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3. A PROPRIEDADE RURAL NO BRASIL APÓS A CONSTITUIÇÃO DE 1988

3.7 REFORMA AGRÁRIA: FALÁCIAS E PROBLEMAS

3.7.1 Reforma agrária: falácias

3.7.1.1 Falácia da existência de inúmeros latifúndios

O primeiro pilar do erro governamental histórico versa sobre a extensão e proporção dos latifúndios sobre a área agricultável no Brasil. Conforme apontou estudo apresentado em 1989, o governo atestava que os latifúndios representavam cerca de 26% dos imóveis rurais nacionais, atingindo aproximadamente 70% da área cadastrada no país, e afirmou-se também que 41% dessas áreas não eram sequer aproveitadas, sendo que apenas 342 proprietários concentravam 47,5 milhões de hectares enquanto 2,5 milhões de minifundistas detinham área cerca de 5 milhões de hectares menor298.

Entretanto, comprovou-se que os dados estavam divorciados da realidade: afinal, 58,2% desses latifúndios correspondiam a áreas menores do que 100 hectares, e pior, muitas dentre as grandes propriedades sequer existiam, eram latifúndios “fantasmas”299.

http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/agropecuaria/censoagro/brasil_2006/coment arios.pdf>>. Acesso em: 20 fev. 2014. p. 100.).

296 IBGE. Ibid.p.100.

297 4,85%. (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA. Agropecuária segue sendo destaque do PIB

brasileiro. Disponível em: <<

http://www.agricultura.gov.br/comunicacao/noticias/2014/02/agropecuaria-segue-sendo- destaque-do-pib-brasileiro>>. Acesso em: 20 fev. 2014.)

298 GRAZIANO NETO, Francisco. A tragédia da terra: o fracasso da reforma agrária no Brasil.

São Paulo: Iglu; Jabuticabal: Fundação de Estudos e pesquisas em Agronomia, Medicina Veterinária, Zootecnia, 1991. p. 28-33.

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Mesmo com novo cadastramento realizado em 1992, as inconsistências persistiram, como pode ser comprovado pela “existência” de uma fazenda sediada em Agudos com 960 mil hectares, ou seja, com área correspondente a 19 municípios da região onde estaria localizada300. Em 2000, após operação

moralizadora no cadastro de terras, foram excluídos 48 milhões de hectares de terras inexistentes301.

Inicialmente cabe ressaltar que, ainda hoje, uma ideia bastante presente no pensamento agrarista é a do distributivismo, centrada na ideia de que o latifúndio é a causa da baixa produtividade e da pobreza. Contudo, além de desatualizado, tal discurso, quando aplicado, dá azo a ações de movimentos organizados que pressionam o governo por recursos que vêm sendo, como veremos, sistematicamente mal utilizados ou mesmo desperdiçados.302

Sob a inviabilidade do modelo adotado, Francisco Graziano é enfático ao escrever:

o modelo da reforma agrária distributivista, empurrado pela ação política do MST e, mais recentemente, da Contag, em nada está ajudando no combate à miséria de nosso país. Ouso afirmar que ocorre o contrário: ao pressionar o Tesouro por recursos escassos, subtrai benefícios da política social, provoca desperdício e os canaliza para uma casta de militantes políticos. Criam-se privilegiados, uma nova clientela do Estado.303

3.7.1.2 Falácia de que são as pequenas propriedades as grandes produtoras de alimentos para as cidades

Distante da realidade também é a afirmação de que são os pequenos produtores os fornecedores de alimentos para as cidades. Apesar de correta na década de 1970, hoje, apesar de só ser verdadeira sobre alguns produtos, é fortemente difundida, inclusive pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), vejamos:

Apesar de cultivar uma área menor com lavouras e pastagens (17,6 e 36,2 milhões de hectares, respectivamente), a agricultura familiar é responsável por garantir boa parte da segurança alimentar do país, como importante fornecedora de alimentos para o mercado interno.

