Universidade
Católica de
Brasília
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
STRICTO SENSU EM DIREITO INTERNACIONAL ECONÔMICO
Mestrado
A RECONSTRUÇÃO DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE
CONTRIBUTIVA PARA O IMPOSTO DE RENDA DA PESSOA
FÍSICA SOB O ENFOQUE DA DECLARAÇÃO DOS
DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO: UMA DIRETIVA
PARA A PÓS-MODERNIDADE
Autor: Ana Paula Baeta Neves
Orientador: Prof. Dr. Marcos Aurélio Pereira Valadão
ANA PAULA BAETA NEVES
A RECONSTRUÇÃO DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA PARA O IMPOSTO DE RENDA DA PESSOA FÍSICA SOB O ENFOQUE DA DECLARAÇÃO
DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO: UMA DIRETIVA PARA A PÓS-MODERNIDADE
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu em Direito Internacional Econômico da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em Direito Internacional Econômico
Orientador: Prof. Dr. Marcos Aurélio Pereira Valadão
Ao meu único filho Alexandre Baeta Neves Ramos de Carvalho, fonte de inspiração, coragem e perseverança para alcançar águas mais profundas.
Ao Orientador Marcos Aurélio Pereira Valadão, por acreditar em mim e incentivar-me no incentivar-meu tema de dissertação.
Ao Professor Pós-Doutor Antônio de Moura Borges, pela inspiração recebida em aula inaugural ministrada.
Ao Professor Doutor Manoel Moacir Costa Macedo, pela orientação científica e dedicação à perpetuação da pesquisa aplicada e criativa. Ao Professor Doutor Maurin Almeida Falcão, pela paciência em ouvir-me acerca dos primeiros esboços.
À Professora Doutora Leila Bijos, pelo brilhantismo e riqueza literária.
Ao Professor Doutor Ronaldo Marton, pelo exemplo de preocupação com a profundidade da pesquisa.
“Neste mundo tudo é mesmo perfeito (...) tudo acontece no seu tempo certo”.
RESUMO
Referência: NEVES, Ana Paula Baeta.A reconstrução do princípio da capacidade contributiva para o imposto de renda da pessoa física sob o enfoque da declaração dos direitos do homem e do cidadão: uma diretiva para a pós-modernidade. 100f. Mestrado (Direito Internacional Econômico) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2008.
O trabalho tem por objeto a reconstrução do princípio da capacidade contributiva para o imposto de renda da pessoa física no Brasil. Parte da evolução do conceito de Estado, a partir do contexto trazido pela Revolução Francesa, textualizado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, datada de 1789, alcançando o fenômeno da globalização. Preocupa-se com o ditame constitucional inserido na Constituição Brasileira de 1988 no sentido de que o imposto em referência deve incidir sobre a riqueza do contribuinte, sob o critério da progressividade, abarcando um maior número de contribuintes possível que estão no mercado de produção e produzindo renda em uma economia dinâmica de mercados, hoje, não observado na legislação vigente do Brasil. A proposta da reconstrução do princípio visa colaborar com o desenvolvimento do povo brasileiro. A tributação por ser uma atividade essencial ao desenvolvimento social e do Estado e partindo-se da premissa de que o princípio em referência é um dos pilares para o alcance da justiça fiscal, sua reconstrução alcançará maior equilíbrio entre a dinâmica da vida social e a economia, e gerará maior arrecadação para o custeio das despesas públicas. O efeito econômico do tributo tem sido observado criteriosamente por juristas e economistas. Há duas alíquotas para o imposto de renda da pessoa física consoante legislação vigente, o que viola o ditame constitucional da progressividade. A teoria da tributação atravessa a modernidade e se reconstrói numa diretiva de pós-modernidade, em que está presente o binômio humanismo e tributo, em um Estado Democrático de Direito, sedimentado ao longo da história da humanidade, cujo marco histórico recaí sobre a Revolução Francesa. O imposto de renda é um tributo de maior alcance de justiça fiscal, sendo que no Brasil não se mostra adaptado a esse contexto. Mormente na República do Brasil, em que a Constituição de 1988 fixa o objetivo de desenvolvimento. O Direito como ciência social aplicada alcança a modernidade e apresenta a escola pós-positivista que se preocupa com a tributação em equilíbrio com o homem e a economia.
ABSTRACT
The object of this essay is to make an overview of the ability-to-pay principle in individual income taxation in Brazil. The analysis begins with the evolution of State concept, brought from French Revolution context, formalized in the Declaration of Rights of Man and Citizen in 1789, and ends with the analysis of globalization phenomenon and pos modernity. This study focuses in the constitutional rule within the 1988 Brazilian Constitution which dictates that taxation must be assessed on the individual’s income, based on this principle, the income tax must be progressive, comprehending as many taxpayers as possible that are in the production market and that are generating revenue in a dynamic market economy. This work intend to demonstrate that this principle is not observed in the present Brazilian legislation. This principle overview proposal aims to contribute to Brazilian social development, since taxation can be an essential activity to reach Estate and social development, and since this principle can be considered as an essential element to reach taxation justice, the ability-to-pay principle reform will reach a greater balance between social and economic dimensions, generating more sources of revenue to finance public services. The economic effects of taxation have been analyzed by jurists and economists. There are two forms of taxation of individual income in present Brazilian legislation, which infringes the constitutional progressive regulation. Taxation theory overpasses modernity and resurges in pos-modernity, in which the humanism and taxation binomial is present in a democratic Estate, which historic landmark is in French Revolution. Income taxes are the most feasible taxes to achieve justice in taxation, however, in Brazil, it is not deemed to be adapted to this context, particularly, where the 1988 Constitution cites economic development as a goal. Law, as an applied social science, faces pos-modernity and presents the pos-positivism doctrine that focuses on the balance between citizen and economy.
