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Da violência da informação às técnicas dóceis

No documento PORTCOM (páginas 41-44)

Milton Santos’s contribution to the democratization of communication

2. Da violência da informação às técnicas dóceis

O problema da monopolização do sistema de comunicação é caro a um grande conjunto de autores, sobretudo da Econo- mia Política da Comunicação. Milton Santos discute o tema ao apresentar as características do atual período, que nomeia como período da globalização. Na obra Por uma outra globali-

zação (SANTOS, 2000), o autor problematiza a produção da

globalização e de suas características fundamentais, conside- rando sobretudo as transformações gestadas no período após a Segunda Guerra Mundial e aprofundadas a partir da década de 1970. Segundo Santos (2000, p. 38, grifos próprios),

Entre os fatores constitutivos da globalização, em seu ca- ráter perverso atual, encontram-se a forma como a infor-

mação é oferecida à humanidade e a emergência do dinhei-

ro em estado puro como motor da vida econômica e social. São duas violências centrais, alicerces do sistema ideoló- gico que justifica as ações hegemônicas e leva ao império das fabulações, a percepções fragmentadas e ao discurso único do mundo, base dos novos totalitarismos – isto é, dos globalitarismos – a que estamos assistindo.

Assim, Milton Santos apresenta a violência da informação como uma característica do atual período. Para, embora a in- formação seja cada vez mais presente e vital à vida cotidiana, à economia e à organização do território, seu comando está centralizado em poucos agentes, sobretudo grandes empresas. Santos aponta, assim, um papel “verdadeiramente despótico da informação” (SANTOS, 2000, p. 38), pois essa informa- ção monopolizada “é uma informação manipulada que, em lugar de esclarecer, confunde. Isso tanto é mais grave porque, nas condições atuais da vida econômica e social, a informação constitui um dado essencial e imprescindível”, afirma o autor. Santos se baseia, também, em Pierre Nora (1976, p. 187), para quem estaríamos em um estado de superinformação perpétua e de subinformação crônica, isto é, com um excesso quantita- tivo de informações, mas uma incapacidade de nos informar verdadeiramente. Em entrevista ao programa Roda Viva, em 1997, Milton Santos afirmou:

Contribuições de Milton Santos para pensar a democratização da comunicação

A violência da informação torna difícil aos pobres e a to- das as pessoas entender o que se passa, porque a informa- ção está malgrada nos jogos da mídia. Mas a culpa não se pode atribuir somente a ela, porque a informação é centra- lizada. Que jornal brasileiro dispõe de meios para indicar o que o mundo está sendo hoje, o que ele foi ontem, o que ele é amanhã? Nenhum. Eles se valem de informações que lhes são dadas por grandes agências que também são gran- des agências desses grandes ‘monstros’ que comandam esse mundo perverso.

Santos destaca, portanto, a compreensão de que poucos grupos – hoje compostos por conglomerados globais de mí- dia, agências internacionais de notícias, empresas nacionais de mídia, grupos globais da internet e alguns outros – centra- lizam o comando da produção e circulação de informações e possuem amplo poder sobre a organização dos territórios. Em

A Natureza do Espaço (SANTOS, 2006), o autor ratifica que

“o controle centralizado e organização hierárquica conduzem à instalação de estruturas inegalitárias, já que a informação essencial é exclusiva e apenas transita em circuitos restritos”. Baseado em M. Traber, ele afirma que “hoje, muito mais que há três decénios, a informação, inegalitária e concentradora é a base do poder” (SANTOS, 2006, p. 120). Uma questão im- portante apontada por Santos é a ligação desses monopólios midiáticos com o mundo da produção das coisas e das normas (SANTOS, 2000, p. 40). Ele afirma:

Quando o sistema político formado pelos governos e pelas empresas utiliza os sistemas técnicos contemporâneos e seu imaginário para produzir a atual globalização, apon- ta-nos para formas de relações econômicas implacáveis, que não aceitam discussão e exigem obediência imediata, sem a qual os atores são expulsos da cena ou permanecem escravos de uma lógica indispensável ao funcionamento do sistema como um todo. É uma forma de totalitarismo muito forte e insidiosa, porque se baseia em noções que parecem centrais à própria ideia da democracia – liberda- de de opinião, de imprensa, tolerância –, utilizadas exa- tamente para suprimir a possibilidade de conhecimento do que é o mundo, e do que são os países e os lugares (SANTOS, 2000, p. 167).

O entendimento do autor para afirmar a violência da in- formação se dá, também, em sua consideração de que as novas

André Pasti

técnicas da informação do período “(por enquanto) são apro- priadas por alguns Estados e por algumas empresas, aprofun- dando assim os processos de criação de desigualdades”. Aqui, merece destaque uma ênfase nos parênteses utilizados pelo autor: o “por enquanto” antecipa a concepção de Santos so- bre as possibilidades de apropriação dessas técnicas pelos “de baixo” para produzir uma outra globalização – onde, indire- tamente presente em sua obra, estaria a democratização da comunicação. Essa tensão entre os monopólios midiáticos e a “perversidade da globalização”, de um lado; e as possibilida- des de outros usos das técnicas atuais para produzir uma outra globalização mais humana e solidária traduz-se, também, na agenda por uma comunicação democrática.

Para Santos, “a mesma materialidade, atualmente utilizada para construir um mundo confuso e perverso, pode vir a ser uma condição da construção de um mundo mais humano” (SANTOS, 2000, p. 174). Essa materialidade “que o mundo da globalização está recriando permite um uso radicalmente diferente daquele que era o da base material da industrializa- ção e do imperialismo. […] Os novos instrumentos, pela sua própria natureza, abrem possibilidades para sua disseminação no corpo social, superando as clivagens socioeconômicas pre- existentes”. O autor afirma, ainda, que

a grande mutação tecnológica é dada com a emergência das técnicas da informação, as quais – ao contrário das técnicas das máquinas – são constitucionalmente divisí- veis, flexíveis e dóceis, adaptáveis a todos os meios e cultu- ras, ainda que seu uso perverso atual seja subordinado aos interesses dos grandes capitais. Mas, quando sua utilização for democratizada, essas técnicas doces estarão ao serviço do homem (SANTOS, 2000, p. 174).

Daí compreendermos que, para Santos, uma questão fundamental para a democratização da comunicação seria a apropriação das novas tecnologias pelos “de baixo”, para usos transformadores e democratizantes dessas técnicas, que são mais dóceis e flexíveis. Como afirma o autor (SANTOS, 2000, p. 20), as mesmas bases técnicas que viabilizaram a glo- balização neoliberal poderão servir a outros objetivos, se fo- rem postas ao serviço de outros fundamentos sociais e políticos.

Contribuições de Milton Santos para pensar a democratização da comunicação

3. Verticalidades e

No documento PORTCOM (páginas 41-44)