Constituição Política do Império do Brazil de 1824, de matriz liberal, viria a resguardar a propriedade, enumerando-a juntamente com a liberdade e a segurança individuais, como fundamento dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros.

119 “Considerando quanto convém ao Brasil em geral e a esta província em particular que haja uma

nova legislação sobre as chamadas sesmarias que, sem aumentar a agricultura, como se pretendia, antes têm dificultado a povoação progressiva e unida; porquanto as sesmarias de seis, oito e mais léguas quadradas, possuídas por homens sem cabedais e sem escravos, que não só as não cultivam mas nem sequer as vendem e repartem por quem melhor as saiba aproveitar; originando-se daqui que as povoações do sertão se acham muito espalhadas e isoladas, por causa dos imensos terrenos de permeio, que se não possam repartir e cultivar, por serem sesmarias; seguindo-se também daqui, viver a gente do campo dispersa e como feras no meio das brenhas e matos, com sumo prejuízo da administração da justiça e da civilização do país; conveniente que seguindo-se o espírito da lei do senhor d. Fernando sobre esta matéria, que serviu de fonte ao que está determinado nas

Ordenações, livr. 4, t. 43, se legisle, pouco mais ou menos, o seguinte:

1º) Que todas as terras que foram dadas por sesmaria e não se acharem cultivadas, entrem outra vez na massa dos bens nacionais, deixando-se somente aos donos das terras, meia légua quadrada, quando muito com a condição de começarem a cultivá-las em tempo determinado, que parece justo; 2º) Que os que têm feito suas as terras, só por mera posse e não por título legal, as hajam de perder, exceto o terreno que já tiverem cultivado e mais 400 jeiras acadêmicas, para poderem estender a sua cultura, determinando-se-lhes, para isso, tempo prefixo;

3º) Que de todas as terras que reverterem por esse modo à nação e de todas as outras que tiverem vagas, não se deem mais sesmarias gratuitas, senão nos poucos casos abaixo apontados, mas se vendam em porções ou lotes, que nunca possam exceder de meia légua quadrada, avaliando-se, segundo a natureza e bondade das terras, a jeira acadêmica de 400 braças quadradas, de sessenta réis para cima e procedendo-se à demarcação legal;” (ANDRADA E SILVA, José Bonifácio de. Recomendações aos deputados de São Paulo. Organização e interpretação de Jorge Caldeira. São Paulo: Editora 34, 2002. p. 130-131.)

120 ARAÚJO, Ionnara Vieira de; TÁRREGA, Maria Cristina Vidotte Blanco. Apropriação de terras no

Brasil e o instituto das terras devolutas. RFD- Revista da Faculdade de Direito da UERJ, v. 1, n. 19, jun./dez. 2011. Disponível em: <https://www.revistas.ufg.br/index.php/revfd/article/view/9861>. Acesso em: 10 fev. 2014.

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Destaca-se que o liberalismo resumidamente assenta-se sobre a palavra propriedade, uma vez que todas as outras exigências da doutrina dela derivam121 e,

portanto, a Carta a ela daria destaque.

A propriedade, seguindo à máxima do laisser faire, laisser passer, era

❚ ❯❱ ❲ ❳❨❱ ❩ ❬ ❭ ❲❬ absoluta e as únicas exceções à sua plenitude consistiam na

desapropriação – vinculada à utilização dela para o bem público e à sua indenização – e nos direitos de vizinhança122.

Pimenta Bueno123 mencionou a origem sagrada e natural da propriedade, advinda do trabalho, realçando sua importância.

A plenitude da garantia da propriedade não é só justa, como reclamada pelas noções econômicas, e pela razão política dos povos livres; na colisão antes o mal de alguma imprudência do proprietário do que a violação de seu livre domínio.

Sem ela não haverá desenvolvimento de sacrifícios ou forças industriais, e, portanto, muito menos incremento e expansão da riqueza e bem-ser social; qual o homem que semearia trigo sem ter a certeza de que a colheita e livre disposição seria sua?