LISTA DE SIGLAS
CR/1988 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
EUA Estados Unidos da América
IPRF
IR
Imposto sobre a Renda de Pessoa Física
Imposto de Renda
MERCOSUL Mercado Comum do Sul
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
PIB Produto Interno Bruto
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
ONU Organização das Nações Unidas
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Impostos sobre a Renda, Pessoa Física do Brasil – Alíquotas Vigentes ... 70
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ... 13
CAPÍTULO 1 - O ESTADO, A PÓS-MODERNIDADE, A ECONOMIA E A GLOBALIZAÇÃO. O HOMEM E A SOCIEDADE SOLIDÁRIA E CIDADÃ ... 23
1.1 O ESTADO, A MODERNIDADE E A PÓS-MODERNIDADE ... 23
1.2 A ECONOMIA. O BRASIL. A GLOBALIZAÇÃO. O MERCADO ABERTO DE DIMENSÕES PLANETÁRIAS ... 28
1.2.1. A geopolítica atual e a ordem econômica do Brasil. O mundo em blocos ... 30
1.2.2 A inter-relação entre o Brasil e o mundo. O Mercosul ... 32
1.3 O HOMEM. O CIDADÃO. EVOLUÇÃO. A TEORIA SOCIAL HODIERNA ... 33
1.3.1. A cidadania em um mundo globalizado ... 35
CAPÍTULO 2 - A TRIBUTAÇÃO. A DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO ... 37
2.1 BREVE APRESENTAÇÃO DA TEORIA DA TRIBUTAÇÃO... 37
2.1.1 O papel da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão na tributação. uma reconstrução dos Direitos Humanos da tributação. ... 39
2.2 A TRIBUTAÇÃO COMO UM ATRIBUTO DO ESTADO NA DIRETIVA DA PÓS-MODERNIDADE ... 42
2.3 A TRIBUTAÇÃO E O SISTEMA TRIBUTÁRIO DEMOCRÁTICO DE DIREITO ... 44
2.4 A NOÇÃO DE TRIBUTO JUSTO EM UMA SOCIEDADE PÓS-MODERNA ... 46
CAPÍTULO 3 - A RECONSTRUÇÃO DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA, PARA O IMPOSTO DE RENDA DA PESSOA FÍSICA, NO BRASIL . 48 3.1 O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ... 48
3.1.1 O princípio da capacidade contributiva no Direito Comparado ... 57
3.2. O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA PARA O IMPOSTO DE RENDA DA PESSOA FÍSICA, NO BRASIL ... 60
3.2.1 Breve apontamento do Imposto de Renda nos Estados Unidos ... 66
3.3 O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA SOB O CRITÉRIO DA PROGRESSIVIDADE, PARA O IMPOSTO DE RENDA DA PESSOA FÍSICA ... 67
CAPÍTULO 4 - O DIREITO. O DESENVOLVIMENTO. O DIREITO AO
DESENVOLVIMENTO ... 75
4.1 DO DIREITO ... 75
4.2 DO DIREITO AO DESENVOLVIMENTO ... 76
4.2.1 A Resolução da ONU de 1986 Acerca do Direito ao Desenvolvimento... 78
4.2.2 O Direito do Desenvolvimento como um Direito de 4ª Geração ... 82
4.3 A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DO BRASIL DE 1988 E A PROTEÇÃO AO DIREITO DO DESENVOLVIMENTO ... 85
4.4 O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO E O TRATADO DE ASSUNÇÃO ... 87
4.5 O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO ... 89
CONCLUSÕES ... 91
REFERÊNCIAS ... 96
LEGISLAÇÃO ... 104
ANEXO 1. DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO DE 1789 .. 106
INTRODUÇÃO
A figura do Estado assume, no atual contexto, nova configuração, diversa do modelo
até então vivenciado, não significando isto, se tenha diluído no cenário da globalização. Nesse
sentido, não oferece relevo a tese do declínio do Estado nacional ou mesmo a de que o Estado
está encolhendo no mundo inteiro. Ao contrário, na maioria dos países desenvolvidos a
participação do Estado na economia aumentou em plena época de suposto triunfo do
neoliberalismo.1
A globalização é o fenômeno desta virada de milênio, e que precisa ser perfeitamente
identificado, para que o Estado seja estruturado de modo adequado à realização da paz social.
“A preocupação com a justiça na exigibilidade de tributos não é recente. Recua aos primórdios da civilização, ou melhor, ao instante do surgimento das primeiras exações”.2 Desde o Velho Testamento, passando por Grécia, Roma, durante toda a Idade Média, o tributo
esteve presente. Santo Tomás de Aquino foi forte inspirador da Teoria do Imposto Justo e do
Imposto Injusto. A Magna Carta, de 15 de junho de 1215, é texto de relevante importância
histórica para o direito tributário.3
Séculos mais tarde, a reação ao Absolutismo forjara o surgimento do ideário liberal,
teorizando uma menor intervenção do Estado ante a vida em sociedade e, de conseqüência,
uma despesa pública de reduzida dimensão, limitada aos dispêndios necessários a garantia da
defesa externa e da ordem pública interna.
1
BATISTA JÚNIOR apud NOGUEIRA, Alberto. Globalização, regionalizações e tributação: a nova matriz mundial. Rio de Janeiro. São Paulo: Renovar, 2000. p. 26 e 29.
2
NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. Princípio constitucional da capacidade contributiva. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2001. p. 17.
3
Adam Smith implementou a mensagem de que cada indivíduo deve contribuir na
medida de sua capacidade.4 A capacidade contributiva vinculava-se ao princípio do benefício,
de herança da antiguidade Greco-Romana,5 de modo que a colaboração do cidadão para os
gastos estatais era de ser efetuada na proporção do proveito auferido por cada contribuinte,
por meio da realização de obras ou prestação dos serviços públicos. Montesquieu defendera a
possibilidade de os governos se lançarem à arrecadação de tributos mais elevados desde que
satisfeita uma condição: o proporcional aumento da liberdade dos súditos.
Marco indelével do Estado de Direito e, sem dificuldade alguma, o documento de
maior importância no caudal das revoluções liberais dos Séculos XVII e XVIII, a Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, não deixou de enunciar o
respeito à justeza da tributação, lendo-se do seu art.13 a seguinte redação: para a manutenção
da força pública e para as despesas de administração é indispensável uma contribuição
comum, que deve ser repartida entre os cidadãos de acordo com as suas possibilidades.
Preceito similar pode também ser encontrado na Constituição francesa de 3 de setembro de
1791, onde um dos dispositivos inseridos em seu Título V (Das Contribuições Públicas),
asseverava que a contribuição comum devia ser igualmente repartida entre todos os cidadãos,
em razão de suas faculdades.
O exemplo da França revolucionária foi observado pelas constituições de cariz liberal,
que se lhe seguiram, entre as quais, situava-se a da República Romana (1798), da Espanha
4
Adam Smith se preocupou com o que se chama a igualdade ou desigualdade de tributação quando asseverou em sua obra “A Riqueza das Nações” que, os súditos de todos os Estados devem contribuir para a manutenção do governo, tanto quanto possível, em proporção das respectivas capacidades, de modo que o imposto seja lançado no tempo e modo mais provável de ser conveniente para o contribuinte o pagar. Adverte que um imposto judicioso oferece uma grande tentação para a fraude. Conclui que a lei, contrária a todos os princípios da justiça, cria primeiro a tentação e depois pune aqueles que a ela cedem.
Em 1776, Adam Smith, em sua famosa obra “A Riqueza das Nações”, sustentava, como concretização da justiça
da imposição fiscal, que todos devessem contribuir para as despesas públicas “na razão de seus haveres”, sendo
que no atendimento ou não desta máxima residiria a chamada “igualdade ou desigualdade da tributação. As célebres máximas de Adam Smith são as seguintes: “a) os súditos de cada Estado devem contribuir para a sustentação do governo, tanto quanto possível em proporção de suas faculdades, isto é, em proporção à renda que eles desfrutam sob a proteção do Estado; b) a taxa ou porção de imposto [sic] que é obrigado cada indivíduo a pagar deve ser certa e não arbitrária; c) todo tributo deve ser percebido na época e da maneira presumivelmente mais cômoda para o contribuinte; d) todo imposto deve ser estabelecido de modo que tire do bolso do povo tão pouco quanto possível além do que traga para o tesouro público”.
SMITH, Adam. Das fontes do rédito geral ou público da sociedade. In: SMITH, Adam. Inquérito sobre a natureza e as causas da riqueza das nações. Tradução e notas de Luís Cristóvão de Aguiar. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999. cap. 2, p. 471-500.
5
Campos e Campos afirmam a crença, dominante entre os sofistas, gregos e romanos, aí incluído Aristóteles, de que o tributo era concebido em face de uma relação sinalagmática, representativa do equivalente dos serviços ou obra pública cuja execução favorecesse o cidadão.
(1812), do Piemonte (1820), de Portugal (1822 e 1938) e na francesa de 1848, até mesmo as
Constituições Contemporâneas, como a Constituição Brasileira de 1988.
A partir da segunda metade do século XIX, quando já se notavam sinais de
enfraquecimento do liberalismo, a capacidade contributiva passou a sofrer mudança de rumo,
afastando-se um pouco do recurso ao benefício, com a intenção de servir de veículo propulsor
da igualdade econômica e social mediante a progressividade dos impostos.
