• Nenhum resultado encontrado

Classificação funcional dos jornais brasileiros – As regiões jornalísticas

No documento PORTCOM (páginas 58-61)

Milton Santos: texts and concepts for the study of the media in inner cities

2. Classificação funcional dos jornais brasileiros – As regiões jornalísticas

Em 1955, em um momento em que os impressos e o rádio ainda eram os principais meios de comunicação noticiosos no país, o jovem jornalista e geógrafo Milton Santos propôs como um projeto de trabalho a construção de um mapa jor- nalístico do Brasil. Esse traçado levaria em conta os territórios de atuação do jornal, sua região jornalística, que inclui tanto as áreas restritas de cobertura quanto as áreas de circulação do produto de comunicação, mais amplas em relação às primei- ras. Na tese do autor (SANTOS, 1955 [2007]), de acordo com a função específica dos jornais nacionais, estaduais, regionais e locais, esse mapa identificaria regiões, zonas e subzonas jor- nalísticas, “áreas diferentes, maiores ou menores, umas den- tro das outras, onde operam os jornais de acordo com as suas categorias funcionais”. Nessa escala de classificação, os jornais cumpririam o papel de debater desde os assuntos de interesse político e econômico pertinentes aos mais abrangentes inte- resses do país até temas mais “provincianos”, interessantes a apenas uma determinada comunidade.

Desse modo, as funções dos periódicos seriam tanto mais “nobres” e “complexas” quanto maior a estrutura das empre- sas jornalísticas e sua classificação como nacionais, uma vez que tratam de temas de interesse geral, como política e eco- nomia, exercem influência sobre os diversos mecanismos e es- tratos sociais e atendem a uma área mais ampla de interesses, embora circulando “em camadas restritas das cidades servi- das por linhas aéreas”. O jornal regional, por sua vez, “circula em sua área respectiva, sofrendo nas bordas a concorrência do jornal da região vizinha. A maior ou menor extensão de sua influência depende de vários fatores, como os horários de ônibus, trens etc.”. Já o periódico local, “atende a interesses do lugar onde atua e não raro a problemas de natureza efêmera, animando-se ao sopro de paixões momentâneas, que marcam geralmente o seu tempo de vida ou renascimento”. Santos (1955 [2007]) chega a mencionar “uma espécie de artesanato da imprensa” que sobrevive em lugares mais isolados e com poucos recursos econômicos.

Jacqueline da Silva Deolindo

Devemos reconhecer no texto de Santos marcas próprias da época e do ponto de vista em que foi escrito. Do mesmo modo, notamos que o olhar que o geógrafo parece dispensar sobre o jornalismo local e regional nessa obra, afora toda a pertinência da abordagem locacional, entre outros aspectos relevantes que retomaremos a seguir, se aproxima muito da vi- são hegemônica sobre a mídia regional: como deficitária e in- ferior ao jornalismo praticado por grandes firmas localizadas nas capitais e regiões metropolitanas – tratamento este que, hoje, já não dá conta do fenômeno. Mas, é necessário admitir, também, que o referido artigo também guarda uma atualida- de considerável em diversos pontos que podem dar pistas para produzirmos sobre a mídia local e regional uma abordagem mais atualizada e adequada aos seus contextos hoje.

Milton Santos destaca, por exemplo a indicação do avanço técnico e tecnológico como determinante para a expansão da área de abrangência dos meios de comunicação e da profun- didade das reportagens; observa as limitações do suporte pa- pel diante da fluidez e da flexibilidade da notícia e reconhece a centralidade dos recursos econômicos tanto para a sobre- vivência dos jornais quanto para a delimitação de sua área de influência. Isso, sem dúvida, vai implicar diretamente no significado de produzir notícias: “o progresso nos transportes e comunicações nos obriga a fazer uma distinção necessária entre a notícia e o jornal. Aquela tem asas: transmite-se pelo jornal, mas também pelo fio, ou sem ele, pelo éter”, observava. Se o telégrafo, o rádio e a televisão eram as tecnologias que permitiam, naquela época, a transmissão de informação para além do suporte papel, essa flexibilidade se intensificou com o advento da Internet. Noticiar já não é atividade exclusiva- mente de jornalistas, nem o tradicional modelo de produção jornalística é mais a única maneira de produzir e transmitir notícias. Além de o modelo estandardizado se horizontalizar e se adaptar cada vez mais às circunstâncias em empresas de todos os portes, torna-se comum que o público deixe a con- dição de apenas receptor para também ser emissor através da manutenção de sites e blogs com notícias. O fenômeno se torna particularmente interessante quando essas iniciati- vas têm origem em localidades que não têm firmas de mídia

Milton Santos: textos e conceitos para o estudo da mídia do interior consolidadas ou que não são contempladas pelo mapa de co- bertura dos meios de comunicação situados nas localidades mais próximas. Muitas vezes isso é determinado justamente por aqueles “recursos econômicos” de que falava Milton San- tos. Seja por questões editoriais e econômicas internas, seja pelo tipo de resposta dos anunciantes e consumidores, haverá sempre um mercado geográfico delimitado que contemplará determinadas áreas e dispensará outras.

É assim que podemos inferir que, se a operação dos jor- nais, de acordo com suas categorias funcionais, forma regiões, zonas e subzonas jornalísticas, então também forma frontei- ras, limitando-se tanto com as áreas de influência de outras mídias quanto com aquelas áreas que constituem a periferia do mercado informativo. Debruçar-se sobre a realidade des- sas últimas importa porque a distribuição desigual da infor- mação na sociedade afeta diretamente a prática e realização da cidadania (SANTOS, 1997), como veremos mais adiante. Isso é especialmente válido se considerarmos que a produção e a circulação de notícias e opinião têm a possibilidade de dar aos sujeitos condições para refletir, argumentar e posicionar-se diante dos acontecimentos.

Nas localidades onde isso não é possível, a ausência de diversidade de relatos e de novas perspectivas a respeito da própria realidade pode fazer os cidadãos regredirem para a experiência noturna da desinformação (SANTOS, 1997), uma vez que também os meios de comunicação devem ser entendidos como canais com grande potencial para operar a socialização do conhecimento sob suas mais variadas formas, e sua concentração, seja empresarial e/ou espacial, só reforça os processos de exclusão.

Nesses lugares, o “público comum” tem se tornado parte do processo de produção informativa, opinativa e noticiosa, o que reforça os discursos em defesa da livre circulação de infor- mação como outro fator que inspira e justifica a emergência de experiências com jornalismo participativo e com outros modelos de mídia, ainda que não necessariamente relaciona- dos com as técnicas, os processos e os modelos narrativos do jornalismo tradicional nem com o monopólio discursivo dos grandes conglomerados.

Jacqueline da Silva Deolindo

3. A cidade como centro de região: definições

No documento PORTCOM (páginas 58-61)