UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
PATRÍCIA BUENO NETTO
FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL.
DO DIREITO DE PROPRIEDADE E SEU HISTÓRICO.
DA REFORMA AGRÁRIA. QUESTÕES POLÊMICAS.
PATRÍCIA BUENO NETTO
FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL.
DO DIREITO DE PROPRIEDADE E SEU HISTÓRICO.
DA REFORMA AGRÁRIA. QUESTÕES POLÊMICAS
Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre.
ORIENTADORA: Profª. Drª. Mônica Herman Salem Caggiano
❇ ✁✂f Bueno Netto, Patrícia
❋ ✄☎✆✝ ✞✟✞ ✠ ✡☛ ☞✌☛✍✎✞✍✎✡ ✏ ✌☛ ✌✏✎✄✎☛☞. Do direito de propriedade e seu histórico. Da reforma agrária. Questões polêmicas. / Patrícia Bueno Netto. – 2015.
114 f. ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2015.
Orientador: Monica Herman Salem Caggiano Bibliografia: f. 102-114
1. Propriedade. 2. Função Social da Propriedade. 3. Reforma Agrária. I. Título
PATRÍCIA BUENO NETTO
FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL.
DO DIREITO DE PROPRIEDADE E SEU HISTÓRICO.
DA REFORMA AGRÁRIA. QUESTÕES POLÊMICAS.
Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre.
Orientadora: Profa. Dra. Mônica Herman
Salem Caggiano
Aprovada em:
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________________
Profa. Dra. Mônica Herman Salem Caggiano –
Universidade Presbiteriana Mackenzie
_______________________________________________________________
Prof. Dr. Cláudio Salvador Lembo Universidade Presbiteriana Mackenzie
_______________________________________________________________
Profa. Dra. Carolina Zancaner Zockun
AGRADECIMENTOS
Talvez a parte mais difícil ao se chegar ao final de uma dissertação seja a dos
agradecimentos. Certamente a dificuldade não reside na ausência de
reconhecimento da impossibilidade de realização do trabalho sem um conjunto de
pessoas especiais que foram decisivas para esta confecção; ao contrário, é o medo
de não fazer a devida justiça a alguém que torna a tarefa tão árdua.
Primeiramente, agradeço aos muitos professores que participaram da minha
formação. Na impossibilidade de mencionar todos, especialmente cito os meus
orientadores Marcus Vinícius dos Santos Andrade (graduação) e Mônica Herman
Salem Caggianno (dissertação) que auxiliaram uma aluna com excesso de ideias na
pesquisa acerca da função social da propriedade.
Presto também homenagens a Gabriela e Carolina Zancaner, pois me
ensinam a lecionar. Nossos pontos de vista são, na maioria das vezes, divergentes,
mas é também por esse motivo que aprendo tanto com elas. Espero, algum dia,
estar à altura das aulas recebidas.
Por fim, gostaria de dizer um muito obrigada à minha família e amigos, porque
em todas as horas eles me ajudaram a vencer os desafios – não apenas aqueles
que me foram colocados, mas também aqueles que me impus – e, mais importante
“O melhor programa econômico de governo é não atrapalhar aqueles que produzem, poupam, investem, empregam, trabalham e consomem.”
RESUMO
O trabalho traça a trajetória histórica do desenvolvimento do direito de propriedade,
destacando as questões das terras agrícolas. Demonstra que o percurso do direito
de propriedade se confunde com a própria história da evolução das sociedades
humanas. A narrativa inicia-se na Grécia Antiga e caminha até o Brasil dos dias
atuais. Na parte histórica geral, realça as divisões e lutas político-sociais que
cresceram em torno da propriedade, destacando raciocínios, soluções e tratamentos
legais que foram dados à questão através dos séculos e que influenciaram no
tratamento a ela reservado no direito nacional. Já no contexto pátrio, explora a
estruturação da ocupação das terras brasileiras e as modificações no direito de
propriedade através dos tempos. Aborda a questão da mutação sofrida no direito de
propriedade que era antes considerado como um direito individual absoluto, mas que
hoje é entendido como um direito que possui também uma função social. Sobre a
questão agrícola, trata dos parâmetros jurídico-políticos históricos nos quais está
alicerçada a reforma agrária nacional para, por fim, com base nos resultados
alcançados em cinquenta anos, fazer uma análise verificando se a reforma agrária
encontra-se em conformidade com os fundamentos e objetivos elencados na
Constituição da Republica Federativa do Brasil.
ABSTRACT
This paper traces the historical path of the development of property right and
highlights the issues involving agricultural lands. It demonstrates that the course of
property right merges with the history of the evolution of human societies. The
narrative begins in Ancient Greece and follows through Brazil these days. In the
generic historical part, it points out the social-political fights and segmentations that
developed around property, and outlines the reasoning, solutions and legal
treatments conferred to the matter throughout the centuries and that influenced how
Brazilian law would handle it. Within the domestic context, in turn, this paper
analyzes the process of occupation of Brazilian land from its framework standpoint
and the changes occurred in property right along time. The matter concerning the
mutation undergone by property right, once an individual absolute right, and today
understood as a right that also has its social function, is also approached. As regards
the agricultural issue, it deals with the historical political-legal parameters
underpinning national agrarian reform in order to finally analyze, based on the results
obtained in fifty years, whether the agrarian reform is in compliance with the grounds
and purposes described in the Brazilian Constitution.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ... 10
1. DO DIREITO DE PROPRIEDADE: HISTÓRICO ... 13
1.1 A PROPRIEDADE DA TERRA: DIREITO INDIVIDUAL; EXPERIÊNCIA GREGA... 13
1.1.1 A Grécia, suas origens e as poleis... 13
1.1.2 A propriedade grega ... 15
1.2DOSDIREITOSREAISEDAPOSSENOIMPÉRIOROMANO ... 19
1.2.1 O Império Romano... 19
1.2.2 Os Direitos Reais e a Posse ... 20
1.2.2.1 Direitos Reais ... 20
1.2.2.2 Propriedade e posse ... 21
1.2.2.3 Outros direitos reais ... 23
1.3DODIREITODEPROPRIEDADENOPERÍODOMEDIEVAL ... 24
1.3.1 O período medieval e feudalismo ... 24
1.3.2 Documentos legais: Magna Carta (1215) e Carta da Floresta (1217) ... 26
1.3.3 Direito de propriedade da terra e a reforma agrária de Henrique VIII ... 28
1.4 DO DIREITO DE PROPRIEDADE NA DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEME DOCIDADÃOE NACONSTITUIÇÃODOS ESTADOSUNIDOS DAAMÉRICA ... 31
1.4.1 A Revolução Francesa e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão ... 31
1.4.2 A Independência e a Constituição dos Estados Unidos da América ... 33
2. DO DIREITO DE PROPRIEDADE NO BRASIL: TRATAMENTO LEGAL (1500-1988) ... 38
2.1BRASIL:1500A1822 ... 38
