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Brasil: território e sociedade no século

No documento PORTCOM (páginas 71-79)

Técnica e Tempo, Razão e Emoção

7. Brasil: território e sociedade no século

Nesse livro, que trata do território brasileiro e de sua pai- sagem no novo século, Milton Santos e Maria Laura Silveira percorrem a história recente da modernização do país reto- mando conceitos desenvolvidos em obras anteriores, entre eles o de região concentrada e o de meio técnico-científico infor- macional, que julgamos serem centrais para as reflexões sobre os pequenos e médios centros urbanos. Estes apenas tardia- mente iniciaram suas produções de mídia, após serem inclu- ídos no processo de regionalização dos avanços já registrados nos grandes centros.

É a partir da segunda metade da década de 1940 que o Brasil começa a registrar diversas mudanças materiais que se registraram sobre o território. Do combate à precariedade da rede rodoviária até a busca de uma alavancagem industrial, o país aplicou-se com urgência à sua modernização.

A expansão do capitalismo industrial, através de políticas de desenvolvimento econômico que incentivavam a participa- ção do capital estrangeiro, resultou na intensificação demo- gráfica de determinados centros, no incremento da urbani- zação das grandes cidades e no surgimento das metrópoles, lugar privilegiado da socialização de ideias, saberes e técnicas que tornariam possíveis novos produtos, serviços, culturas. Es- tes, cada vez mais especializados, atenderiam a perfis de consu- mo que se sofisticavam e se despregavam das necessidades mais elementares da vida diária. Milton Santos e Maria Laura Silvei- ra (2001, p. 47) lembram que o papel do Estado na assunção e orientação da “ideologia do crescimento” foi determinante.

Foi a partir desse período que se deu o fortalecimento das atividades econômicas e industriais na chamada Região Concentrada (SANTOS; RIBEIRO, 1979; SANTOS, 1986; SANTOS; SILVEIRA, 2001). A partir do desenvolvimento que já registravam desde os anos 1930, as regiões Sudeste e Sul passaram a exercer função polarizadora em diversas áreas e a estabelecer relações totalmente novas com as demais re- giões do país. Destacam-se nesse contexto os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, a partir de suas capitais – o Rio, capital do país durante quase dois séculos, pelo favorecimento político; São Paulo, graças ao desenvolvimento sócio-econô-

Milton Santos: textos e conceitos para o estudo da mídia do interior mico alavancado pelo cultivo e exportação do café, que gerou concentração de mão-de-obra, um amplo mercado consumi- dor e infraestrutura favorável à instalação de novas e variadas indústrias e empresas de serviços. A pujança e centralidade do fato paulista, inclusive, acabariam por sobrepujar o fluminen- se e os demais. (SANTOS; SILVEIRA, 2001, p. 46).

Ainda que os autores não tratem diretamente do tema da mídia nessa obra, convém recordar que é justamente entre as décadas de 1940 e 1970 que acontecem as primeiras iniciati- vas de profissionalização do jornalismo no Brasil, por exem- plo. A atividade foi impactada pelo processo mais amplo de transformação do país e modernizou-se juntamente com ele. A partir da década de 1960, registrou-se uma crescente parti- cipação da publicidade privada no faturamento das empresas jornalísticas e as mesmas beneficiaram-se de políticas gover- namentais para realizar modernização tecnológica, compra de novos equipamentos e aperfeiçoamento de técnicas inspiradas no modelo norte-americano.

Voltando aos autores, esses observam que, a partir dos anos 1970, os diversos processos de desenvolvimento acumu- lariam frutos sobre o território já modificado, potencializando ainda mais o funcionamento de outras instâncias produtivas. Ciência, tecnologia e informação formaram o tripé que San- tos e Silveira (2001, p.101-102) apontam como sustentador de um meio ambiente cujas principais características são a inte- gração, a fluidez e a tendência à especialização de atividades, produtos e serviços – alguns deles, situados nas novas esferas de produção da comunicação e da cultura, responsáveis pela produção e circulação em larga escala de mensagens, imagens, narrativas e representações.

O desenvolvimento desse meio técnico-científico-infor- macional favoreceu os meios de comunicação de massa e a indústria de mídia em geral, que cresceram mais amplamente na Região Concentrada, polarizadora da economia brasileira, mais uma vez com destaque para as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Entretanto, com a globalização, embora as maio- res indústrias mantenham seu centro de comando no Sudes- te e no Sul do Brasil, começa uma sensível redistribuição da atividade produtiva sobre outros territórios a partir dos anos 1980, com intensificação nos anos 1990. Na mesma época, se

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registra uma significativa reorganização dos circuitos espaciais da produção e também da divisão do trabalho. Esse processo acontece em dois movimentos: há a consolidação da produção do Rio de Janeiro e de São Paulo, que sediam empresas que visam ao mercado nacional; em paralelo, há uma intensifica- ção da regionalização das indústrias em geral, com a intenção de atender demandas mais localizadas. As cidades tornam-se, elas mesmas, especializadas. (SANTOS; SILVEIRA, 2001).