O tema da dissertação envolve a correlação entre Tributação e Cidadania, abarcando
os aspectos econômicos, sociais e culturais da tributação para a promoção do
desenvolvimento. A tese recai sobre o exercício da cidadania tributária, de modo a resgatar a
progressividade na alíquota do imposto de renda da pessoa física, instaurando de modo
criativo e eficaz na direção do bem-estar-social.
Propõe-se reconstruir o princípio da capacidade contributiva sob o enfoque da
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, porém para um Brasil inserido no
Mercosul, na globalização, cuja característica é a inter-regionalização. Assim, muito embora a
proposta da pesquisa seja voltada para o imposto de renda da pessoa física brasileira ou
residente no Brasil, esta pesquisa enfoca o Brasil no contexto da integração econômica.
A teoria da tributação no contexto do Estado Contemporâneo se embasa em valores
humanísticos. A partir destes valores, torna-se necessária a reconstrução do princípio de maior
justiça fiscal que é segundo a doutrina moderna, o princípio da capacidade contributiva, para
que se alcance um maior número de contribuintes, propiciando uma carga tributária
equilibrada, por intermédio de uma alíquota para o imposto de renda da pessoa física
caracterizada pela progressividade, em que alíquotas progressivas e variáveis, atendam à
economia deste século XXI.
Observações doutrinárias apontam que não há necessidade de se sobrecarregar a classe
média brasileira, que hoje responde a uma carga tributária muito elevada. Sendo possível
identificar outras parcelas da sociedade que produzem renda e que estão inseridas na
economia de mercado, produzem e fazem circular significativo montante monetário.
Propõe-se avançar para um sistema mais justo, mais participativo, de coesão social, a partir da
reconstrução do princípio da capacidade contributiva para o imposto de renda da pessoa
Variedade de percentuais da alíquota do imposto de renda da pessoa física, para
atingir-se a progressividade, permitindo com isso, que o referido tributo seja veículo de
concretização de justiça social e desenvolvimento do povo brasileiro integrado aos povos do
mundo inteiro, notadamente da América Latina, o bloco ao qual pertence.
Os objetivos específicos da presente pesquisa consistem em: conceituar o princípio da
capacidade contributiva; verificar se o Brasil está inserido no contexto jurídico orientado pela
Declaração Universal; extrair os valores da tributação contidos na declaração da pessoa
humana e do cidadão; fazer uma releitura do movimento político denominado “Revolução Francesa”, extraindo sua contribuição para a formação do Estado Democrático de Direito; e, contribuir para a identificação do Direito de quarta geração, notadamente, o Direito ao
Desenvolvimento na diretiva da Pós-Modernidade.
A história da tributação no mundo se confunde com a própria história da civilização,
conforme salientado por José Matias Pereira.6 Diante disso, importante a extração de valores
do documento relativo à declaração dos direitos da pessoa humana e do cidadão para
identificá-los no ordenamento jurídico brasileiro no tocante à tributação. A tributação deve
servir à justiça social que hoje se retrata na efetivação do Direito ao Desenvolvimento. Nesse
sentido, a reconstrução do princípio da capacidade contributiva para o imposto de renda da
pessoa física é tema que pode contribuir para uma tributação mais justa no Brasil.
O Brasil de hoje, ainda, apresenta profundas desigualdades sociais. A Constituição
Federal de 1988 consagrou o Direito ao Desenvolvimento. A sociedade brasileira necessita
uma tributação do imposto de renda da pessoa física mais ajustada ao contexto da realidade
pós-moderna, que enfrenta diversificado contexto social inserido em uma economia de
mercado que tem como pontos negativos: 1) miséria, 2) pessoas excluídas, 3) analfabetismo,
4) problemas de meio ambiente, 5) aquecimento global, 6) corrupção.
Os problemas que enfrentam os países desenvolvidos não são, nos dias de hoje, tão
diferentes dos problemas enfrentados pelos países em desenvolvimento como o Brasil, a
China, a Índia, a Grécia e a Rússia. Neste contexto, a teoria da tributação do Estado
Democrático de Direito não serve só a um país, ou grupo de países, mas, ao contexto
planetário.
6
A problematização do tema, relativo à reconstrução, do princípio da capacidade
contributiva, parte do modelo de Estado neste mundo da globalização, em que ocorrem
inter-regionalizações vinculadas ao dever de respeitar os princípios universais dos direitos do
cidadão. Defende-se, nesse sentido, que o fator econômico é preponderante para a adequada
política tributária, não podendo o Estado interferir por intermédio de tributação, com medidas
que provoquem instabilidades na economia.7
As implicações da globalização atingem toda a sociedade, e, também, a tributação, a
qual se define na estrutura econômica da Nação. A política tributária é o ponto crucial de
definição da estrutura da sociedade. Por isso, deve examinar-se o fenômeno da tributação em
harmonia com a dimensão social do homem, sem a qual ele não se realiza integralmente,
considerando as dimensões individual e familiar.8
Segundo Ricardo Versano et al., há uma necessidade de uma reforma tributária que
caminhe em direção a uma estrutura tributária centrada sobre o estoque de riqueza real e
financeira, tanto de pessoas físicas como jurídicas, e que seja progressiva no que tange aos
fluxos de renda.9 É nesse sentido que parece razoável fundamentar o princípio da capacidade
contributiva no Estado Democrático de Direito Brasileiro, no documento universal de 1789, a conhecida “Déclaration dês Droits de L´Homme et du Citoyen”, que deu origem à forma de Estado Moderno, bem como, orientou a estruturação do sistema tributário, fundado na razão,
na justiça e no humanismo.
O princípio da capacidade contributiva é o princípio de maior alcance da justiça social,
fundamenta-se de forma originária no texto universal, de modo expresso nos artigos 13 e 14.10
A reconstrução do princípio da capacidade contributiva se faz necessária para contextualizá-lo
no Estado que encara a sua entrada na pós-modernidade.
Reconhece-se que a tributação, como meio de custear e financiar o Estado tem seu papel, hoje, reestruturado em uma economia globalizada. No chamado “mundo globalizado”,
7
VINHA, Thiago; RIBEIRO, Maria de Fátima. Efeitos econômicos dos tributos e sua utilização como instrumento de políticas governamentais. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; FERNANDES, Edison Carlos. (coord.). Tributação, justiça e liberdade. Curitiba: Juruá, 2005. p. 657-684.
8
Ibid., p. 660. 9
VERSANO, Ricardo et al. Uma análise da carga tributária no Brasil. Texto para discussão n. 583. Rio de Janeiro: IPEA, 1998. p. 18. Disponível em: < http://www.ipea.gov.br/pub/td/td0583.pdf > Acesso em: 20 maio 2007.
10
TORRES, Ricardo Lobo. A Legitimação da capacidade contributiva e dos direitos fundamentais do
a relação “Homem-Estado-Sociedade” assume papel e funções completamente diferentes de tudo que até então se viu no mundo do Direito.11 O autor justifica o pensamento, quando
elucida que:
Fazer a ligação entre os direitos humanos e a Constituição é um aporte que hoje desafia os pensadores da nossa geração, dando continuidade a outras bandeiras que se ergueram, cujo marco mais direto, mais próximo, está na Declaração dos Direitos Humanos e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789. 12
Ante o exposto, indaga-se acerca da importância da reconstrução do princípio da
capacidade contributiva para o imposto de renda da pessoa física, para efetivar tributação
adequada à sociedade brasileira contemporânea.