2.2ACARTADE1824EAPROPRIEDADE ... 42
2.3 DA REPÚBLICA MILITAR DE 1891 AO GOVERNO MILITAR DE 1964: DA PROPRIEDADELIBERALÀPROPRIEDADETAMBÉMSOCIAL ... 45
2.3.2 A Constituição de 1934 e a propriedade ... 47
✷ ✖ ✗ ✖✗✘✙✚ ✛✜✚✢✣✤ ✥ ✗✦✣✚✧✛ ★✧✛✩✣✢✚✢✣ ... 50
✷ ✖ ✗ ✖✪✘✙★✫✬✜✩✜✭✩✮ ✯★✢✣✤ ✥✪✰✣✚✧✛ ★✧✛✩✣✢✚ ✢✣ ... 52
✱ ✲✳✲✴ ✲✵✶ ✹ ✺ ✻✼ ✽ ✾✿❀❁ ❂❁ ❃✿ ... 52
2.3.4.2 Estatuto da Terra e função social da propriedade ... 54
2.3.5 A Constituição de 1967, a Emenda 1 de 1969 e a propriedade .... 60
3. A PROPRIEDADE RURAL NO BRASIL APÓS A CONSTITUIÇÃO DE 1988 ... 63
3.1ACONSTITUIÇÃODE1988:FUNDAMENTOS ... 64
✗ ✖ ✤ ✖✤❄★❅✣ ✛✚✫✩✚ ... 64
✗ ✖ ✤ ✖✷❆✣✧❉❅ ❊ ✩●✚ ... 65
3.1.3 Estado de Direito, Estado Democrático de Direito e pluralismo . 66 3.1.4 Federalismo ... 67
❍ ■ ❏ ■❑▲▼ ◆❖ ◆❖ P▼❖ ... 69
❍ ■ ❏ ■◗❘▼ ❙P▼ ◆❖ ◆❚◆❖❯❚ ❱ ❱ ❲❖❳❨❩❖ P❖ ... 70
❍ ■ ❏ ■❬❭❖❪❲❫❚❱❱ ❲❴▼ ❖ ▼ ❱◆ ❲❵❫❖❛❖❪❳ ❲❚◆❖❪▼❜❫❚ ▼ P▼❴▼❖❵▼❜❖ ... 71
3.2ACONSTITUIÇÃODE1988:OBJETIVOS ... 71
3.2.1 Construir uma sociedade livre, justa e solidária ... 72
3.2.2 Garantir o desenvolvimento nacional ... 72
3.2.3 Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais ... 74
3.2.4 Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação .... 75
3.3DAORDEMECONÔMICAEFINANCEIRA:VETORES ... 76
3.3.1 Fundamento da valorização do trabalho humano ... 77
3.3.2 Fundamento da livre iniciativa ... 77
3.4 DA ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA E SEU OBJETIVO: ASSEGURARA TODOSEXISTÊNCIADIGNA,CONFORMEOS DITAMES DAJUSTIÇASOCIAL ... 78
3.5 DA ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA: PRINCÍPIOS DE BALIZAMENTO ... 79
3.5.1 Princípio da soberania ... 79
3.5.2 Princípio da propriedade privada ... 79
❝ ❞ ❡ ❞❢ ❣ ❤✐ ❥❦❧ ♠✐ ♥ ♦♣ ♦qr qs♣ ♦♥ tq✐ ♥ ♣tbiente, inclusive mediante ✉❤♣ ✉♣ tq ❥✉♥ ♦✐rq❤ q ❥❦✐ ♣ ♦♥ ❦ ♥❥r♥❤tq ♥ ✐ t♠♣ ❦✉ ♥ ♣ t✈✐ q ❥✉♣✇ ♦♥s ♠❤ ♥♦①✉♥s q s q❤②✐③♥s q ♦q sq①s ♠❤ ♥❦ qs s♥s ♦q q✇ ♣✈ ♥❤♣③ ④♥ q
♠❤ qs✉♣③④♥ ... 80
3.5.5 Princípio da busca do pleno emprego ... 80
3.6DAPROPRIEDADEIMOBILIÁRIANACONSTITUIÇÃODE1988 ... 81
❝ ❞⑤❞⑥⑦♠❤ ♥♠❤✐ q♦♣ ♦q❦ ♥t♥♦✐❤q✐ ✉♥✐ ❥♦✐②✐ ♦①♣✇❦ ♥tr①❥③ ④♥s♥❦✐ ♣✇ ... 81
3.6.2 Propriedade rural: definições ... 85
3.6.3 Propriedade rural na Constituição de 1988 ... 87
3.7REFORMAAGRÁRIA:FALÁCIASEPROBLEMAS ... 91
3.7.1 Reforma agrária: falácias ... 92
3.7.1.1 Falácia da existência de inúmeros latifúndios ... 92
3.7.1.2 Falácia de que são as pequenas propriedades as grandes produtoras de alimentos para as cidades ... 93
3.7.1.3 Falácia do número de trabalhadores sem terra ... 95
3.7.1.4 Falácia de que as áreas de pastagens são terras improdutivas ... 95
3.7.1.5 Falácia de que a Reforma Agrária necessariamente melhora a vida das pessoas ... 96
3.7.2 Reforma agrária: problemas ... 97
3.7.2.1 Problema da instrumentalização da reforma agrária como forma de combate ao capitalismo ... 97
3.7.2.2 Problema da venda dos lotes ... 98
3.7.2.3 Problema dos custos da Reforma Agrária ... 98
CONCLUSÕES ... 100
⑧ ⑨
INTRODUÇÃO
A questão agrária, ainda antes da promulgação da independência, já se
apresentava como fulcral para o desenvolvimento do Brasil. No ano de 2014
comemoraram-se os cinquenta anos de vigência do Estatuto da Terra. A seu turno, a
Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, completou em 2013 um
quarto de século de sua promulgação.
Todavia, ainda que área correspondente a mais do que um quarto da utilizada
para a agricultura tenha sido objeto de programas de reforma agrária, a abordagem
geralmente dada versa sobre a importância de sua realização sem, contudo,
fazer-se uma análifazer-se fazer-se o modelo adotado pelo Estatuto da Terra está de acordo com os
princípios e objetivos da atual Constituição.
Pretende-se contribuir para o preenchimento dessa lacuna e, por esse motivo,
exceto no que tange ao Estatuto da Terra, o trabalho não se deteve no exame da
legislação infraconstitucional. Igualmente, não abordou questões específicas como,
por exemplo, as das distintas realidades rurais do Brasil, bem como aquelas
atinentes aos indígenas ou quilombolas. Também, diante da persistência da questão
rural, considerou-se que a reforma agrária em grande parte falhou e, portanto, não
foram citados os inúmeros benefícios que ocorreriam se efetivamente fossem
atingidos os resultados pretendidos por seus defensores.
Antes, porém, de adentrar no contexto atual da propriedade privada rural
nacional, localizado no último capítulo deste trabalho, traçou-se, por meio da
pesquisa bibliográfica, iniciada ainda durante a graduação, percurso histórico que foi
dividido entre os panoramas internacional e brasileiro, situados respectivamente nos
Capítulos 1 e 2 da Dissertação.
Na antiguidade clássica surgiu a propriedade como direito familiar e,
posteriormente, como individual. Desde o aparecimento da propriedade, ela
demonstrou ser um dos elementos de importância tanto para a organização dos
grupos sociais como para o desenvolvimento destes. O lugar de destaque que a
propriedade tem na organização humana também faz dela não apenas elemento de
agregação, como também de litígios.
As contendas em torno da propriedade podem ser encontradas desde a
⑩ ⑩
desenvolvimento deste em Estado Democrático de Direito. A questão da
propriedade transcende, portanto, a da simples discórdia acerca da apropriação e
demarcação do espaço físico, uma vez que em torno dela se estruturaram as
relações político-sociais.
No campo das ideias, os ferrenhos embates alicerçam-se em posições
antagônicas, as quais preconizam tanto a propriedade privada como fonte de todos
os direitos, como também origem de toda a exploração social. Para os defensores
da primeira visão, o Estado tem como obrigação máxima a proteção da propriedade,
para seus detratores, o Estado a deve abolir.
Em termos jurídicos, a propriedade também foi historicamente se delineando,
passando de um direito sagrado e absoluto para um direito individual. Foi,
entretanto, a partir do século XIX que as distintas facções organizadas em torno da detenção ou não da propriedade – ou mesmo dos ideários liberal e socialista –,
dividindo o poder político, vieram a introduzir um elemento social no direito de
propriedade. Desse modo, a propriedade passou a ter uma função social.
No Brasil, desde o tempo do descobrimento, a questão da propriedade foi
tema de destaque. Inicialmente, os princípios aplicados à regulamentação e à
proteção da propriedade decorriam da concepção liberal de Estado, que privilegiava
o indivíduo. Gradativamente, este pensamento foi substituído por um ideário também
social, impondo aos particulares obrigações em prol da coletividade.
Destaca-se ainda o fato de o Brasil ser um país de raízes rurais e, por esse
motivo, a questão acerca da propriedade das terras agricultáveis sempre esteve
presente nos debates políticos.