Milton Santos: textos e conceitos para o estudo da mídia do interior

8. Discussão

Ao longo de nossa pesquisa, buscamos conhecer e relacio- nar os conceitos acima com nosso objeto de estudo. Na tese, exploramos como hipótese o conceito de regiões jornalísticas enunciado por Milton Santos para verificar as condições de produção e as áreas de mercado da mídia diária imprensa e on-line no interior do Estado do Rio de Janeiro. Para isso, utilizamos uma metodologia construída a partir do quadro teórico fornecido pela geografia urbana e pela economia in- dustrial. O primeiro passo foi mapear todos os meios de co- municação do Estado do Rio com exceção dos localizados na região metropolitana. Em seguida, realizamos visitas às redações e aplicação de questionários entre os gestores. Que- ríamos, com isso, estudar a localização das mídias de cidades pequenas e médias do interior fluminense, a abrangência de seu noticiário, seu modelo de negócios, performance econô- mica e social. Milton Santos e os conceitos por ele desenvolvi- dos contribuíram com esse estudo ao nos ajudarem a compre- ender como estão relacionados os princípios da localização, da demanda, da organização da mídia nos dois circuitos da economia nas cidades pesquisadas, das áreas de influência dos centros urbanos, das firmas de mídia e da região complemen- tar que ajuda a sustentar esse mercado em cada localidade.

Observamos que, tanto na cidade centro de região quanto na área que chamamos de fronteira jornalística, a demanda (ou “vontade regional”), a força econômica e as facilidades oferecidas pela tecnologia, ou seja, a existência de um meio técnico-científico-informacional favorável e bem explorado pelos gestores, têm oportunizado aos empreendedores de mí- dia diversos modos de atender desejos e necessidades do pú- blico por notícias locais. Assim, no território pesquisado, há uma oferta bastante variada de produtos e serviços de mídia, indo desde aqueles de mais baixa ordem, ou concernentes ao circuito inferior da economia, até produtos e serviços de mais alta ordem, ou concernentes ao circuito superior.

De um modo geral, as firmas do circuito superior, neste caso, segundo nossa classificação, emissoras e sucursais de TV aberta, jornais diários, emissoras de rádio ligadas a redes de AM e FM e canais de TV por assinatura com produção local,

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estão localizados em cidades que são centro de região, no topo da hierarquia urbana, com número de habitantes entre 79 mil e 487 mil. Essas cidades, por sua demografia, características culturais, importância política, conjunto de serviços, econo- mia e localização estratégica, detêm um poder de influência relevante sobre outros centros, que acabam por fazer parte também da área de atuação ou cobertura das mídias sediadas nesses centros mais pujantes.

As cidades com número de habitantes variando entre 7 mil e 50 mil e que não gozam de uma centralizada mais destacada formam a região complementar ao mercado relevante das fir- mas de mídia dos centros maiores e ajudam a tornar possível a sustentabilidade desses serviços ao proverem audiências mais amplas e mercados potenciais para anunciantes. As cidades pequenas, entretanto, também oferecem produtos de mídia que, por sua especialização e seu padrão técnico, poderiam ser considerados próprios do circuito inferior: por exemplo, jornais impressos mensais, perfil da cidade em redes sociais, rádios comunitárias – o que não significa que não tenham relevância ou que não cumpram seu papel social na comuni- dade a que atendem.

No interior do Estado do Rio, campo da pesquisa, poucas são as cidades em que não há pelo menos um tipo de produto ou serviço de mídia sendo oferecido por pessoa física ou por uma firma local ou, então, que não integre a área de cobertura ou abrangência, ou seja, a região complementar de uma firma de mídia regional. No território pesquisado, circuito superior e inferior da economia se sobrepõem nas cidades centro de região. Já os produtos concernentes ao circuito inferior, estes prevalecem nas regiões complementares, onde as mídias on- -line ganham força: na fronteira jornalística, a mídia on-line é espaço privilegiado da notícia local.

Na verdade, é principalmente no on-line, seja na cidade que é o centro da região jornalística ou na fronteira, que se tem percebido as mudanças provocadas pela ação do empre- endedor pioneiro como aquele que percebe oportunidades e tendências, inova e estimula novos comportamentos no mer- cado. A transição para o on-line, que, no interior do Estado do Rio, teve início em 1996 nos jornais diários impressos e que ganhou novo ritmo a partir de 2008 com a entrada dos sites

Milton Santos: textos e conceitos para o estudo da mídia do interior de notícia independentes no mercado, é a grande inovação mi- diática que se processa e demarca a entrada do jornalismo local ali realizado em um novo ciclo econômico e de vínculo social.

Mas, o mais importante não foi confirmar essa correspon- dência centro urbano-circuito da economia, ou a relação entre produção midiática-meio técnico-científico-informacional. O mais importante foi verificar, in loco, tanto a dinâmica dessas relações quanto a relevância dos meios de comunicação de quaisquer portes, níveis profissionais e padrões para suas cida- des. A conquista de um papel socialmente relevante está dire- tamente relacionada à conduta dos gestores e ao seu compro- misso de perseguir não apenas um funcionamento lucrativo, porque a mídia também é pensada aqui como firma produtora de bens simbólicos, mas também a realização de um serviço público isento e comprometido com os altos valores credita- dos à atividade jornalística, o que, em geral, ocorre por causa do conhecido ethos da profissão. Do mesmo modo, o sucesso da firma pode ser entendido pela sua capacidade de atender as expectativas de um público interessado em notícias e in- formações que lhes sejam próximas e que está cada vez mais conectado, exigente e pulverizado.

