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CAPÍTULO 2 A TRIBUTAÇÃO A DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E

2.1 BREVE APRESENTAÇÃO DA TEORIA DA TRIBUTAÇÃO

De um jeito ou de outro, tudo acaba sendo tributado. A atividade tributária do Estado é vinculada à economia. A tributação é forma de interferência no ambiente econômico. Leciona Valadão que à medida que o Estado evolui, as limitações ao poder de tributar vão povoando cada vez mais as Cartas Constitucionais, fazendo com que o Estado intervenha na economia pela via da tributação.82

Valadão assevera que a Constituição Brasileira de 1988 é, entre as Constituições Brasileiras, a que mais traz normas de intervenção do Estado no domínio econômico, bem como normas relativas à limitação ao poder de tributar. Para o autor, faz-se necessária a contextualização da tributação na constante sociopolítica e no ambiente econômico, para se ter a exata noção dos seus limites e efeitos. Por isso que, a análise dos aspectos econômicos da tributação se mostra pertinente.83

A tributação traça seus contornos humanísticos, para assegurar a receita derivada pura e necessária para efetivar o desenvolvimento sedimentado como um direito constitucionalmente garantido. Em verdade, sua legitimidade consiste nisso.

O Direito como exteriorização de princípios elementares de justiça identifica o fenômeno da tributação com o valor do justo, permitindo a estruturação de um sistema tributário calcado na ética da convivência humana.

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COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988: sistema tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 297.

81

VASQUES, Sérgio. Capacidade contributiva, rendimento e patrimônio. Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT. Belo Horizonte, n. 11, set./out., p. 23-61, 2004.

82

VALADÃO, 2000, op. cit., p. 50.

83

Para Furtado Longo a tributação justa é aquela que onera os contribuintes na medida de suas possibilidades. É materialmente igualitária, universal, economicista, razoável e proporcional.84

Em 1977, Klaus Vogel e Klaus Tipke dedicaram-se à função distributiva dos tributos, para acobertar as necessidades financeiras do Estado alemão da época.85 Os juristas proporcionaram ao mundo científico do direito tributário, a conclusão de que as normas tributárias têm função de repartição da necessidade financeira segundo critérios da justiça distributiva.86

Vogel assevera que a base para a “estratificação objetiva” teria de ser aquela norma que dentre as possibilidades a serem examinadas, de alguma forma se deixa compreender como reprodução da justiça distributiva. Vogel apóia-se em Norbert Horn, que se apóia em Aristóteles, para quem a justiça deve contemplar os iguais, igualmente, e os desiguais, desigualmente.87

A atividade financeira não é um fim em si mesma, não mira diretamente à satisfação de necessidades da coletividade. A mais importante atividade financeira, segundo Renato Alessi, é a tributária.88 A tributação visa, no dizer de Roque Antônio Carrazza, obter a soma de dinheiro para o Estado, habilitando-o a levar adiante as diversas funções que lhe são atribuídas pela Lei Maior e que constituem, por isso mesmo, a razão última de sua existência.89 Furtado Longo sustenta que a tributação justa se alcança, quando o homem é visto como núcleo central de toda estrutura fática, axiológica e jurídica de um Estado.90

A pós-modernidade revela outra faceta da tributação, além de ser fonte de receita para o Estado. Está comprometida em assegurar o desenvolvimento da pessoa humana, de sua potencialidade e permitindo-se criar condições econômicas dentro do mercado de produção, trabalho e comércio. Segundo Tipke e Yamashita: “o dever de pagar impostos é um dever

84

LONGO, 2006, op. cit., p. 1-13 .

85

Tipke é professor de Direito Tributário da Universidade de Colônia, Alemanha.

86

TIPKE apud TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e princípio da capacidade contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 63.

87

HORN apud TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e princípio da capacidade contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 63.

88

ALESSI apud CARRAZZA, Roque Antônio. Imposto sobre a renda: perfil constitucional e temas específicos. 2.ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 133.

89

CARRAZZA, Roque Antônio. Imposto sobre a renda: perfil constitucional e temas específicos. 2.ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 82-87.

90

fundamental. O imposto não é meramente um sacrifício, mas, sim, uma contribuição necessária para que o Estado possa cumprir suas tarefas no interesse do proveitoso convívio de todos os cidadãos”.91

Em um Estado Social Democrático de Direito, as garantias do cidadão contribuinte diante da tributação se efetiva ainda mais, quando o princípio da igualdade se aperfeiçoa. Isto acontece quando a carga tributária individual é condizente com a capacidade contributiva.

As regras diretivas da tributação recomendadas por Adam Smith em sua obra “A Riqueza das Nações” sofreu revisão, para abarcar três grandes critérios para o imposto justo: a equidade, a eficiência e a aceitação. Adam Smith recomendava aos governos, quatro regras diretivas de tributação: a igualdade, a certeza, a conveniência e a economia.92

2.1.1 O Papel da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão na Tributação. Uma Reconstrução dos Direitos Humanos da Tributação.

Com efeito, a Revolução Francesa foi o marco introdutório do Estado de Direito, que pode ser entendido como aquele que obedece às suas próprias leis. A lei não se aplica somente aos seus súditos, o Estado, também, deve curvar-se à vontade da lei, por isso ele é de Direito.93

A França foi o país onde os efeitos do Absolutismo mais se fizeram presentes. As guerras imperialistas depauperaram o Tesouro; os impostos sobre os camponeses e a burguesia tornaram-se cada vez mais pesados e intoleráveis, a nobreza e o clero não pagavam tributos, pois o próprio Estado os deixaria de fora da tributação.