❶❷ ❸ ❹ ❺ novembro de 1964 que surgiu, no ordenamento pátrio, por meio do ❻ ❼❽ ❾❽ ❿❽ ❷ ➀ ❾ ➁❹➂ ➂❾ ➃ ❾ ➂❹➄ ❿➅ ❾❺ ❹➆❽ ❾ ➇➈❷ ➀❷ ➀ ❹ ➉❹ ➂ ❸❺➊❷ ❼❽❷ ❾❷ ❼ proprietários do ➋❿ ❺➊➂ ❸❺ ❹ ➆❽ ❷ ➀❾ ➌❿➆➇➈❷ ❼❷➋❸ ❾➅ ➀❾ ➊➂❷ ➊ ➂❸❹➀ ❾ ➀ ❹ ➂❿ ➂❾➅➍ ➎❾ ❺ ❹❼❺ ❾ ➆❷➂ ❺❾ ❹❼❽ ❾➏❹➅ ❹➋❹ ➂❾❺-se suas balizas, a possibilidade da sanção de desapropriação por
❼ ❹ ❿
➀ ❹❼➋❿❺➊➂❸❺❹ ➆❽ ❷➃ ➏❹ ❺ ➋❷ ❺❷ ❷ ❼
➊❾ ➂➐❺❹❽ ➂❷❼ ➀ ❾
➂❹ ❾➅ ❸➑❾ ➇➈❷ ➀ ❾
➂❹➌❷➂ ❺❾ ❾➄ ➂➒➂❸❾➍ ➓❷ ➂
❼ ❿❾
❸❺➊ ❷➂❽➐➆➋❸ ❾, o Estatuto da Terra foi a única norma infraconstitucional ❾➏❷➂ ➀❾ ➀ ❾➀ ❹❽ ❸➀ ❾❺❹➆❽ ❹➍
➔ ➋❷➆❽ ❹→❽ ❷ ❼❷➋❸❷❹➋❷ ➆➣❺ ❸➋❷ ➏➂ ❾❼ ❸➅❹❸➂❷➃ ↔❿ ❾ ➆➀❷
➀ ❾ ➊➂❷ ❺❿➅➄ ❾ ➇➈❷ ➀❾ ↕❹ ❸
➆
o
➙ ➍504/1964, difere bastante daquele da edição da Constituição de 1988 e ainda ❺ ❾❸❼ ➀❷
➛ ➜
➝ ➞ ➟ ➠➡➞➢➞ ➤ ➥ ➠➦➞➦ ➧➤, as atividades econômicas são preponderantemente vinculadas ➞ ➨➤ ➤ ➧ ➢➩➠➫➨ ➤, e a área agrícola brasileira, desde o descobrimento, em constante ➧➭➯➞➲➤➳➨➵encontra-se agora em processo de retração.
➸ ➺➻ ➼ disso, foram consagrados diversos direitos sociais e estabelecidos ➯➢➠➲➥➽➯➠➨ ➤ ➧➨ ➟➾➧➡➠➩➨➤ tanto gerais quanto derivados da ordem econômica.
Ý Þ
1. DO DIREITO DE PROPRIEDADE: HISTÓRICO
1.1 A PROPRIEDADE DA TERRA: DIREITO INDIVIDUAL; EXPERIÊNCIA GREGA
1.1.1 A Grécia, suas origens e as poleis
A civilização grega foi uma das maiores do mundo antigo e se estendeu por
um território que ocupava desde o sul da França, passava pela Itália setentrional,
abarcava locais que iam do Mar Egeu ao Negro, atingia áreas que incluíam de
Bizâncio à Capadócia, o oeste e o sul da Turquia e chegava até a mesmo à Líbia e
ao Egito1. Possuíam os gregos não apenas cultura e linguagens comuns, mas,
sobretudo, um sentimento de que pertenciam a um mesmo povo2.
As primeiras ocupações humanas na Grécia ocorreram há cerca de 40.000
anos, mas apenas com o advento da agricultura e da criação de animais, entre os
anos 7.000 e 3.000 a.C., foi possível a fixação dos homens naquele território3.
Desse modo, com a alteração da ligação entre homens e o solo por eles
ocupado, modificou-se a própria organização da sociedade. Inicialmente a relação
entre homens e a terra era uma relação de posse e não de propriedade4, uma vez
que a ocupação da terra em locais onde ainda não existia anterior fixação humana
garantia os assentamentos.
No entanto, após o desenvolvimento da agricultura, começaram a ser
produzidos excedentes – sobras estas que não apenas possibilitaram o aumento
populacional, mas também permitiram o surgimento do comércio entre povos
próximos e que ainda se tornaram alvo da cobiça alheia.
Os grupos passaram a ter de se organizar para garantir a defesa externa uma
vez que subjugar diferentes povos também era uma maneira de obter bens e
trabalho do qual se necessitava5.
1 ARNAOUTOGLOU, Ilias. Leis da Grécia Antiga. Tradução: Ordep Trindade Serra, Rosiléa Pizarro
Carnelós. São Paulo: Odysseus, 2003. p. XIV.
2 HANSEN, Mogens Herman. Polis: an introduction to the ancient Greek city-state. Oxford: Oxford
University Press, 2006. p. 36-37.
3 Ibid. p. 15-16.
4 Os significados dos vocábulos posse e propriedade serão expostos, posteriormente, quando
tratarmos da propriedade no direito romano.
5 “Com a ocupação das terras se faz necessária uma ordenação da propriedade muito mais
ß à
A demarcação territorial tornou-se necessária, não apenas aquela que visava
à segurança externa, mas, sobretudo, a asseguradora da estabilidade das relações
sociais.
Se a população crescente precisava manter-se unida como grupo, devia
evitar as disputas internas e, para isso, passou a delimitar a área afeita a cada um.
Desse modo, surgiu a propriedade e, consequentemente, o Estado6.
Aristóteles, tratando do surgimento do Estado, ressaltou o fato de o ente
haver sido formado com a finalidade de assegurar o viver e, após constituído, o
“viver bem”, “nas maiores proporções e excelências possíveis”7.
Assim, os gregos tiveram de se organizar politicamente para garantir sua
segurança e se estabeleceram no vasto território grego em milhares de
cidades-estado8 e 9, as poleis.
Destaca-se ainda a ausência de um direito grego unificado, pois inexistia um
Estado grego, mas sim mais de mil10 poleis, com múltiplas formas de governo e
constituições, habitados por povos de cultura e língua helênicas11, onde
preponderava o fator religioso como amálgama social e uma restrita autonomia da
vontade12.
um rico desenvolvimento interior. A exploração do trabalho humano principia com a instituição da escravidão doméstica e faz da guerra uma atividade constante da comunidade encaminhada a
alcançar trabalhadores domésticos.” (JELLINEK, Georg. Teoría general del estado. Prólogo y traducción: Fernando de los Ríos. México: FCE, 2000. p. 265, tradução nossa)
6 “O território revela-se indispensável para o Estado como referência da comunidade, como sede
material do poder, como domínio de acção indiscutida, como área de segurança dos indivíduos e das sociedades menores e como instrumento ao serviço dos fins do poder.
Imenso é o papel histórico do território: 1) local de fixação de um povo (os povos nômades desconhecem a existência do Estado); 2) local de agregação ou integração de elementos diversos num mesmo povo; 3) uma das bases do sentido de identidade de um povo ao longo dos tempos, em relação (por vezes oposição) aos outros povos; 4) uma das bases da permanência do poder político.
Ele chega a dar o nome ao Estado.” (MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. 2. ed. ver. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 7.)
7 ARISTÓTELES. Política. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999. p. 143-145.
8 A denominação cidade-estado surge da fusão da conceituação jurídica do Estado com o realce
dado ao diminuto tamanho das poleis.
9 “Os três elementos básicos de um Estado e da pólis são: (1) um território definido; (2) um povo
definido, identificado com os cidadãos em um contexto político e com os habitantes em um contexto judicial; (3) um sistema de instituições políticas que possuíam exclusivamente o direito de definir e de
fazer as pessoas cumprirem a ordem legal em um determinado território.” (HANSEN, op.cit., p. 64, tradução nossa)
10 HANSEN, op.cit., p. 146.
11 KELLY, John M. Uma breve história da teoria do direito ocidental. Tradução: Marylene Pinto
Michael. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010. p. 5-6.
12 RANIERI, Nina Beatriz Stocco. Teoria do Estado: do Estado de Direito ao Estado Democrático de
á â
1.1.2 A propriedade grega
Na Grécia, de forma genérica, inicialmente a terra não era um bem individual,
mas sim estava afeita a um grupo de origem familiar e o território por ele habitado.
Não havia a apropriação individual definitiva e as terras dos produtores, quando não
estavam sendo individualmente utilizadas, retornavam para o clã13e 14.
Dentre as muitas cidades-estado existentes, Atenas foi uma das que mais se
destacou, por volta do ano 1000 a.C. já era uma das mais importantes poleis e na metade do século XIII dominava toda a Ática15. Tal domínio perdurou até o fim da
guerra do Peloponeso, em 404 a.C., quando Esparta a derrotou.