Desse modo, confirmamos que a adesão ao papel social do jornalismo pode ocorrer em pequenas e grandes firmas, em firmas lucrativas e em firmas com baixo desempenho financei- ro, ainda que, como temos observado, as firmas que desenvol- vem um alto valor social para seu público em geral registram maior movimento em seu livro-caixa e, assim, têm mais chance de realizarem um trabalho independente de alianças que com- prometam sua linha editorial e de darem aos sujeitos que se servem de seu conteúdo condições de ampliarem seu campo de visão a respeito do mundo da vida, terem acesso a múltiplas vozes e, assim, mais autonomamente, exercerem o direito de se posicionar frente aos acontecimentos que se sucedem.

Jacqueline da Silva Deolindo

9. Conclusão

Neste ensaio procuramos demonstrar como conceitos e re- flexões de Milton Santos sobre mídia, organização espacial e ci- dadania constituem, em sua relação, um referencial pertinente e profícuo para estudar o fenômeno da comunicação social em pequenos e médios centros urbanos não-metropolitanos, ainda que o autor não tenha se dedicado mais especificamente à temá- tica. Com essa finalidade, perpassamos obras como

• “Classificação funcional dos jornais brasileiros – As regiões jornalísticas”, a partir da qual elegemos como hipótese de trabalho o conceito de região jornalística, da qual deduzimos o conceito de fronteira como zona escassa de produção noticiosa e informativa;

• “A cidade como centro de região”, que nos introduziu nos estudos de rede urbana e hierarquia das cidades, ajudando-nos a compreender que não é a mídia que qualifica a cidade, antes a cidade com suas demandas que justifica a presença de determinadas firmas de mí- dia a partir da centralidade exercida em dado conjunto de cidades;

• “O espaço do cidadão”, através da qual amadurecemos a ideia da distância geográfica como produtora da dis- tância informativa e, consequentemente, da distância política, que levam o sujeito a operar no risco do desco- nhecimento do que se passa;

• “A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção”, em que confirma a força do lugar como espa- ço de produção criativa, não importando sua dimensão; • “O espaço dividido”, através da qual conhecemos a crí- tica às teorias tradicionais sobre a rede de cidades e os conceitos de circuito superior e inferior da economia, e, por fim,

• “O Brasil: território e espaço no século XXI”, na qual Milton Santos retoma os conceitos de região concentra- da e de meio técnico-científico-informacional tendo a história recente e a paisagem cultural do país em pers- pectiva para explicar e justificar os modos como estes se desenvolveram e funcionam.

Milton Santos: textos e conceitos para o estudo da mídia do interior Vimos ao longo do texto que o desenvolvimento das in- dústrias de mídia no Brasil seguiu a cartografia da produção de bens materiais e serviços que vem se desenhando desde a década de 1930. Podemos observar a correspondência entre os principais centros urbanos e os centros produtores de notícia e informação. Registra-se, contudo, uma relativa regionalização da produção midiática, seguindo o padrão de regionalização/ interiorização dos avanços técnicos e tecnológicos de outros setores da economia, a partir dos anos 1980.

A distribuição das indústrias de mídia pelo território tem interferido na produção de novos espaços e colaborado com a refuncionalização de tantos outros, dotando os primeiros e os segundos de um “valor” específico. No entanto, ainda nos de- paramos com a triste realidade da concentração de propriedade, o que limita a produção de conteúdo aos objetivos de poucos, e também com a concentração espacial da produção midiática, uma vez que os principais núcleos emissores estão em poucas cidades mais desenvolvidas técnica e economicamente.

Por ocasião da reabertura política brasileira, em 1988, Milton Santos julgava o acesso mais democrático à informa- ção uma utopia, um objetivo a ser perseguido. Hoje, as novas tecnologias da comunicação e da informação é apenas um dos muitos caminhos que podem ajudar a dirimir a exclusão da recepção do conteúdo noticioso e da participação das comu- nidades na construção das próprias referências. A ampliação de infraestruturas, qualificação profissional, práticas educa- tivas, fomento à produção de conteúdo colaborativo, a dis- cussão ampla e democrática de um marco regulatório para a mídia, a fim de garantir, entre outras coisas, uma maior parti- cipação regional nas grades dos grandes veículos, bem como a mobilização a favor de políticas públicas que subsidiem mídia local e regional seriam outras iniciativas possíveis – algumas das quais já em andamento. Com isso, o projeto de uma mí- dia mais cidadã e a emancipação dos homens e das mulheres vão aos poucos se constituindo real.

Jacqueline da Silva Deolindo

Referências bibliográficas

1. SANTOS, Milton. A cidade como centro de região. Salvador: Livraria Pro-

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