No final do século XVIII, vários setores da sociedade começaram a se manifestar contra o Absolutismo. A tributação era sufocante para os contribuintes. Cada vez que o Príncipe necessitava de recurso para manutenção da atividade estatal, retirava de forma coercitiva a riqueza da burguesia e o pouco que os camponeses possuíam.

91

TIPKE; YAMASHITA, 2002, op. cit., p. 13.

92

SPENCER, Milton H. O sistema tributário norte-americano. In: SPENCER, Milton H. Economia contemporânea. São Paulo: EDUSP, 1979. p. 120-122.

93

As desigualdades, as injustiças e o empobrecimento generalizado provocaram um profundo mal-estar entre os habitantes que não gozavam de privilégios concedidos pelo Antigo Regime (ancién regime) à nobreza e ao clero.94

Toda circunstância estava configurada para que uma revolução eclodisse. Os camponeses não agüentavam os impostos e as obrigações feudais. A burguesia ambicionava o fim dos privilégios da nobreza e do alto clero e cobiçava participar das decisões do governo. O resultado foi à derrubada do Antigo Regime.

Os burgueses, calcados nos princípios humanos de liberdade, fraternidade e igualdade, juntaram-se com os camponeses, e, deram início à Revolução – o marco histórico ocorreu com a tomada da Bastilha, presídio do Antigo Regime, no dia 14 de julho de 1789. Formou-se a Comuna, que era o governo popular, o qual decretou o fim da escravidão, dos privilégios, dos dízimos da Igreja e dos títulos de nobreza. Em 26 de agosto de 1789, foi escrito um documento, inspirado nos ideais de justiça, democracia e dos direitos fundamentais da pessoa humana, denominado “Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão”.

A partir da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, o fenômeno tributário se vincula à lei de forma definitiva no Estado, o que lhe garante e legitima a cobrança da exação nos limites da liberdade de cada contribuinte. O conceito de tributo centrado na cobrança desenvolveu princípios informadores da justiça fiscal relativa à igualdade de todos, cujo estudo dos cientistas jurídicos da história clássica indicam que o princípio da legalidade, que é o caso aqui, remonta a Carta Magna da Bretanha Maior de 1215, Carta do João Sem Terra. A Declaração francesa de 1789 abre o debate maior acerca da legitimidade. William B. Barker reforça que a declaração dos direitos do homem e do Cidadão de 1789 anunciou a necessidade de participação para o gasto público de cada um dos cidadãos, como expressão máxima da igualdade entre os homens.95

2.1.1.1 Destaque para os arts. 13 e 14 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão No campo da tributação, pode destacar-se do referido documento, dois dispositivos que conclamam e legitimam a cidadania ativa, participativa e produtiva, a ponto de normatizar

94

LONGO, 2006, op. cit., p. 1-13.

95

BARKER, William B. The three faces of equality: constitutional requirements in taxation. Case Western Reserve Review, Fall, 2006. p. 4.

os princípios de tributação ligados à igualdade na participação popular, e, participação na formação da receita pública para manutenção do Estado Moderno legitimado na Lei.

Com efeito, dispõem os artigos 13 e 14 da “Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão”, in verbis:

Artigo 13. Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é indispensável uma contribuição comum, que deve ser repartida entre os cidadãos de acordo com as suas possibilidades.

Artigo 14. Todos os cidadãos têm o direito de verificar por si ou pelos seus representantes, a necessidade da contribuição pública, de consenti-la livremente, de observar o seu emprego e de lhe fixar a repartição, a coleta, a cobrança, a duração.96 [grifo nosso]

O artigo 13 dispõe que todos estão obrigados a contribuir para as despesas públicas, na proporção de seus haveres. O artigo 14 dispõe que todo cidadão tem o direito de, por si mesmo, ou por meio de seus representantes, fixar a repartição da carga tributária coletivamente.97

Os artigos 13 e 14 traçam o princípio da capacidade contributiva para a tributação, muito embora os princípios relativos à tributação tiveram sua primeira formulação no âmbito da economia, passando pela ciência das finanças, depois para o direito administrativo, chegando ao direito tributário.98 Reitere-se que o art. 13 da Declaração de 1789 expressa que cada um deverá, na medida de sua capacidade, recolher ao Cofre Público parcela de sua renda.

Deveras, a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão trouxe a orientação para a formatação de Estado do mundo moderno. No tocante à tributação, em seus artigos 13 e 14, formatou no que consiste à legitimidade, o princípio da capacidade contributiva, conclamando todos, a participar, na medida de sua possibilidade, na formação da receita pública derivada, adequando a exação à dignidade do contribuinte.

Vasques registra que, recentemente, o Conselho Constitucional francês, em decisão relativa às contribuições para a segurança social, elevou a tributação progressiva dos rendimentos à categoria de princípio constitucional, tornando-a implicitamente decorrente do

96

LONGO, 2006, op. cit., p. 1-13.

97

NOGUEIRA, 2001, op. cit., p. 339-340.

98

FERRAZ apud FERRAZ, Roberto. Da hipótese ao pressuposto de incidência: em busca do tributo justo. In: SHOUERI, Luís Eduardo (coord.) Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2003. v. 1. p. 180.

princípio da capacidade contributiva resultante do art. 13º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.99

Alberto Nogueira em seu livro intitulado “A Reconstrução dos Direitos Humanos da Tributação analisou os artigo 13 e 14 da Declaração dos Direitos do Homem, de 26.8.1789. Na opinião do jurista, os dispositivos iluminados traçam a diretriz de que os tributos devem ser utilizados para o bem-estar de todos, como está na Constituição Brasileira de 1988, no Livro dedicado ao Sistema Tributário Nacional.100

2.2 A TRIBUTAÇÃO COMO UM ATRIBUTO DO ESTADO NA DIRETIVA DA PÓS-