A propriedade ateniense era considerada pelos filósofos em sua dimensão
moral e política, não sendo afirmada como um atributo natural ao homem16. No
entanto, com o crescimento populacional, as terras se tornaram cada vez mais
escassas e as mais proeminentes famílias passaram a concentrar as propriedades,
resultando no aumento da diferença social entre os clãs17 e no surgimento de
problemas sociais.
A classe dos grandes proprietários se autoproclamava de hoi agathoi (os bons) e os demais eram chamados de hoi kakoi (os ruins), também denominava os pobres ou as massas de demos ou hoi polloi (os muitos). Agravando o ressentimento popular havia ainda o fato de que as principais funções públicas –
notadamente a da magistratura – estavam concentradas nos membros das famílias
mais importantes18.
Durante a década de 590 a.C., as tensões sociais se intensificaram e foi
necessária a designação de um homem, Sólon, para a realização de reformas que
pretendiam combater a insatisfação popular.
13 LÉVY, Jean-Philippe. História da propriedade. Tradução: Fernando Guerreiro. Lisboa: Editorial
Estampa,1973. p. 13.
14 “As primeiras formas de propriedade privada pertenciam não a indivíduos, mas a linhagens ou
outros grupos de parentes e grande parte de sua motivação não era simplesmente econômica, mas também religiosa e social. A coletivização forçada pela União Soviética e pela China no século XX buscava girar o relógio para um passado imaginário que nunca existiu, no qual as propriedades comuns pertenciam a pessoas que não eram aparentadas.” (FUKUYAMA, Francis. As origens da ordem política: dos tempos pré-humanos até a Revolução Francesa. Tradução: Nivaldo Montingelli Jr. Rio de Janeiro: Rocco, 2013. p. 85.)
15 POMEROY, Sarah. B. et al. Ancient Greece: a political, social and cultural history. 3. ed. New York:
Oxford University Press, 2012. p. 189-190.
16 KELLY, op.cit., p. 7.
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Sólon acabou com a escravidão por dívidas, libertou os cativos, bem como,
aparentemente, realizou uma reforma agrária. Ainda permitiu acesso ao poder a
novas famílias que haviam enriquecido, estipulando que os diferentes graus de
participação na vida social estavam atrelados à produção das terras19.
Dentre as alterações legislativas, de especial interesse foi a lei que
possibilitou aos homens disporem livremente de suas propriedades, tanto em vida
como em testamento, além de as hipotecarem, pois foi nesse momento que a
propriedade passou a ser plenamente individual20.
Citam-se a seguir alguns exemplos de leis atenienses que versam sobre
herança mencionadas por Demóstenes:
Lei sobre testamentos (começo do século VI a.C.)
Com exceção daqueles que foram adotados quando Sólon assumiu sua magistratura, e que, portanto, ficaram inaptos para reclamar uma herança ou renunciar a ela, qualquer homem terá direito de dispor de sua propriedade por via de testamento e de acordo com seus desejos, se não tiver filhos legítimos de sexo masculino, a menos que sua mente tenha sido incapacitada por loucura, velhice, drogas ou doença, ou a menos que ele esteja sob a influência de uma
mulher ou sob coação, ou tenha sido privado de sua liberdade21.
Lei sobre herança intestada (? Século VI a.C.):
Se alguém morre sem testar, e se tiver deixado filhas, vai para elas sua propriedade; se não, farão jus à propriedade os que seguem: irmãos que sejam filhos do mesmo pai e filhos legítimos de irmãos terão a parte correspondente de seu pai. Se não há quaisquer irmãos ou filhos de irmãos..., seus descendentes herdarão do mesmo jeito. Os (parentes) de sexo masculino e seus descendentes masculinos terão a precedência, quer sejam da mesma parentela, quer o parentesco seja mais remoto. E se não há consanguíneos do lado do pai, até o grau de filhos de primos, os parentes do lado materno herdarão de igual modo. E se não houver parente nesse grau mencionado, herdará o mais próximo aparentado do lado paterno. Nenhum filho ilegítimo, de um ou de outro sexo, terá direitos sagrados ou seculares de parentesco, a contar do arcontado de
Euclides (403-2 a.C.)22.
Pode-se, portanto, por meio das referidas normas, verificar a natureza
individual do direito de propriedade, pois na primeira verifica-se a possibilidade de
19 Ibid., p.194.
20 KLABIN, Aracy Augusta Leme. História geral do direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2004. p. 184.
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testar na ausência de filhos legítimos homens e na segunda a ordem de vocação
hereditária quando não realizado o testamento.
Acerca das leis atenienses diferenciadoras da propriedade e da posse, pouco
se pode afirmar, no entanto, sabe-se que havia diferenças entre ambas, pois chegou
até os nossos dias texto jurídico questionando se o vendedor deveria permanecer
dono da propriedade até ter o pagamento saldado23.
Os séculos que se seguiram às reformas de Sólon presenciaram a conquista
de Atenas por Esparta e sucessivamente por outras até a derrota para os
Macedônios. Filipe e posteriormente seu filho – Alexandre, o Grande – viriam a
conquistar toda a Grécia, o sul da península balcânica, o Oriente Médio e a Ásia
Menor, chegando até o rio Indo na Ásia. Alexandre, apesar de não ser grego,
afirmava ser amigo dos gregos e contribuiu para a difusão da cultura helênica entre
os povos dominados24.
A morte prematura de Alexandre causou a fragmentação do território
conquistado. Por fim, em 146 a.C., um novo império surgido na península itálica, o
império romano, viria conquistar a Grécia e a Macedônia. Mas não apenas a cultura
grega persistiria, como também diversos institutos jurídicos advindos de Atenas, tais
quais o mútuo, o arrendamento, o comodato e a hipoteca viriam a embasar seus
similares no direito romano25.
No plano teórico, discutindo a questão da propriedade, Platão (428 a 348
a.C.) escreveu que, para se evitarem as crises sociais, em uma sociedade ideal, não
poderia haver nem pessoas muito ricas, nem miseráveis, e que para isso deveria
haver cotas mínimas e máximas de propriedade destinadas a todos. Quando alguém
ultrapassasse em quatro vezes o piso estabelecido, deveria entregar o restante para
o Estado e para os deuses26.
Já Aristóteles, ao responder a pergunta se os homens no Estado perfeito
devem ou não possuir suas propriedades em comum, aduziu:
Há uma desvantagem adicional à propriedade comum: quanto maior o número de proprietários, menor o respeito à propriedade. As
çè HARRISON, Alick Robin Walsham. The Law of Athens. vol. 1. Londres; Cambridge: General
Duckworth & Co. Ltd; Hackett Publishing Company, 1998. p. 200-205.
24 PRICE, Simone; THONEMANN, Peter. The birth of Classical Europe: a history from Troy to
Augustine. Londres: Penguin Books, 2009. p. 140-153.
25 KLABIN, op.cit., p. 184.
26 PLATÃO. Dialogues of Plato: Laws V. 742 a 744. In: ADLER, M. et al. (ed.). Plato. Britannica, 1990.
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gentes são muito mais cuidadosas com suas próprias posses do que com os bens comunais; exercitam o cuidado com a propriedade pública apenas quando isso as afeta de maneira pessoal. À parte outras razões, o pensamento de que mais alguém seja responsável por uma coisa tende a fazer o homem menos cuidadoso com essa coisa27.
Como parte da argumentação contra a propriedade comum, o estagirita ainda
mencionou o fato de que as pessoas, por sua própria natureza, jamais estariam
satisfeitas e de que existiria uma inconsistência na equalização da propriedade sem
uma limitação populacional, pois se houvesse uma desproporção entre o tamanho
da propriedade e do número de pessoas, a pobreza se alastraria28.
Outros conceitos gregos também transporiam os séculos e serviriam de base
para os atuais. Desse modo, ideias como o jusnaturalismo, a democracia e a
equidade, ainda que posteriormente modificadas, viriam inspirar as vigentes.
Os gregos inicialmente concebiam o ser humano como parte do cosmos que
a ele, sem nenhuma autonomia, estava conectado. As leis do Estado também
tinham sua origem na natureza e o direito era pensado como um jusnaturalismo cosmológico29.