Na busca da resposta, criam-se três possíveis hipóteses que possibilitam construção da
idéia proposta, quais sejam: 1) se o Brasil está adequado, por meio do seu ordenamento
jurídico, ao contexto internacional normativo relativo ao tema de tributação e direitos
humanos, e, portanto, capaz de realizar justiça fiscal e proporcionar o desenvolvimento; 2) a
progressividade na alíquota do imposto de renda da pessoa física é proposta coerente,
compatível com a ordem constitucional brasileira, e é a que mais se aproxima da necessidade
de recrutamento de classes sociais produtivas na economia contemporânea brasileira; e, por
fim, 3) a reconstrução do princípio da capacidade contributiva nos moldes da progressividade
da alíquota para o imposto de renda da pessoa física colabora para a efetivação do Direito ao
Desenvolvimento.
A dificuldade do homem contemporâneo, ao lidar com a Teoria da Obrigação
Tributária está ligada ao desafio de se entender a pós-modernidade. O Direito Moderno entra
em novos portais para atender às necessidades da pós-modernidade ou, em linguagem mais
corrente, à vida do terceiro milênio, cujo foco se fixa no binômio: globalização versus
humanismo.
O tema proposto decorre de uma preocupação com o nível apropriado de tributação do
imposto de renda da pessoa física do Brasil, em um país em desenvolvimento, inserido em um
mundo globalizado, uma vez que esse imposto apresenta apenas duas alíquotas na legislação
vigente. Necessita-se de maior progressividade na forma de tributação desse imposto, de
modo a abarcar um maior número de contribuintes, mas com uma carga tributária mais
11
NOGUEIRA, Alberto. Viagem ao direito do terceiro milênio: justiça, globalização, direitos humanos e tributação. Rio de Janeiro. São Paulo: Renovar, 2001. p. 247.
12
equilibrada. Um imposto mais abrangente, no limite de diversidade de alíquotas progressivas,
em que todos paguem na medida de sua capacidade.
Dessa forma, o imposto de renda da pessoa física com uma alíquota progressiva pode
ser instrumento de política tributária voltada para a justiça fiscal. É preciso reconhecer o
caráter distributivo dos tributos, e, ainda, a conformação de um sistema que deve propiciar,
em seu conjunto, a própria realização do desenvolvimento nacional, objetivo fundamental da
República Federativa do Brasil.13
É sabido que o Direito observa e segue os efeitos do fenômeno da globalização, da
inter-regionalização, da integração dos povos e dos mercados. Então, o Direito finca a sua
luta, em fazer com que o Estado garanta o desenvolvimento. O Direito do Desenvolvimento é
um direito de quarta geração que consiste na garantia da qualidade da vida das futuras
gerações.
A visão do tributo justo, condizente com o Estado Democrático de Direito, originado
da Revolução Francesa é tema atual. A idéia de um tributo equilibrado possibilita que um
Estado realize o desenvolvimento qualitativo, ou seja, aquele que busca assegurar as
condições para o desenvolvimento econômico das riquezas das nações e das potencialidades
das pessoas, seu bem-estar. A característica indelével do sistema tributário nacional consiste
na inafastável correlação com o objetivo fundamental da República em promover e realizar o
desenvolvimento nacional.14
Para realização desta pesquisa, seguiu-se três obras básicas de Alberto Nogueira a saber: “A Reconstrução dos Direitos Humanos da Tributação”, “Viagem ao Direito do Terceiro Milênio: Justiça, Globalização, Direitos Humanos e Tributação”, e, “Globalização, Regionalizações e Tributação: A Nova Matriz Mundial”.15
Essas obras traduzem a evolução
13
SILVA, Guilherme Amorim Campos da. Osistema constitucional tributário e o Direito ao Desenvolvimento. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; FERNANDES, Edison Carlos (coord.). Tributação, justiça e liberdade. Curitiba: Juruá, 2005. p. 220.
14
Ibid., p. 219. 15
Alberto Nogueira é Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. As obras acima publicadas, fontes de inspiração e sustentação do presente trabalho, estão devidamente registradas no item Referências Bibliográfica.
NOGUEIRA, Alberto. A reconstrução dos direitos humanos da tributação. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. _______. Globalização, regionalizações e tributação: a nova matriz mundial. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2000.
do pensamento do autor acerca da teoria da Tributação sob a ótica do humanismo, buscando
uma Tributação voltada para a realização da justiça social, que, hoje, representa a
concretização, e, ainda a materialização do Direito ao Desenvolvimento.
Em um mundo impregnado de tecnologia, e vítima da velocidade dos fatos em tempo
real, Nogueira busca identificar a pessoa humana em seus valores mais elevados, por isso que
se tornou referência desta pesquisa.16
Parte-se da certeza de que o conhecimento científico não se distorce do mundo real. A
dissertação, muito embora envolva tema jurídico-político relativo à tributação e a cidadania,
envolverá a interdisciplinariedade com as seguintes disciplinas: a economia, a antropologia, a
sociologia, a ciência política, a filosofia e a psicologia. O direito comparado é ponto de apoio
para complementar as observações que serão traçadas ao longo do texto dissertativo.
O método heurístico, um dos métodos adotado na presente pesquisa, é método de
investigação flexível, dinâmico e que utiliza as características e leis do pensamento para
construção do conhecimento científico.17 A pesquisa baseia-se em levantamento histórico,
para definir o aspecto humanístico e social da tributação com fincas na Declaração Universal
dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 até a Constituição Federal de 1988 para uma
diretiva deste século XXI que se inicia.18 Adotou-se a pesquisa bibliográfica, com referencial
teórico científico contido em: 1) livros, 2) revistas, 3) periódicos, 4) tratados, 5) declarações
universais, 6) resoluções da ONU, 7) constituições, 8) decisões judiciais.
Inicialmente, realiza-se um esboço da evolução do Estado para que fosse possível
identificar as reais tendências do Estado Contemporâneo, suas características, bem como
tendências do sistema tributário, para uma abertura de um entendimento acerca dos vetores da
tributação nos dias atuais, notadamente no tocante ao imposto de renda da pessoa física, com
base na releitura do princípio dacapacidade contributiva.
Defende-se a idéia de que é possível o sistema tributário adotar política tributária
adequada à economia, objetivando o desenvolvimento. E, por ser o princípio da capacidade
16
NOGUEIRA, Alberto. Viagem ao terceiro milênio: justiça, globalização, direitos humanos e tributação. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2001. p. 16.
17
MACÊDO, Manoel Moacir Costa. Metodologia científica aplicada. Brasília: Scala, 2005. p. 50. 18
contributiva o princípio que mais se aproxima da justiça fiscal, a pesquisa envolta a sua
reconstrução.
A pesquisa ampara-se em uma perspectiva histórica, traçada desde a Revolução
Francesa até os dias hodiernos,19 utilizando-se, também, do método histórico. Para tanto,
levou-se em consideração os contextos históricos do objeto investigado.
A pesquisa aplica, ainda, o método qualitativo o qual permite descrever a
complexidade do problema, analisar a interação existente entre as variáveis levantadas;
compreender e classificar processos dinâmicos vividos por grupos sociais ou pela própria
sociedade para contribuir no processo de mudança do instituto e possibilitar, em maior nível
de profundidade, o entendimento de suas particularidades.20 Constitui ainda, um processo
exploratório, que foi desenvolvido por Popper; visa, além da analise, a interpretação do
princípio da capacidade contributiva para o imposto de renda da pessoa física, permitindo a
identificação real de sua finalidade e aplicabilidade.21
O trabalho divide-se em quatro capítulos. O primeiro capítulo se dedica ao estudo do
Estado no contexto da globalização, apontando características da economia de mercados e da
sociedade cidadã. O segundo capítulo é dedicado à Teoria da Tributação na Pós-Modernidade,
contextualizando-se a idéia do tributo justo. O terceiro capítulo corresponde ao ponto nodal da
pesquisa, porquanto trata da releitura elaborada pela autora acerca do princípio da capacidade
contributiva, aplicando-o, especificamente, ao imposto de renda da pessoa física no Brasil.