300 GRAZIANO NETO, Francisco. O paradoxo agrário. 2. ed. Campinas: Pontes, 1999. p. 41. 301 GRAZIANO NETO, Francisco. O carma da terra no Brasil. São Paulo: A girafa, 2004. p. 63. 302 Ibid. p. 30-40.

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A Tabela 1.2 apresenta a participação da agricultura familiar em algumas culturas selecionadas: produziam 83% da produção nacional de mandioca, 69,6% da produção de feijão (sendo 76% do feijão-preto, 84% do feijão fradinho, caupi, de corda ou macáçar e 54% do feijão-de-cor), 45,5% do milho, 38% do café (parcela constituída por 55% do tipo robusta ou conilon e 34% do arábica), 33% do arroz, 58% do leite (composta por 58% do leite de vaca e 67% do leite de cabra), possuíam 59% do plantel de suínos, 51% do plantel de aves, 30% dos bovinos, e produzem 21% do trigo. A cultura com menor participação da agricultura familiar foi a soja (14%), um dos principais produtos da pauta de exportação brasileira304.

Primeiramente, destaca-se que o universo dos produtos escolhidos foi restrito e altamente concentrado em espécies nas quais a produção está nas glebas familiares. Dos 80,10 milhões de hectares cultivados pelas propriedades familiares, os vegetais citados305 ocupavam 16.199.764 hectares das

propriedades familiares, ou cerca de 20% do total da área destas e 24.612.784 hectares das áreas não familiares, aproximadamente 10% do total, ou seja, a área proporcional utilizada pelas pequenas propriedades agrícolas nestes produtos era aproximadamente o dobro.

Contudo, retirando-se a soja, verifica-se que o número passa para 16,8% e 3,7% respectivamente do total306. Desse modo, a área

proporcionalmente utilizada nas culturas elencadas pelas propriedades familiares foi de 4,54 vezes àquela ocupada pelas demais e corresponde apenas à fração da área produtiva nacional.

Dado também realçado nos números apontados é o do trigo, pois segundo os Indicadores Agropecuários 1996-2003307, no último ano do período,

a produção interna era de aproximadamente metade do consumo interno. Pode-se, portanto, de modo rápido, afirmar que a produção nacional advinda

304 IBGE. Censo agropecuário 2006. Disponível em:

<<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/agropecuaria/censoagro/agri_familiar_200

6_2/notas_tecnicas.pdf >>, <<

ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Agropecuario_2006/Segunda_Apuracao/censoagro2006_2a apuracao.pdf>>. Acesso em: 05 mar. 2014.

305 Não há informação específica a respeito da área utilizada com a criação de animais nas

pequenas propriedades.

306 A obtenção destes dados foi efetuada com base na utilização da terra segundo o Censo

agro 2006 que atesta que as propriedades familiares ocupavam 80,10 milhões de hectares, correspondendo a 24% do total, restando, portanto, 253.580.037 hectares utilizados pelas demais propriedades rurais.

307 IBGE. Indicadores agropecuários 1996-2003. Disponível em <<

ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Agropecuario_2006/Segunda_Apuracao/censoagro2006_2a apuracao.pdf>>. Acesso em: 05 mar. 2014.

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das pequenas propriedades corresponderia a 10% do necessário, se mantida a proporção.

É digna de atenção também a distorção surgida nos produtos escolhidos pelo IBGE para demonstrar a importância da agricultura familiar para o Brasil quanto à produtividade inferior das propriedades familiares – em todas as culturas listadas. A maior desproporção encontra-se no feijão de cor, onde cada hectare plantado nas propriedades familiares produziu cerca de 705 quilos enquanto que nas demais a produção foi 1473 quilos308.

Portanto, além do estudo do IBGE abordar as culturas agrícolas de menor parcela das propriedades, ainda evidenciou a baixa produtividade das terras utilizadas pela agricultura familiar.

Conforme demonstrado não são as pequenas propriedades as grandes fornecedoras de alimentos para a sociedade, mas sim as médias e grandes. Ao também apontar esse fato, Graziano, porém, ressalta que as pequenas propriedades são as grandes geradoras de empregos309.