Sobre a democracia, entendida como o governo de muitos, Platão escreveu:
Mas o governo de muitos é em todos os aspectos fraco e incapaz de fazer igualmente um grande bem ou qualquer grande mal, quando comparado com os outros, porque os poderes estão subdivididos de forma minudente entre muitos. Por isso, é de todas as formas legais de governo a pior, e a melhor das ilegais. Se todas forem desenfreadas, é na democracia que se viverá melhor; se todas forem
bem organizadas, então é a última que se deve escolher30 [...].
(tradução nossa)
Também a equidade seria definida por Aristóteles como retificadora das leis
em prol da justiça, quando aquelas fossem contra o princípio universal almejado
pelas regras31.
No entanto, após o advento da democracia ateniense, no século V a.C., e,
portanto, antes de Platão e Aristóteles, nova corrente filosófica se desenvolveu, a
27 ARISTÓTELES, op.cit.,1999. p. 172. 28 Ibid. p. 183-188.
29 MONCADA, Luís Cabral de. Filosofia do Direito e do Estado. vol.I. Parte histórica. 2. ed.
reimpressão. Coimbra: Coimbra Editora, 2009. p. 11-12.
30 PLATÃO. Dialogues of Plato: Statesmen. In: ADLER, M. et al. (ed.). Plato. Britannica, 1990. p. 604.
(Great Books of the Western World 6)
31 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução: António Castro Caieiro. São Paulo: Atlas, 2009. p.
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dos sofistas. Estes contrapunham as leis da natureza às leis humanas e dedicavam
seus estudos à vontade humana empírica. O homem era concebido como a medida
de todas as coisas e o Estado como derivado da vontade humana convencionada,
nascido de um contrato. Os sofistas foram os primeiros positivistas do direito,
pragmatistas e utilitários, ou como diríamos, os primeiros dos antimetafísicos32.
Já no século IV a.C., Epicuro também defendeu a natureza contratual do
Estado ressaltando que a formação deste ocorreu para maior vantagem dos homens
e para a defesa de direitos, além de que não haveria nada na natureza que poderia
ser considerado justo em si mesmo. No século seguinte, os cépticos33 continuariam
a negar o jusnaturalismo e suas ideias chegariam aos romanos34.
1.2 DOS DIREITOS REAIS E DA POSSE NO IMPÉRIO ROMANO
1.2.1 O Império Romano
O início da ascensão romana data de 509 a.C., ano em os povos ocupantes
das colinas situadas às margens do Tibre expulsaram seus dominadores etruscos e
passaram a se unir a outras cidades latinas. Já em 280 a.C. dominavam a Península
Itálica.
Roma atingiu seu ápice no século 2 d.C., época na qual detinha território que
ia da Península Ibérica até Tanger no Marrocos, contornava quase todo o
Mediterrâneo e também abarcava parcela das ilhas britânicas. Em toda a sua
extensão, interligada por cerca de 80 mil quilômetros de estradas, vigoravam as leis
romanas35.
Muitos dos institutos do direito romano serviram de base para as leis dos
países europeus e daqueles que por eles foram descobertos/conquistados. Se a
dispersão original das normas romanas se deu pela própria extensão do Império,
após sua fragmentação e dominação pelos bárbaros, permaneceram ainda que
mescladas às leis dos povos invasores, aplicáveis aos povos ocidentais
32 MONCADA, op.cit., p. 13-14.
33 O ceticismo não é originário da Grécia, mas foi adotado por alguns filósofos tais como Pirro,
Carnéades e Sexto Empírico.
34 Ibid., p. 41-45.
35 DANIELS, Patricia; HYSLOP, Stephen. Atlas da história do mundo. Prefácio: Douglas Brinkley.
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conquistados36. Também no direito canônico, as leis romanas serviram para integrar
suas normas que possuíam origem na Bíblia, nos decretos papais e nas decisões
dos concílios37.
No Oriente, o imperador Justiniano pretendeu resgatar o direito romano
modernizando-o e produziu o depois nominado Corpus Iuris Civilis, composto pelo Código (constituições imperiais precedentes), pelo Digesto (extrato alterado dos
textos dos jurisconsultos clássicos), pelas Institutas (“manual” de direito para
estudantes) e das Novelas (leis promulgadas pelo próprio imperador até a sua morte
ocorrida em 565)38.
Tal obra, posteriormente, serviria de base para o estudo do direito em
diversas universidades europeias. Desse modo, o direito romano tornou-se o esteio
de grande parte do direito dos países ocidentais e, por esse motivo, trataremos de
alguns dos institutos relativos aos atuais direitos reais e também da posse
imobiliária.
1.2.2 Os direitos reais e a posse
1.2.2.1 Direitos reais
Apesar da inexistência da classificação no direito romano dos direitos
patrimoniais em pessoais e reais, no campo processual existiam duas ações
diversas que visavam a sua proteção –a actio in personam (ação pessoal) e a actio in rem (ação real)39.
As primeiras eram uma ação contra devedor determinado que havia deixado
de adimplir com uma dada obrigação e, portanto, teria de cumpri-la.
Já nas ações reais o direito era reclamado de qualquer pessoa que se
interpusesse entre o autor e a coisa, de onde se podem extrair as principais
características destes: conferem ao titular poder direto sobre a coisa; consistem na
obrigação passiva de não turbar o direito real a todo o restante da coletividade;
36 STEIN, Peter. Roman Law in European History. 10. ed. Cambridge: Cambridge University Press,
2010. p. 29-32.
37 Ibid., p.30. 38 Ibid., p. 32-36.
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estão protegidos pelas ações reais; outorgam ao seu titular os direitos de sequela e
de preferência. Uma vez que os direitos protegidos pelas ações reais no direito
romano foram sendo com o tempo ampliados, pode-se afirmar que eles são direitos
em número determinado pela lei40.
1.2.2.2 Propriedade e posse
O direito romano distinguia claramente a posse da propriedade, sendo a
posse o poder de fato sobre uma coisa e a propriedade o poder de direito41.
A propriedade fundiária romana no princípio, assim como a grega, era
pertencente à família e possuía as seguintes características: sua utilização era
ilimitada42; suas fronteiras que deviam ser demarcadas eram consideradas santas e,
portanto, estava fora do comércio; era imune aos tributos e perpétua43.
Posteriormente, a partir do século III d.C. a propriedade das terras romanas
perde seu caráter divino, passa a ter caráter patrimonial e a sofrer a incidência de
impostos. Também as servidões deixam de necessitar da anuência do proprietário44,
e novas restrições à propriedade passam a existir.
Dentre as diversas limitações legais à propriedade no direito romano,
derivadas ou do interesse dos imóveis vizinhos ou do interesse público, podemos
citar desde a obrigação do alojamento de tropas, até aquelas relativas à manutenção
de estradas, passando por direito de acesso a sepulcros e de navegação em rios e
às proibições de realização de obras que prejudicassem imóveis vizinhos (como, por
exemplo, impedindo a ventilação).
Ainda que nos primórdios do direito romano as minas pertencessem aos
proprietários, posteriormente estes tinham de permitir que outros as explorassem
mediante o recebimento de 10% do produto obtido e também poderiam perder a
propriedade imobiliária se não as cultivassem e outro, por dois anos, o fizesse.
Conjuntamente com as alterações havidas na propriedade, houve a fixação
dos trabalhadores a terra. A reforma fiscal, realizada pelo imperador Dioclesiano
40 Ibid., p. 269-270.
41No Digesto restavam as inscrições “a propriedade nada tem em comum com a posse” e “a posse
deve ser apartada da propriedade” (Ibid., p. 273).
42 As servidões de passagem e de aqueduto deviam contar com a anuência do proprietário.
43 IGLESIAS, Juan. Direito Romano. Tradução da 18. ed. espanhola por Claudia Miranda Avena. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 321-328.
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(284 a 305), estatuiu um imposto que combinava o da posse da terra com a mão de
obra utilizada para o trabalho. No ano 319, lei de Constantino impediu os colonos de
buscarem nova ocupação e em 332 outra norma do mesmo imperador trouxe a
regra de que o colono fugitivo deveria ser restituído ao proprietário sob as expensas
deste. A fixação da mão de obra permaneceria nas grandes propriedades rurais
medievais45.
A propriedade imobiliária no direito romano poderia ser adquirida a título
originário por meio da ocupação, da acessão, pela adiudicatio (cláusula constante de ações divisórias que permitia ao juiz adjudicar coisa ou parte dela), através da litis aestimatio (ação na qual o juiz condenava o réu a pagar o valor da coisa pela qual se litiga) e ex lege (entendida esta como proveniente de leis especiais que incluíam motivos estranhos à natureza do domínio (Ex. proprietário que invadisse
violentamente terreno seu em posse de outrem)46.