Propõe ainda, o retorno da progressividade na alíquota deste imposto. O quarto, e último
capítulo, está voltado para o Direito ao Desenvolvimento, interligando a necessidade da
reconstrução do princípio da capacidade contributiva com o objetivo constitucional de
desenvolvimento do Brasil. Propõe interligar tributação ao desenvolvimento.
A pesquisa é um despertar para o tributo justo, sob o enfoque de um dever/direito de
quarta geração.22 Direito porque expressão de cidadania, na qual se expressa a capacidade
econômica aplicada à liberdade; dever como ônus em contribuir para o custeio social.
19
MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual de metodologia da pesquisa no direito. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p.88.
20
RICHARDSON, Roberto J. et al. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 1999. 21
VIEIRA, Liliane dos Santos. Pesquisa e monografia jurídica: na era da informática. 2.ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2005. p. 96.
22
Inserindo-se no Estado Democrático de Direito, o tributo é visto como instrumento de
desenvolvimento, mostrando-se este ponto a tônica desta pesquisa, que busca incrementar o
princípio da capacidade contributiva para o imposto de renda da pessoa física do Brasil.
Um projeto democrático para o imposto de renda da pessoa física associado à
cidadania ativa e solidária, que permita uma vida digna, em que as pessoas vivam melhor,
desempenhando suas expressões de plenas potencialidades. O Direito, ao final, é instrumento
de melhoria de qualidade de vida. Por isso que esta ciência social aplicada abre sua quarta
geração, preocupada com os bens jurídicos garantidores de qualidade de vida das futuras
gerações.
A problemática tributária brasileira acerca do imposto de renda se justifica no fato de
que, em essência, esse imposto é o tributo que mais pode se aproximar da tributação justa
CAPÍTULO 1 - O ESTADO, A PÓS-MODERNIDADE, A ECONOMIA E A GLOBALIZAÇÃO. O HOMEM E A SOCIEDADE SOLIDÁRIA E CIDADÃ
1.1 O ESTADO, A MODERNIDADE E A PÓS-MODERNIDADE
A pós-modernidade revela a era da velocidade dos acontecimentos, marcados pela
imagem acima do conteúdo. Envolve os conceitos globalização, mundialização, planetarismo
e universalização; todos esses fenômenos vêm ganhando impulsos criativos. O Estado, a
Tributação, a Economia e o Direito ganham o perfil da pós-modernidade.23
Pós-modernidade, para Cláudia Lima Marques, é uma tentativa de descrever o grande
ceticismo, o fim do racionalismo, o vazio teórico, a insegurança jurídica: que se observam
efetivamente na sociedade, no modelo de Estado, nas formas de economia, na ciência, nos
princípios e nos valores de nossos povos nos dias atuais.24
O ente mutante, o Estado, neste contexto de planetarização social e econômica ganha
conceito que se formou impulsionado pelo sentimento coletivo de que o mundo realmente está
impregnado de tecnologia.
Alberto Nogueira reflete, profundamente, acerca do conceito contemporâneo de
Estado na era da velocidade. Ele pergunta: que função deverá exercer o Estado neste contexto
da planetarização social e econômica?25
O Estado passou por várias fases, dentre as principais destacam-se: o Estado Força; o
Estado de Polícia; o Estado de Direito e o Estado Social de Direito. Vive-se a fase Estado
Democrático de Direito, que, na visão do doutrinador René Furtado Longo, é o último Estado
para se alcançar a democracia plena e o desenvolvimento da pessoa humana, realçando-se
com o Estado Democrático dos Direitos do Homem.26
Na passagem do Estado Absolutista, que é o da força e o de Polícia juntos, para o
Estado Moderno, o Direito incorpora o jusnaturalismo racionalista dos séculos XVII e XVIII,
23
NOGUEIRA, 2000, op. cit., p. 01. 24
MARQUES apud BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro: pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo. In: QUARESMA, Regina; OLIVEIRA, Maria Lúcia de Paula. Direito Constitucional brasileiro: perspectivas e controvérsias contemporâneas. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
25
NOGUEIRA, 2000, op. cit., p. 01. 26
calcado no jus-pensador Emannuel Kant, cuja obra se tornou matéria-prima da Revolução
Francesa, movimento popular soberano que revolucionou o mundo ocidental, plantando a
semente do Estado Moderno.
O século XIX é marcado pelo aperfeiçoamento do Estado Moderno de Direito.
Durante esse período, a aspiração ao Estado Democrático vai-se definindo, até se transformar,
no século XX, em um ideal político de toda a humanidade.27 Chega-se à legalidade
democrática, fenômeno que desloca o paradigma anterior – a lei -, ao plano superior da
Constituição, democrática e participativa.28 Com o advento do constitucionalismo, o Estado
social, onde se consagram os direitos conquistados historicamente na busca da cidadania de
igualdade, opera-se um trânsito do constitucionalismo jurídico para outro político e social,
para firmar o Estado de Direito da sociedade liberal.29
Retorna-se hoje, com o advento do Estado Democrático de Direito, contemporâneo à
globalização e posterior à queda do muro de Berlim, à procura de novo equilíbrio entre a
liberdade fiscal e a justiça tributária.30 Assim, com a emergência do Estado Democrático de
Direito, assiste-se a novo equilíbrio entre liberdade e justiça, inclusive no plano tributário.
Dalmo de Abreu Dallari desperta para a possibilidade de que, um dos principais
motivos de crise do Estado Contemporâneo possa ser que o homem do século XX esteve
preso à concepção do século XVIII, quanto à organização e aos objetivos de um Estado
Moderno, cuja necessidade primordial, à época, era eliminar o absolutismo dos monarcas, que
sufocava a liberdade dos indivíduos, mantinha em situação de privilégio uma nobreza ociosa,
de concepção individualista.31
A partir da queda do regime absolutista dos reis, o problema do Estado passou a ser
um problema de todos. Dessa forma, ninguém pode praticar qualquer ato que tenha alguma
repercussão social, ainda que muito restrita, sem levar em conta as diretrizes do Estado, que é
27
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 203.
28
NOGUEIRA, 2000, op. cit., p.03. 29
PARDO, David Wilson de Abreu. Caminhos do constitucionalismo no Ocidente: modernidade,
pós-modernidade e atualidade do Direito Constitucional. Revista dos Tribunais, ano 7, n. 28. jul./set., 1999. p. 115. 30
TORRES, 2003. v. 1, op. cit., p. 431-432. 31
de Direito.32 A lei surge como garantia da igualdade entre os homens e como controle dos atos
de Estado.
No Estado Democrático de Direito a tônica gravita em torno da participação ativa, que
se revela através do exercício da cidadania, em que o homem deve ser compreendido como
um cidadão ativo que participa das decisões políticas que refletem em si e na coletividade.
Dessa forma, as leis criadoras de direitos e deveres em uma sociedade solidária e cidadã,
como a instituída na Constituição Brasileira de 1988, devem ser fruto da vontade popular e
não instrumentos de dominação de um grupo.33
O Estado Moderno, assim, surge com o Iluminismo, com a Revolução Francesa, com
o documento normativo universal denominada Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão do ano de 1789. A Revolução Francesa rompeu com o Antigo Regime. É movimento
de repercussão não apenas para a França, mas para todo o planeta. A Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão de 1789 é documento de natureza universal, endereçada à
humanidade e adotada pelos Estados, por intermédio do ordenamento jurídico interno.