Tal era o destaque dado à propriedade, que até mesmo os direitos de votar e ser votado estavam à renda atrelados124. Era uma sociedade de indubitáveis raízes rurais, onde as cidades eram “simples dependências” da vida rústica e eram “os fazendeiros escravocratas e eram filhos de fazendeiros, educados nas profissões liberais, elegendo-se ou fazendo eleger seus candidatos” que monopolizavam as instituições monárquicas125.

Após a independência do Brasil e até 1850 o problema da propriedade das terras seria uma constante, afinal, se a lei deixara de permitir as sesmarias e se pelo antigo sistema os capitães tinham a propriedade apenas dos engenhos e das salinas e as terras da Igreja estavam fora do comércio a propriedade das terras pertencia ao Imperador fazendo com que os custos da colonização desestimulassem o

121 MISES, Ludwig von. Liberalismo. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises, 2010. p. 50.

122 BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil, elaborada por um Conselho de Estado e

outorgada pelo Imperador D. Pedro I, em 25.03.1824. Coleção de Leis do Império do Brasil – 1824. Volume 1. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm> Acesso em: 10 fev. 2014.

123 SÃO VICENTE, José Antônio Pimenta Bueno, marquês de. Direito público brasileiro e a análise

da constituição do império. Brasília: Senado Federal: Editora Universidade de Brasília, 1978. p. 420-

422.

124 Característica esta das Constituições liberais, tal qual a brasileira.

125 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras,

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aproveitamento econômico regular. Desse modo, a insegurança jurídica sobre as terras somava-se à necessidade de defesa das fronteiras nacionais126.

Visando determinar os domínios foram editadas diversas normas, dentre os quais se pode destacar a lei no 601, de 18 de setembro de 1850127 que organizava a

questão da propriedade (menos das terras da igreja)128 estabelecendo condições

para o reconhecimento de sesmarias, regularizando também a venda das terras devolutas129 e, ainda, pretendendo garantir a integridade territorial, estipulava que

nas áreas fronteiriças as terras poderiam ser concedidas gratuitamente130.

A Lei de Terras, no entanto, estabelecia que na maioria das vezes a terra teria de ser adquirida mediante pagamento e, dessa maneira, excluía a população mais pobre da possibilidade de adquirir a propriedade pela posse. Este era um dos fins da norma, promulgada duas semanas após a extinção legal do tráfico negreiro131.

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132 e, após

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q♦♥ ❤⑧✉❣① r❜ ❵ ⑤ ❝♦ q❣ r ❝❤⑧❝❢❣ ❢❤⑨✇r ♦❧ ⑩❶❷ ⑩ ♥❵q ❤❧ r ❜ ❵②r Lex Mater. Alteração esta ❵① ❵q q❣ ✇ r r♥❸❝ r ♥♦ q✇ r ✇ ❵ r♥❵❣ ❵ ✇ r✇❵ à monarquia pelos grandes proprietários, ✇♦❝① ❵ntentes com a abolição da escravidão, base laboral da economia agrícola

133.

126 LACERDA, op.cit., p. 118.

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BRASIL. Lei no 601, de 18 de setembro de 1850. Dispoe sobre as terras devolutas no Imperio, e