Os modos derivados de aquisição da propriedade necessitavam sempre de
um ato solene para a ocorrência de sua transmissão e consistiam na compra e
venda (mancipatio) cuja transmissão ocorria imediatamente quando o transmitente era o proprietário ou por transcurso de tempo legal, no caso de aquele só detivesse
a posse da coisa47.
Outra forma da substituição do proprietário era a de o adquirente se
apresentar perante um juiz e requerer a propriedade e o alienante não contestar a
ação, culminando com a adjudicação desta (alienantein iure cessio).
Havia ainda a entrega de coisa (traditio) pela qual era necessário um acordo de vontades e um fim prático (reconhecido pelo direito) para a transmissão, e a
última das maneiras de alteração era a usucapio que consistia na aquisição de domínio pela posse de boa-fé, por determinado tempo de propriedade que fosse
passível de alienação48.
A propriedade era protegida por diversas ações no direito romano. A rei vindicatio era a ação na qual o proprietário reivindicava seu bem contra terceiro que ilicitamente o possuía devendo, para tanto, fazer prova de seu direito e ressarcir o
45 ROSAFIO, Pasquale. Schiavitù, colonato e servitù della gleba. In: ECO, Umberto. (org.). Il
Medioevo: barbari, cristiani, musulmani. Milão: Encyclomedia Publishers, 2010. p. 50-53.
46 IGLESIAS, op.cit., p. 342-358. 47 Ibid., p. 361- 363.
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possuidor de boa-fé da integralidade dos gastos necessários e das melhorias
advindas dos úteis.
Já o ocupante de má-fé deveria indenizar o proprietário de todos os frutos
percebidos e de todos os danos sofridos pela coisa, enquanto que os de boa-fé só
deveriam repor os frutos percebidos antes da propositura da ação que ainda
mantivesse e pelos danos ocorridos após a propositura da ação, exceto aqueles que
o proprietário também sofreria49.
Havia também a actio negatória (ação na qual o proprietário se defendia de alguém que se arrogava direito de servidão ou usufruto), a cautio damni infecti
(caução por eventual dano decorrente de uma obra, de uma servidão ou mesmo
pela má conservação de um imóvel), a operis novi nunciatio e o interdictum quod aut clam.
A propriedade absoluta ou dominium no direito romano podia ser empregada em relação aos imóveis ou escravos e tinha de obedecer a quatro critérios: ser
exclusiva, permanente, absoluta e devia haver sido legalmente obtida50.
Ainda, por de ser um direito real, a propriedade era assim definida como o
direito de uma pessoa de usar, gozar e dispor de um bem, de acordo com as balizas
legais. Incluía também a possibilidade do proprietário de reivindicá-lo de qualquer
pessoa que injustamente o detivesse.
A propriedade possuía caráter absoluto, era oponível erga omnes e permitia a sua utilização pelo proprietário da maneira que este desejasse, sujeitando-se,
porém, à lei. Seu caráter era exclusivo – uma vez que o direito de um proprietário
sobre um bem excluía os dos demais –, perpétuo – se não houvesse determinação
legal ou pessoal, essa jamais se extinguiria por não haver sido utilizada – e elástico,
pois poderia ser diminuída e depois retornar a seu estado anterior (ex. usufruto).
Tais características, - exceto a do caráter absoluto - ainda hoje, se mantêm51.
1.2.2.3 Outros direitos reais
Os romanos reconheciam, além da propriedade, os direitos reais de servidão,
o usufruto, a enfiteuse, a superfície, o penhor e a hipoteca.
49 IGLESIAS, op.cit., p. 381-386.
50 PIPES, Richard. Propriedade e liberdade. Tradução: Luiz Guilherme B. Chaves; Carlos Humberto
Duarte da Fonseca. Rio de Janeiro: São Paulo: Record, 2001. p. 31-32.
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As servidões eram direitos sobre coisas alheias que impunham ao proprietário
de um imóvel restrições para o aproveitamento adequado por outros de seu bem ou
ter um benefício pessoal, tal qual a visitação do túmulo de um parente52.
O usufruto consistia no direito de uma pessoa, física ou jurídica, poder, por
um determinado tempo, utilizar-se e desfrutar de coisa alheia inconsumível sem
alterar sua substância ou sua utilidade econômico-social53.
A enfiteuse, no direito romano, era o direito real no qual o enfiteuta poderia
utilizar e defender a propriedade como se proprietário fosse, conservando-o e, para
isso, além de arcar com todos os ônus advindos do imóvel, deveria pagar uma
prestação anual pela utilização e fruição do bem. Características da enfiteuse eram
ser de longa duração e transmissíveis a herdeiros, além de que ela era um modo de
distribuição das terras do Estado, municípios ou igreja para particulares que nelas
deviam produzir54.
A enfiteuse viria a originar a base obrigacional das relações feudais com a
diferença de que, enquanto no direito romano esta era normalmente concedida a
soldados veteranos que podiam, mediante pagamentos, ocupar as terras estatais,
no período medieval, ela incluía uma série de outras prestações, notoriamente a de
fornecer soldados para a guerra55 e era tratada como direito inferior de
propriedade56.
Já o direito real de superfície permitia ao seu detentor o direito de uso sobre o
solo alheio, podendo inclusive demolir o bem objeto de tal direito. Existiam também
os direitos reais de garantia o penhor e a hipoteca.
1.3 DO DIREITO DE PROPRIEDADE NO PERÍODO MEDIEVAL
1.3.1 O período medieval e feudalismo
O período medieval inicia-se formalmente no ano de 476 com a queda do
império romano do ocidente e finda com a descoberta das Américas em 1492. A
época que se estendeu por mais de 1000 anos foi marcada pela fusão da cultura
52 IGLESIAS, op.cit., p. 413-415. 53 ALVES, op.cit., p. 345. 54 Ibid., p. 354.
55 TODD, Walker F. Progress and property rights: from the Greeks to Magna Carta to the Constitution.
Great Barrington: American Institute for Economic Research, 2009. p. 13.
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latina com a dos povos que gradativamente invadiram o território antes dominado
pelos césares e com o pensamento religioso cristão57.
Durante a época medieval a população europeia saltou de cerca de 30 a 40
milhões de habitantes no século VII para aproximadamente 60 ou 70 milhões no
século XIV. Tal crescimento deveu-se em parte ao avanço nas tecnologias agrícolas
como, por exemplo, o arado, e à rotação dos campos de cultivo, habilitadoras de um
incremento na produção, possibilitando, assim, uma melhora na dieta das
populações58.
Também, no início do período, houve outra importante alteração demográfica
com o êxodo urbano e a concentração da população no campo, em grandes
propriedades praticamente autossuficientes, nas quais o poder estava concentrado
nas mãos de um senhor59 e 60. O declínio das cidades as transformou praticamente
em vilas que posteriormente voltariam a se desenvolver.
Associado ao mundo medieval está o termo feudalismo, adotado até
erradamente como sinônimo de tal período, representante das múltiplas e diferentes
relações obrigacionais estabelecidas entre os proprietários das terras e seus
vassalos61, com total descentralização política.
O enfeudamento era na realidade o ato no qual um senhor, em troca de uma
série de distintas obrigações62, concedia a outro uma propriedade, uma posição do
governo, um pagamento anual, uma isenção de impostos etc. Assim como os
proprietários podiam ser vassalos de outros ainda mais poderosos, os seus homens
podiam possuir os seus próprios soldados que a eles deviam obediência63.
Destaque também do período foi o poderio econômico e militar da Igreja
Católica que, por meio da imposição de diversas proibições (casamentos entre
parentes próximos e com viúvas de parentes mortos, adoção de crianças e divórcio)
e do casamento monogâmico, indissolúvel e por toda a vida, logrou, de forma
sistemática, a redução de herança entre aparentados, tornando-se ela a destinatária
57 ECO, Umberto. Introduzione al Medioevo. In: ECO, op.cit. p. 11. 58 Ibid., p. 14-15.
59 CARLÁ, F. Dalla cittá alla campagna. In: ECO, op.cit., p. 46-49.
60 Nessas propriedades, conforme anteriormente afirmado, grande parte da população estava presa à
terra.