A problemática do Estado mereceu a reflexão de Pontes de Miranda, que registrou:
Morda, tribo, fratria, cidade, feudo, Estado, são formas transitórias, ou pelo menos secundária, da evolução do conjunto das sociedades humanas. Não são essenciais ou definitivas. Somente duas realizações são indestrutíveis na vida social e, pois no Direito: o indivíduo e a universalidade humana, o espécime e o genus humanum. Tudo o mais são formas frágeis, intermediárias, como o matriarcado, o patriarcado, a tribo, a maior parte das leis, o Estado e outros fenômenos perceptíveis e grupos organizados, que podem mudar, e mudam, segundo os fatores do tempo e lugar. 34 (Grifo nosso)
O ingresso na fase pós-moderna está associado com os anos que se seguiram ao
término da Segunda Grande Guerra, por tudo que representou em termos de ruptura
demolidora com as aspirações depositadas na concretização otimista dos ideais humanistas
clássicos sob as garantias de um Estado Democrático de Direito e de uma ordem internacional
voltada para a paz mundial.35
Fase heurística, de lance original, da contra-prova, do inesperado, do diferente, do
desconhecido, composta de elementos cognitivos inusuais, a pós-modernidade insere, nos
32
DALLARI, 2005, op. cit., p. 303. 33
LONGO, 2006, op. cit., p. 1-13. 34
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Sistema de ciência positiva do direito. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2000. p.28.
35
dizeres de Antônio Carlos de Almeida Diniz, categorias alternativas de legitimação, até
mesmo paradoxais, tais como eficácia, heterogeneidade dos jogos de linguagem e paralogia.36
O movimento pós-modernista ensaia uma crítica virulenta e desentronizadora do tipo
de racionalidade moderna hegemônica, crítica esta marcada pelo desencanto e perda do
otimismo com a consecução dos ideais e promessas da época das Luzes, cerne do espírito
moderno.37 Isto porque, o modernismo transformou a essência dos ideais de igualdade,
liberdade e solidariedade iluminista, em declarações ou enunciados tão literais quanto
inefetivos.38
Registre-se que, sob a influência de Nietzshe, o filósofo alemão Rudolf Pannuitz
identifica o pós-moderno como niilismo reinante na cultura ocidental do século XX. Em fins
da década de setenta do século XX, Jean-François Lyotard popularizaria a discussão em torno da pós-modernidade com sua obra “A Condição Pós-Moderna”.39
Ao contextualizar a pós-modernidade, o filósofo francês propõe sua inserção no
cenário de categorias alternativas de legitimação e eficácia.40 Em 1980, no discurso proferido
por ocasião da solenidade de entrega do Prêmio Adorno, em Frankfurt, Alemanha, Habermas
introduziu um fato novo na historiografia do tema, ao defender vigorosamente a continuidade
do projeto civilizatório da modernidade, em moldes neo-iluministas.41 O impulso dado por
Habermas colocou o pós-modermo no centro das discussões, assumindo posição de destaque
daí por diante como um referencial-padrão, e, sedimentando-se como discurso no âmbito da
teoria social hodierna.42
Adorno escreveu acerca do tema da mínima moralia, em que a modernidade, fora de
moda, acaba morrendo, cedendo espaço aberto ao mundo pós-moderno, que se firma no
século XXI.43 A modernidade econômica traçada pela industrialização, hoje substituída por
sociedade informatizada. A modernidade política baseada em um sistema representativo e nos
partidos, vê-se dominada pela ação dos movimentos micrológicos, como o feminismo, a
36
DINIZ, 2006, op. cit., p. 200. 37
Ibid., p. 201. 38
Ibid., p. 202. 39
Ibid., p. 199. 40
Ibid., p. 200. 41
Ibid., p. 200. 42
ANDERSON apud DINIZ, 2006, op. cit., p. 201. 43
bandeira gay, o Green Peace, e, pela ação de um poder que não está centralizado no Estado, e
sim, em uma rede. A modernidade cultural – na ciência, na filosofia e na arte -, ressurge com
nova faceta, assume a quebra de paradigmas, aceita a nova roupagem na vida em sociedade,
que termina por refletir a economia de mercado, o Direito pós-positivista, e a tributação
humanística.44
Reivindica-se, assim, a necessidade da reconstrução do Iluminismo, com base em um
novo modelo de razão e numa nova concepção de modernidade.45 A pós-modernidade não
representa efetivamente uma ruptura com a modernidade, mas uma modernidade reconstruída
sob os valores oriundos do fenômeno da globalização.
Rouanet afirma que o novo Iluminismo é ao mesmo tempo crítico e racional, e, sua
razão não pode ser mais a do século XVIII. Isto porque a razão do Iluminismo do século XXI
é uma razão capaz da crítica e da autocrítica, apta a devassar em suas verdadeiras estruturas as
leis e instituições, armada para desmascarar os discursos pretensamente racionais e consciente
de sua vulnerabilidade ao irracional.46
Equiparado com um novo modelo de razão e um novo conceito de crítica, dispondo de
um acervo de valores próprios, que não coincidem inteiramente com os de nenhuma outra
corrente, e enraizado num solo social que o salva de todo idealismo. O novo Iluminismo está
pronto para prosseguir a tarefa que a Ilustração não pode concluir.47
O novo Iluminismo concorda com Kant para quem é necessário ousar saber, e, para
tanto, propõe uma nova razão em remover todas as tutelas, e para isso propõe uma nova
crítica. O objetivo é mesmo: assegurar, de modo integral e para todos, a autonomia do
homem.48
O fato de todos sermos criaturas de Deus, feitas à sua imagem e semelhança,
chamados a imitá-Lo, sustenta a igualdade entre os homens (Teoria Contratualista de J.J.
Rousseau e mais tarde de E. Kant). Assim, o Homem é o elemento mais importante de toda e
44
ROUANET, 1987, op. cit., p. 21-22. 45
Ibid., p. 21. 46
Ibid., p. 31. 47
O autor trata da Ilustração como proposta mais generosa de emancipação do homem. ROUANET, 1987, op. cit., p. 31.
48
qualquer teoria jurídica da tributação.49 Em um Estado Democrático de Direito, as leis
somente são legítimas quando emanam da vontade popular.
1.2 A ECONOMIA. O BRASIL. A GLOBALIZAÇÃO. O MERCADO ABERTO DE DIMENSÕES PLANETÁRIAS
A economia de mercados estruturada pela revolução tecnológica necessita de impulsos
criativos do homem que se vê diante de quebra de paradigmas.50 Sob nomes como
social-democracia, ou social-liberalismo, difundiu-se em países como o Brasil como a única maneira
realista e decente de reconciliar o social necessário com o mercado e a globalização
inevitáveis.51
A responsabilidade mais importante do Estado, sob uma diretiva de pós-modernidade,
é a garantia de mínimos sociais, concebidos como condições para a vida ativa do cidadão e do
trabalhador. A ordem econômica mundial está pautada nesta premissa. Adverte Roberto
Mangabeira Unger que, o mercado não cria os seus próprios pressupostos, um desses
pressupostos é um homem-livre da fraqueza, da insegurança, da enfermidade e da
ignorância.52
Sérgio Vasques acrescenta que, até o advento da revolução industrial o patrimônio
podia dizer-se um indicador útil da capacidade contributiva: a força econômica de cada um
era em boa medida refletida pelas suas terras, pela sua casa, pelos adereços de fortuna que compunham o seu “trem de vida”, os cavalos, as carruagens, os vitrais, os cães de caça. Com a transição de uma economia fundiária para uma economia de serviços, o patrimônio deixou
de constituir um indicador fiável da capacidade de contribuir.53
A economia atual é marcada pelo consumo mais do que pela acumulação de riqueza,
transformando a contemplação do patrimônio, vivida nos séculos XIX e XX, em uma imagem
muito truncada da força econômica do cidadão.