á❼ ❽❾❼❿➀❿➁➂ ➃❽ ➁➄➅➆➅ ➁ ➁ ➃➇➀❿➁➆➅❾➈➇➈➃➉➅➀❽➁❽ ➁ ➊❿❾ ➇ ❿➁❽➊➆❾❽❽ ➋❼➌➇ ➊ ❽ ➋➈➅ ➀❿➁❼ ➅➋➀➇➍ ➎ ❽ ➁➉❽ ➏❿❽ ➁➐➑ ❽ ➊ ❼ ➅➊➅ ➆➅❾ ➁➇➊➆➉❽ ➁ ➈➇ ➈➃ ➉➅ ➀❽ ➆➅ ➁ ➁❽ ➊❿➋➁ ❿ ❽ ➆❿❼➇ ➒➇❼❿➓ ❽ ➀❽ ➈❽❾➊ ➇ ➋❿ ➂➃❽➐ ➊ ❽ ➀➇ ➀❿➁ ❽ demarcadas as ➆❾ ➇ ➊ ❽➇❾ ❿ ➁➐ ➁❽➔❿➊ ❽ ➉➉❿ ➁ ❼ ❽➀➇ ➀ ❿➁ ❿ ➈➇ ➈➃ ➉➅ ➅ ➋❽❾➅ ➁➅ ❿➁➁➇ ➊ ➆❿❾ ❿ ❽ ➊➆❾ ❽→❿➁ ➆ ❿❾ ➈➇ ❼➃➉❿❾❽ ➁➐ ❼ ➅ ➊ ➅ ➆❿❾ ❿ ➅ ❽ ➁ ➈❿➑❽ ➉❽ ❼➇ ➊ ❽ ➋➈➅ ➀❽ ➣➅ ➉➅➋➇❿➁ ➀❽ ➋❿❼ ➇ ➅ ➋❿❽ ➁➐ ❽ ➀❽ ❽ ➁ ➈❾❿➋➏❽ ➇❾ ➅ ➁➐ ❿➃➈➅ ❾➇➁❿➀➅ ➅ ↔➅↕❽❾ ➋➅ ❿ ➆❾ ➅ ➊ ➅↕❽❾ ❿ ❼ ➅ ➉➅ ➋➇ ➁ ❿➍ ➄➅ ❽ ➁ ➈❾❿➋➏❽ ➇❾❿ ➋ ❿ ➒➙❾ ➊ ❿ ➂ ➃❽ ➁❽ ➀❽❼➉❿❾❿➛ ➜ ➣➅leção de Leis do Império do Brasil – 1850. ➝➞➟ ➠➡➢➤ ➥ ➦➧➨➩➢➤ Seção 1. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L0601-

1850.htm>. Acesso em: 10 fev. 2014.)

128 As terras da Igreja estavam fora do comércio (mão morta),de acordo com o preceituado na lei de 9

de abril de 1830 e mantido no Código Comercial de 1850. Essa exclusão levou a outras disputas pela propriedade.

➫➭➯ O conceito de terras devolutas foi estabelecido no artigo 3º da Lei de Terras: ➲Art. 3º São terras devolutas:

➳➥➵➸➺➻➠➢➼ ➽➞➺➢acharem applicadas a algum uso publico nacional, provincial, ou municipal. ➳➾➵➸➺➻➠➢➼ ➽➞➺➢➧➚ ➪➧➨➢ ➡➼➞➶➞➡➹ ➼➹➞➦➧➨➩➹ ➚➠➟ ➧➨➦➞ ➨➻➠ ➧➟➻➠➢ ➨➩➹➩➠➟ ➞➟ ➢➘➹➩➹➡➞➴➼➢ ➡➷➞ ➨➢➡➪➧➬➹ ➶➧➺➦➞ ➨ ➺➢➺➡➧ ➨➹➧➺➢➞ ➠➩ ➨ ➧➺➚➞➼➚➢➺ ➺ ➮➢➺ ➶➞➱➞➬➢ ➨➼➞➱➢➨➧➟➞ ➠✃➨➞➬➹ ➼➚➹➧➟➴➼ ➽➞➹ ➼➚➠ ➨➺➧➺➢ ➡➚➞mmisso por falta ➶➞➚➠➡➦ ➨➹➡➢➼➩➞➶➧➺➚➞➼ ➶➹ ❐ ➮➢➺➶➢➡➢➶➹ ❐ ➽➞➴➚➞➼➷ ➹➨➡➧❐➽➞

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➳ Ï➵➸➺➻➠➢➼➽➞➺➢ ➧➚➪➧➨em occupadas por posses, que, apezar de não se fundarem em titulo legal, Ð ÑÒ ÓÔÕÓÖ×Ø ×ÔÙÚÙÛÜÑÒÓÛØÙÝÓ×Þßàâ ã ×Ú Þä

130 LACERDA, op.cit., p. 123.

131 MARTINS, José de Souza. O cativeiro da terra. 9. ed. 1. reimp. São Paulo: Contexto, 2013. p. 123-

125.

132 CUNHA, Alexandre Sanches. Constituições do Brasil: 1824 – 1988. Revista de legislação e

direito, Campinas, 2006. p. 26.

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2.3 DA REPÚBLICA MILITAR DE 1891 AO GOVERNO MILITAR DE 1964: DA