61 BACKMAN, Clifford R. The worlds of Medieval Europe. 2. ed. Nova Iorque; Oxford: Oxford
University Press, 2009. p. 220-225.
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de vultosas doações e, ainda nos finais do século VII, detentora de um terço das
terras produtivas da França64.
1.3.2 Documentos legais: Magna Carta (1215) e Carta da Floresta (1217)
As relações obrigacionais feudais, também presentes na Inglaterra, incluíam
uma série de ajudas compulsórias consistentes em angariar fundos e homens para
auxílio no resgate do rei, nas guerras ou expectativa destas65.
E a Inglaterra nos anos finais do século XII e iniciais do XIII estava
conflagrada, pois o rei João sem terra assumiu o trono após diversas disputas
sucessórias envolvendo seu irmão Ricardo coração de leão, que fora sequestrado
pelo duque da Áustria e morreu, após ter sua liberdade comprada, em guerra contra
a França. Assassinado também foi o legítimo herdeiro da Bretanha, o príncipe Artur,
sobrinho de João. Além das querelas dinásticas, João se indispôs com a igreja e
esta se aliou à França66.
O pagamento incrementado das obrigações feudais fez com que no ano de
1215 a nobreza inglesa estivesse sob forte pressão financeira, o que resultou na
insurgência desta contra o rei e na posterior assinatura de documento limitador dos
poderes do soberano, uma vez que, como base de todo o sistema feudal, estavam
relações contratuais que não podiam por simples vontade serem renegadas, nem
pelo rei, nem pelos senhores, sob o risco de perda de legitimidade do poder.
Se tais cartas67 já eram uma tradição inglesa68 e 69, diferentemente das
antecessoras, a Magna Carta foi produzida para encerrar uma guerra civil e continha
64 FUKUYAMA, op. cit., p. 265-267.
65 SWINDLER, William F. Magna Carta: legend and legacy. Indianapolis: The Bobs-Merrill Company,
1965. p. 24.
66 BUQUÉRA FILHO, Levy de Brito. Anotações sobre a Magna Carta: pesquisa jurídico-histórica.
Curitiba: Instituto de Ciências Sociais e Direito Comparado da Universidade Federal do Paraná, 1969. p. 9-14.
67“Embora esta e outras cartas tenham a forma jurídica de concessões soberanas, elas são de fato o
resultado de um verdadeiro pacto entre as partes contrapostas no que diz respeito aos direitos e deveres recíprocos na relação política, isto é, na relação entre dever de proteção (por parte do soberano) e dever de obediência (no qual consiste a assim chamada ‘obrigação política’ por parte do
súdito), comumente chamado de pactum subiectionis. Numa carta das ‘liberdades’ o objeto principal
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não apenas disposições determinando o modo como o rei deveria tratar seus súditos
e estes entre si, como também prenunciava toda uma forma de governo, podendo
ser considerada a primeira constituição escrita da história da Europa70.
Afora as obrigações relativas às guerras, outros importantes motivos de
discórdias entre rei e nobreza e rei e Igreja eram aqueles derivados da necessidade
de pagamento para a manutenção das propriedades na mesma família ou na Igreja
em caso de morte de um nobre ou de um prelado – pois a propriedade destes
pertencia ao rei –, bem como demais taxas que os nobres consideravam abusivas.
Assim, dentre as múltiplas cláusulas limitando o poder real, havia vedações
proibindo o rei de interferir na Igreja Católica e na organização das cidades ou
mesmo criar impostos sem aprovação.
Dentre as obrigações impostas ao soberano destacavam-se aquelas
concernentes aos direitos dos súditos de contar com julgamentos justos, realizados
por pessoas cumpridoras da lei, e sem os quais qualquer indivíduo não poderia ser
privado de suas liberdades ou propriedades.
Ainda a respeito do direito a um julgamento justo, o artigo 4071, de forma
clara, preconizava: “A ninguém venderemos ou recusaremos ou protelaremos quer o
direito quer a justiça”.
Mas a principal inovação da Magna Carta estava em determinar sanções para
o rei em caso de descumprimento do acordado. O artigo 61 assim prescrevia:
[...] E se nós ou o nosso juiz principal, se estivermos ausentes do reino, não dermos satisfação à petição dentro de quarenta dias, a contar da data em que nos for dado conhecimento ou ao nosso juiz principal, se estivermos ausentes do reino, os referidos quatro barões comunicarão o caso aos restantes barões; e os vinte e cinco barões, juntamente com a comunidade de todo o país, poderão embargar-nos e molestar-embargar-nos, de todos os modos possíveis, nomeadamente, apoderar-se de castelos, terras e propriedades, utilizando quaisquer outros meios ao seu alcance, até que sejam satisfeitas as suas
obstante a ocorrida limitação dos poderes tradicionais do detentor do poder supremo.” (BOBBIO,
Norberto. Liberalismo e democracia. Tradução: Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Brasiliense, 2005. p. 13-14.)
68 Ex. juramento da coroação do rei Etelredo e Carta da Coroação de Henrique I (CARVALHO, João
Soares de. Em volta da Magna Carta: texto latino, tradução, introdução e notas. Sintra: Editorial Inquérito, 1993. p. 13-15.).
69 As cartas forais também se fizeram presentes em muitos outros locais europeus tais como Léon,
Hungria, Portugal, Suíça (LEMBO, Cláudio. A pessoa: seus direitos. São Paulo: Manole, 2007. p. 22).
70 DANZINGER, Danny; GILLINGHAM, John. 1215: the year of Magna Carta. Nova Iorque:
Touchstone, 2005. p. 247- 250.
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pretensões, mas sem ofenderem a nossa pessoa e as da nossa rainha e dos nossos filhos. Mas, logo que tenha sido feita a
reparação necessária, eles deverão obedecer-nos como antes72 [...].
Dessa forma, a Magna Carta, além de prever os limites da obediência e
estatuir a liberdade sob a lei73, também inseriu a garantia de que, em caso de
descumprimento do pactuado, os lesados pela intervenção estatal poderiam recorrer
ao grupo de nobres para fazer respeitar os seus direitos.
Seguindo-se à confecção da Magna Carta, no ano de 1217 foi também
confeccionada a Carta da Floresta que permitia aos tribunais julgarem as causas
relativas às leis da floresta que na Inglaterra derivavam de decretos reais74.
Mais tarde o grupo de barões da Magna Carta viria a originar o parlamento
inglês75 que em 1628 iria, novamente em um momento de guerras e altos tributos,
tentar limitar o poder real.
1.3.3 Direito de propriedade da terra e a reforma agrária de Henrique VIII
O já relatado crescimento populacional europeu, ocorrido na Idade Média,
juntamente com o incremento comercial do continente fizeram com que a escassez
da terra na Inglaterra aumentasse, ocasionando não apenas a multiplicação de seu
valor, mas acirradas disputas sobre sua titularidade.
Produto inglês de exportação era a lã e, para sua produção em terras que
começavam a ser, antes do ano 1.500, inferiores à demanda, deu-se início à
delimitação e exclusão dos camponeses de áreas antes destinadas por costume ao
uso comum.
72 CARVALHO, op.cit., p. 161-163.
73 A definição do conceito de liberdade, neste ponto utilizada, é aquela posteriormente definida por
Montesquieu: “É verdade que nas democracias o povo parece fazer o que quer, porém a liberdade
política não consiste de modo algum em fazer o que se quer. Num Estado, ou seja, numa sociedade onde existem leis, a liberdade não pode consistir senão em poder fazer aquilo que se deve querer e em não ser de maneira alguma constrangido a fazer aquilo que não se deve querer. É mister ter em mente o que é a independência e o que é a liberdade. A liberdade é o direito de fazer tudo aquilo que é permitido pelas leis, e se um cidadão pudesse fazer o que elas proíbem, ele não teria mais liberdade, porque os outros cidadãos teriam do mesmo modo esse poder.” (MONTESQUIEU,
Charles-Louis de Secondat. Do espírito das leis. Tradução, introdução e notas: Edson Bini. Bauru: Edipro, 2004. p.188.).
74 CARVALHO, op.cit., p. 91-96.
75 BAXTER, Roberta. The Magna Carta: cornerstone of the Constitution. Chicago: Heineman Library,
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Mesmo com uma jurisprudência inicialmente favorável aos camponeses76, até
mesmo inspirada na condenação dos lucros sobre as propriedades, pregada pela
Igreja Católica – então dominante na região –, a prática do cercamento expandiu-se.