49
FERRAZ apud FERRAZ, Roberto. Da hipótese ao pressuposto de incidência: em busca do tributo justo. In: SHOUERI, Luís Eduardo (coord.) Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2003. v. 1. p. 198.
50
NOGUEIRA, 2000, op. cit., p. 06. 51
UNGER, Roberto Mangabeira. A segunda via: presente e futuro do Brasil. São Paulo: Boitempo, 1991. p. 13. 52
Ibid, p. 13. 53
Conclui Vasques que, na economia de mercado é o rendimento da pessoa física que
exprime, de melhor modo, sua capacidade econômica. A Teoria do Rendimento Acréscimo –
Accretion Theory -, foi elaborada por Georg Von Schanz, em sua obra Finanz-Archiv,
acolhida por Matthias Erzberger, na Reforma Tributária Alemã de 1919-1920, e, transmitida
aos sistemas fiscais do mundo desenvolvido, na seqüência da Segunda Guerra Mundial.54
O rendimento tributável para a economia deve ser definido de forma tão ampla quanto
possível, para que nele se compreenda todo o fluxo de riqueza percebido pelo contribuinte,
que seja útil ao pagamento do imposto. A permitir desse modo, estender-se o imposto a todo o
reforço das disponibilidades econômicas do contribuinte.
Estudo do Ipea demonstra o quadro macroeconômico do Brasil nos anos 1995-2005, o
qual identifica três sub-períodos de destaque:
1) Período de 1995-1998: estabilização dos preços por meio da combinação
entre abertura comercial, elevação das taxas de juros e valorização da taxa
de câmbio. Baixas taxas de crescimento do produto, com baixa elasticidade
emprego/produto. Aumento paulatino do desemprego e queda da renda
real;
2) Período de 1999-2003: mudança do regime cambial, com adoção do regime
de metas de inflação e promoção de superávits fiscais elevados. Baixas
taxas de crescimento, com exceção do ano de 2000. Elevação da
elasticidade emprego/produto; estagnação da renda real e estabilização da
taxa de desemprego aberto em um patamar próximo a 10% ao ano;
3) Anos 2004 a 2006: cenário externo favorável, crescimento mais elevado do
PIB – Produto Interno Bruto -, recuperação do emprego assalariado formal,
em taxas superiores ao do crescimento do produto, mas com crescimento
um tanto menor da renda real média do trabalho.55
O estudo aponta ainda que a partir de 2004, diante de uma taxa mais elevada de
crescimento, declinou, no Brasil, a taxa de desemprego. Foi demonstrado que, a análise do
grau de formalização da ocupação é fundamental em países como o Brasil, onde uma grande
parte da população trabalhadora não está nem empregada em postos de trabalho registrados,
54
VASQUES, 2004, op. cit., p. 54. 55
nem desempregada, mas exerce uma série de atividades remuneradas informais, obtendo
renda monetária significativa. Por outro lado, o estudo econômico do Ipea indica que no
período 1995-2005, a renda média do brasileiro advinda do trabalho apresentou uma queda de
11,4% no seu valor real.
Neste ponto, oportuna a advertência de Pedro Benedito Maciel Neto no sentido de que,
neste tempo de relações comerciais globais, é preciso rever o Direito para a construção sem
fim da civilização por meio de um planejamento central, fundamentadamente democrático,
para que os homens potencializados racionalmente possam de modo criador e criativo
respeitar o interesse coletivo e social. Assim, em um mundo de economias globalizadas,
preocupa-se com a globalização de direitos e com a essência humana.56
A análise do tributo na economia é importante para efetivação da tributação como
instrumento do Estado para se atingir o desenvolvimento, o qual está pautado no mercado
competitivo. A competitividade se dá, não só no plano nacional, como no transnacional. O
tributo, hoje, mais do que em qualquer momento da história do desenvolvimento, é o
instrumento adequado a inserção de mais competitividade das econômicas dos países,
direcionadas a incrementar produtividade de mercado e estimular os fluxos de comércio
interno e externo, valorizando as potencialidades de cada um. Nas palavras de Ives Gandra da
Silva Martins os mercados, hoje, determinam mais a política tributária que os governos e as
sociedades locais.57
1.2.1. A Geopolítica atual e a ordem econômica do Brasil. O Mundo em blocos
A geopolítica atual revela que as fronteiras territoriais dos Estados do mundo ocidental
cederam à formação de blocos políticos e econômicos; que há intensificação do movimento de
pessoas; circulação de bens de produção, de serviço e de capitais. Acrescente-se a isso, a
expansão dos domínios da informática.
Em época do suposto triunfo do neoliberalismo, países desenvolvidos da Europa e da
América demonstram que o Estado assume faceta não intervencionista na economia de forma
direta, mas papel garantidor do equilíbrio nas relações (comerciais, sociais, humanas,
culturais, políticas, diplomáticas, de solidariedade e de cooperação).
56
MACIEL NETO, Pedro Benedito. Direito ao Desenvolvimento: reflexões sobre Direito Comercial à luz do Novo Código Civil. Repertório de Jurisprudência IOB, cad. 3., n. 22, 2002. p. 610.
57
A reconstrução de uma nova ordem econômica mundial se embasa na ética da
solidariedade, e, em uma democracia mundial, para usar a expressão de Rouanet, passa,
necessariamente, pela superação de algumas falácias implícitas no atual modelo de
desenvolvimento econômico e social.58
Flávia Piovesan ao descrever o contexto mundial, percebe que não mais se trata da
hegemonia de um determinado país, ou de determinada economia, sobre outros, no caso, da
superpotência americana (EUA) sobre o restante do mundo, embora ela permaneça à frente
das decisões formais, mas já não mais como o verdadeiro tomador de decisões, e sim, como
instância intermediária.59
A ordem econômica mundial, situando-se o Brasil, no século XXI, é traçada por
Martins, como um sistema que se reestrutura por profunda alteração nos sistemas fiscais, em
decorrência da formação dos grandes blocos regionais. Ele afirma que a globalização da
economia traz, como conseqüência notória, a necessidade de se determinar política que não
tire a competitividade dos países perante seus parceiros do bloco e seus concorrentes fora
dele. A tributação é atividade do Estado que pode viabilizar a economia.60
O Brasil, para o período de 2004 em diante, elaborou projeto político que é construído
socialmente no sentido de repensar o país a fundo. A visão é de longo prazo, a inovação
consiste nisso. É um projeto de política social solidária e orgânico. Cezar Alvarez,
sub-secretário da Presidência da República brasileira, registra que esse projeto político para o
Brasil a longo prazo evidência que o país não está isolado de um contexto internacional. Por
isso que está voltado para o desenvolvimento e para a inclusão social. A soberania é da nação;
urge controlar as desigualdades do país.
É preciso combinar uma política de crescimento e desenvolvimento com elementos
necessários à estabilidade macro-econômica. Segundo estudos da Presidência da República
Federativa do Brasil, o Plano Plurianual do Brasil para o período de 2004-2007 seguiu a
conclamação feita pela Resolução nº 128-41 de 1986 da Organização das Nações Unidas de
seguir a diversidade social, regional, econômica, cultural, geográfica, seus específicos
elementos indicadores de riquezas, como assinalou o Ministro Chefe da Secretaria Geral da
58
SILVA, Guilherme Amorim Campos da. Direito ao Desenvolvimento. São Paulo: Método, 2004. p. 219. 59
PIOVESAN, Flávia. Pobreza como violação dos direitos humanos. In: WERTHEIN, Jorge; NOLETO, Marlov Jovchelovitch (org.). Pobreza e desigualdade no Brasil: traçando caminhos para a inclusão social. Brasília: Unesco, 2004. p. 135-159.