3.7.1.3 Falácia do número de trabalhadores sem terra

Distorções também apareceram quando se estimou o número de sem- terra nacionais, a serem assentados, em 4 milhões. Tal número irrealista advém dos cerca de 5,5 milhões de pessoas assalariadas e ou “parceiras” que retiravam em 1998 o seu sustento da terra; são sem-terra, mas se fossem assentadas, fariam com que deixasse de existir assalariamento no campo310.

3.7.1.4 Falácia de que as áreas de pastagens são terras improdutivas

Outro mito versa sobre a improdutividade das terras utilizadas com pastagens, mas este desfaz-se com o argumento de que, em terras tropicais, não se mostra coerente a utilização intensiva do confinamento e de que, na

308 Nos produtos listados a produção foi de, respectivamente, nas propriedades familiares e

demais, em quilos por hectare: arroz em casca – 2742 e 5190; feijão-preto- 970 e 1314; outros feijões – 501 e 638; mandioca – 6720 e 8562; milho em grãos – 2979 e 4280; soja – 2366 e 2622; trigo – 1464 e 1804; café arábica em grãos – 1284 e 1658; café canéfora em grãos – 1021 e 1494.

309 GRAZIANO NETO, 2004, op. cit,. p. 39-40. 310 GRAZIANO NETO, 1999, op. cit,. p. 104.

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realidade, o fato de o gado nacional ser criado solto no pasto faz com que a carne dele seja mais saudável311.

3.7.1.5 Falácia de que a Reforma Agrária necessariamente melhora a vida das pessoas

P ✗ ✘✙✚ ✛✘✜ ✢ ✗ ✜✣ ✛✤✜✥ ✜ ✦✗✣ ✧ Instituto Nacional de Colonização e Reforma ❆ ★✢✩✢✛✜ (INCRA), acerca da qualidade de vida nos assentamentos, demonstrou

que mais da metade dos assentados considera que não houve melhora nas suas condições de saúde com o intenso investimento de recursos, 26,50% das famílias não entendeu que houve incremento nas suas condições de moradia, cerca de 35% delas também não entendeu que houve melhorias em alimentação e renda e, pior, 47,8% das famílias pensa que a sua saúde não melhorou312.

O caso da educação é ainda mais gravoso. Os dados atuais demonstram possuírem as famílias assentadas condições piores do que as da média nacional, principalmente a respeito da educação que está fortemente atrelada à qualidade de vida: sendo que 16,42% das pessoas são sequer alfabetizadas, 42,88% têm estudo até a quarta série e, na faixa entre quinta a nona série, encontram-se 26,97% das pessoas, enquanto que os dados do

❇ ✢ ✜✘✛✣ ✘✪ ✧, por exemplo, de 13,3% para o analfabetismo. É, porém, verdade

que 63,29% das famílias afirmam que houve melhora na educação, mas, ao constatar-se o baixo nível médio do ensino, pode-se verificar que o acesso à principal ferramenta de alteração social ainda encontra-se distante da realidade dos assentados.

Uma leitura rápida poderia conduzir à conclusão de que a reforma agrária, na maior parte das vezes, melhora a vida das pessoas. Na realidade, não é possível fazer esta afirmação, tendo em vista que outros programas sociais são aplicados em conjunto com ela, tais como o Minha Casa Minha Vida e o Bolsa Família e, portanto, não é possível determinar qual dos

311 GRAZIANO NETO,1999. op.cit.. p. 103.

312 INCRA, Pesquisa Sobre Qualidade de Vida, Produção e Renda nos Assentamentos do

Brasil (2010). Disponível em: http://www.incra.gov.br/index.php/reforma-agraria-2/questao- agraria/numeros-da-reforma-agraria/file/1152-pesquisa-qualidade-de-vida-nos-assentamentos- 2010.

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programas foi o fator preponderante para a mudança positiva, quando ocorrida. No Ceará, por exemplo, cerca de metade das famílias assentadas vive com menos de um salário mínimo e 44% depende dos programas de benefícios sociais para sobreviver313.