Em 1489, o rei Henrique VII decretou a primeira lei visando coibir o costume que
causou diversas insurgências77.
Outra decorrência das disputas por propriedades foi a assunção do poder da
igreja por Henrique VIII. O soberano confiscou os bens eclesiásticos que continham
mais de 2.000.000 (dois milhões) de acres de terras aráveis, correspondendo a
cerca de 20% do total da área inglesa destinada à agricultura78.
Henrique VIII, para sustentar suas guerras, teve de vender metade das terras
apreendidas, propriedades estas que acabaram nas mãos não apenas dos nobres,
mas também de mercadores, rendeiros, funcionários públicos, ou quaisquer outras
pessoas com dinheiro e disposição para investir em terras.
A alteração na detenção das propriedades com a intervenção estatal, ou seja,
uma reforma agrária79, viria a causar não apenas inúmeras batalhas no parlamento
inglês – os novos proprietários passaram a desejar acesso ao poder político –, como
também um significativo aumento na produção agrícola e do número de detentores
de capitais acumulados, o que, posteriormente, foi um dos fatores habilitadores da
Revolução Industrial.
A Inglaterra, mesmo dobrando sua população no século XV conseguiu
melhorar a dieta de seus habitantes. Ou seja, isso demonstra a correção da opinião
muito antes expressa por Aristóteles acerca da propriedade comum. Também, em
outro texto, deu azo à conclusão de que a utilização comunitária dos bens conduz à
“tragédia dos comuns”, entendida esta como uma pior condição geral para todos em
virtude da má utilização dos bens públicos, e que, ainda que para alguns a
76 Na Inglaterra existiam diversos tribunais aos quais qualquer pessoa poderia recorrer para a
proteção de direitos, portanto também os nobres deviam se submeter às “leis da terra”, mesmo
quando estas se impunham frente a seus interesses na defesa dos camponeses.
77 LINKLATER, Andro. Owning the Earth: the transforming history of land ownership. Nova Iorque:
Bloomsbury, 2013. p. 15-18.
78 Ibid. p. 18-19.
79 O significado do termo reforma agrária no Brasil é dado pelo Estatuto da Terra que será
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existência da propriedade privada seja injusta, “a injustiça é preferível à total
ruína”80.
As disputas entre o soberano e os parlamentares – notadamente na Casa dos
Comuns – resultaram em um período de profunda instabilidade política que perdurou
até 1689, quando, com a Revolução Gloriosa, o parlamento conseguiu se impor
estabelecendo o princípio de que os governantes só podem legitimamente governar
com o consentimento dos governados.
❊ ✁ ✂✄☎✂✆ ✝ ✞ ✟✠✡ ☛☞ ✌ ✍ ☞ ✁ ✎✠☛☞ ✍ ✏ ✌ ✑✒ ☛✓✔✌ ✍✆ ✕✖✌✁✠ ✍ ✗✌✎ ✎☞ ✍ ✏ ✞ ✎✑ ✓✔✌✞ ✌ “Leviatã ♦ ✘ ✙ ✚✙✛✜ ✢ ✣✙✤✥♦✢ ✦✙ ✧★ ♦ ✩ ✧✢✩✧✘ ✦✙ ✪♦✦✘✫ ✣✩✙✩✧✬ ✭✮✧✯ ✣✰✯ ✛ ✣✭✙ ✧✪✣✱✣✮”, obra na qual ✝ ☞❞ ☞ ✡✝ ☞✞ ✲✞ ☞ ✌✍ ✖✌ ✁☞✡✍ ✝☞ ✞✁✠ ✍✌✔✓☞✝ ✠✝☞ ✆ ✏✌✟ ✁☞ ✓✌ ✝ ☞ ✞ ✁✠ ☞✍ ✔✌ ✑ ✖✠ ✳✌ ✑✞ ✡☛✴ ✟ ✓✠ ❝✵ ✶ ✷✹ ✷✺ ✻✶ ✺ ✻ ✻✼ ✽✼ ✾ ✿transferência mútua de Direitos”, deram origem ao poder do ❊ ✍ ☛✠ ✝✌❀ Abdicaram assim de parte da liberdade total a qual desfrutavam.
A liberdade no estado de natureza, segundo Hobbes, não garantiria uma vida
✦✙ ✣✯ ♠ ✧ ✮✣❁ ou mesmo a conservação de ninguém, pois o estado de natureza era um ☞stado de guerra, resultante da igualdade entre os homens. O ser humano, ✓✡✝✓✳✓✝✞ ✠ ✑ ✁☞✡☛☞ ✆ ✠ ✔✟☞ ✝ ✓☛✠ ✍☞✟ ✁☞ ✑ ✖✌✟ ✝ ✌ ✲✞☞ ✍☞ ✞ ✍ ✍☞ ✁☞ ✑ ✖✠✡ ☛☞ ✍✆ ✁☞ ✟☞ ✔☞ ✝ ✌✟ ✝ ☞ ✁✠✓✍ ❜✻✶ ✻ ✷✷✻ ✷ ✻❂❃✵❄✺ ✾✶✺ ✵❂✿mesmo que se verifique uma distribuição equitativa, o homem ✶♥✵ ✷✻❝✵✶ ✺ ✻✶ ✺ ✾❝✵✼ ✾❃✾❄✺ ✻ ❅✽ ✻❆❇✻❝ ✾❜✻❈
81.
❉✍✍ ✓ ✁ ✍☞ ❞ ☞❋✡☞✔☞ ✍✍✴✟✓✠ ✠ ☞●✓✍ ☛❍✡ ✔✓✠✝☞ ✞✁✏ ✌ ✝☞✟✔✌ ✁✞ ✁ ✔✠ ✏ ✠❋✝☞ ✁✠✡ ☛☞ ✟ ✠ ✏ ✠❋✆ ✔✌✓✎ ✓✡✝ ✌ ✠ ♣✞ ☞✟✟✠ ✆ de “todos contra todos”
82, pois sendo da própria lei de
✡✠ ☛✞✟☞❋✠ a busca pela preservação, o homem abriu mão dessa liberdade originária, ❄✻✶ ✽✶ ❝ ✹✾✶r✵ ✾ ✿seus Direitos a todas as coisas, contentando-se com a mesma ▲✓✎☞✟✝✠✝ ☞ ✲✞☞ ✏☞ ✟ ✁✓☛☞ ✠✌ ✍ ✝☞ ✁✠✓✍✆ ■ ✁☞ ✝ ✓✝ ✠ ☞✁ ✲✞☞ ✔✌ ✡✍ ✓✝ ☞✟☞ ✠ ✝ ☞✔✓✍ ❏✌ ✶✻❝ ✻ ✷✷❑❄✹✾▼✼✾✶✽ ✺ ✻✶ ◆♥✵ r✾❖ ✾P✻✼✷✽ ✾❃ ❄◗❃❄✹✾r✻❘ ✻ ✷✾❈
83.
❙✏ ✌✝ ☞✟✍✌ ✎☞ ✟✠✡✌ ✍☞✟✓✠ ✌ ✟☞✍✏ ✌ ✡✍✴ ✳☞ ✑✏ ☞ ✑✠ ✟☞ ✏ ✠✟☛ ✓❚ ❏✌ ✠✟✎ ✓☛ ✟✴✟✓✠ ✝ ✌✍ ✁✠ ☛☞✟✓ais ➊ bens – essenciais à manutenção do Estado. Esta distribuição instituía a ✏✟✌✏✟ ✓☞ ✝ ✠✝ ☞❀❙ ☛✟✠ ✎✠ ✑ ✖✌ ✝ ☞✞ ✁ ✖✌ ✁☞ ✁✆ ✏✠✟✠✌ ✏ ☞✡✍✠ ✝✌✟✆ ✍☞✟✓✠ ✞✁✎☞✁ ✲✞☞✏ ✌✝ ☞✟✓✠
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84.
❯❱ HARDIN, Garret. The Tragedy of the Commons. Disponível em: ❲❲http://www.sciencemag.org/content/162/3859/1243.full>> Acesso em: 13 jan. 2014.
❳❨
HOBBES, Thomas. Leviatã ou A matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil.
❩ ❬ ❭❪❫❴ ❵❛: Rosina D´Angina. 3. ed. São Paulo: Ícone, 2008. p. 94. ❳❡
Ibid.,p. 96.
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Ibid.,p. 100.
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