60
Presidência da República, Luiz Dulci, para quem o projeto conclama a solidariedade
universal, a trazer elementos de qualidade às políticas de combate à pobreza.61
1.2.2 A Inter-relação entre o Brasil e o Mundo. O Mercosul
O Brasil chega à pós-modernidade sem ter conseguido ser liberal nem moderno. O
povo brasileiro, herdeiro de uma tradição autoritária e populista, elitizada e excludente,
seletiva entre amigos e inimigos – e não entre certo e errado, justo ou injusto -, mansa com os
ricos e dura com os pobres, chegou ao terceiro milênio atrasado e com pressa.62
Urge, no contexto planetário, despertar para a significação da liberdade pela igualdade
substantiva, material. Um conceito de liberdade orientado pelos atuais imperativos da
igualdade material não pode mais ser mantido cativo do domínio formal de certos direitos não
assegurados. A discussão sobre o conjunto de capacidades e oportunidades envolvidas nas
necessidades fundamentais é essencial à compreensão de igualitarismo substantivo amparado
no mínimo ético.63 Nesse contexto, o Brasil se destaca como uma das maiores e mais
promissoras economias mundiais. Situado em um espaço geograficamente favorável, sob o
ponto de vista do comércio internacional. País-membro do Mercosul, assume o papel de uma
das lideranças de mercado.
É preciso compatibilizar economia de globalização e tributação. A tributação pertence
ao Estado, à economia de mercado. No contexto mundial atual, constata-se uma
interdependência entre os Estados. Isto se dá em razão da globalização. Dreifuss legitima a
reflexão acerca do fenômeno da globalização sob o contexto da mundialização dos padrões de
consumo, da massificação das sociedades, homogeneização de estilo de comportamento
social.64 Trata-se da globalização tecnológica impulsionada por redes de megaconglomerados
61
ALVAREZ, Cezar. Estado e sociedade: a experiência da participação social. In: WERTHEIN, Jorge; NOLETO, Marlov Jovchelovitch (org.). Pobreza e desigualdade no Brasil: traçando caminhos para a inclusão social. Brasília: Unesco, 2004. p. 135-159.
62
BARROSO, Luis Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro: pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo. In: QUARESMA, Regina; OLIVEIRA, Maria Lúcia de Paula (coords.) Direito Constitucional brasileiro: perspectivas e controvérsias contemporâneas. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 31.
63
ARRUDA JÚNIOR, Edmundo Lima; GONÇALVES, Marcus J. Globalização, direitos humanos e desenvolvimento. In: ANNONI, Danielle. Os novos conceitos do novo direito internacional: cidadania, democracia e direitos humanos.São Paulo: Max Limonad, 1999. p. 127-144.
64
transnacionais, de produção, de finanças e de comércio desenvolvidas no alto ritmo de
velocidade de informações.
Marcos Aurélio Pereira Valadão reforça o contexto histórico registrando que na
segunda metade do século XX, a humanidade vê surgir uma nova forma de união de Estados,
diferente das tradicionais, que não corresponde às formas clássicas de meras alianças
políticas, ou de união pessoal ou real, nem, por outro lado, corresponde à confederação ou,
ainda, a uma federação.65
A partir dos anos 90, intensifica no mundo a formação de blocos econômicos,
tendência desde o pós-guerra, entre Estados geograficamente vizinhos, a fim de
incrementarem políticas públicas voltadas para o desenvolvimento de seus povos. Os
governos desses Estados têm se voltado para temas decorrentes da globalização: o
federalismo global, sociedades de consumo em massa e integração financeira internacional.66
Trata-se da estrutura comunitária, em que os Estados se unem, abrindo mão de parte
de sua soberania, em alguns aspectos, com alguns sistemas comuns a toda comunidade
(moeda, sistema aduaneiro, contratos de adesão, extração de minerais), mas, tornando-se um
sólido bloco econômico. O modelo mais avançado é o da União Européia. O Mercosul está
buscando seguir o mesmo exemplo.67
1.3 O HOMEM. O CIDADÃO. EVOLUÇÃO. A TEORIA SOCIAL HODIERNA
Todos herdam da sociedade, por meio do Estado, um pacote básico de direitos,
deveres e recursos. O horizonte da atuação social do Estado é o desenvolvimento da herança
social.68
O conceito de cidadania nos dias atuais é assunto de debates não só nas escolas, mas
nas empresas, nos clubes, nos templos, nos partidos políticos, em todos os espaços e
seguimentos da sociedade. Expressam-se nos processos reivindicatórios que vão desde a luta
65
VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira. Limitações constitucionais ao poder de tributar e tratados internacionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 120.
66
CHEREM, Mônica Teresa Costa Sousa; DI SENA JÚNIOR, Roberto (org.). Comércio internacional e desenvolvimento: uma perspectiva brasileira. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 94.
67
VALADÃO, 2000, op. cit., p. 120. 68
por saneamento básico, saúde, educação, até o fim da discriminação sexual, racial, para
atingir o desenvolvimento econômico e social nos países de regime político-democrático.69
A cidadania deve sempre ser pensada como processo histórico, como conceito ao qual
se atribuem novas determinações. A cidadania não é dada para sempre, de modo pacífico, mas
é fruto de uma luta permanente, de um longo período histórico.
O constitucionalismo político e social do Estado pauta-se na cidadania de igualdade, a
qual detém no Estado Democrático de Direito, autonomia pública e privada, cuja formulação
é composta de indivíduos plenamente autônomos, autores e destinatários de suas ações.70 Isto
porque a democracia deve ocorrer em ambiente em que todas as classes sociais têm
oportunidades no processo econômico, de forma a gerarem possibilidades de escolha na vida
pessoal e profissional.71
O conceito de cidadania tem ocupado lugar de destaque no mundo contemporâneo.
Desde a Antiguidade Clássica o que se vê são momentos de crise e êxtase no processo de
consolidação da cidadania e dos direitos humanos. O período negro que precedeu a Revolução
Francesa foi marcado pela humilhação e segregação do homem pelo homem, apoiados em
fulcros religiosos. Deve ser reconhecido, que ainda existem enclaves de repressão do homem
pelo homem em bases religiosas, como em países do Oriente Médio e da África.
A racionalidade na modernidade, ao passo que iluminou certas mazelas, criou outras
formas de exploração e segregação. Contudo, teve o mérito de observar que, sem a garantia de
direitos mínimos, a humanidade e o comércio estavam fadados ao extermínio. Não à toa os
direitos à vida, à liberdade e à propriedade foram os primeiros a serem consagrados pela
Declaração Francesa dos Direitos do Homem.72
O processo de desenvolvimento da cidadania, no curso da afirmação e da consolidação
do Estado Moderno traz à baila algumas questões que surgem à idealidade democrática,
69
CRUANHES, Maria Cristina dos Santos. Cidadania: educação e exclusão social. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabis, 2000. p. 16.
70
MENDONÇA, Gustavo Proença S. Cidadania multicultural e os novos desafios para a ordem constitucional. In: VIEIRA, José Ribas (coord.). Perspectivas da teoria constitucional contemporânea. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2007. p. 94.
71
CAMPOS, Eduardo Nunes. Cidadania social nos blocos regionais: a experiência da comunidade européia e do Mercosul. In: ANNONI, Danielle. Osnovos conceitos do novo direito internacional: cidadania, democracia e direitos humanos. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002. p. 145-164.
72