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CAPÍTULO 3 A RECONSTRUÇÃO DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE

3.2. O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA PARA O IMPOSTO DE RENDA

O imposto de renda (IR), para Rui Barbosa, é o mais famoso tributo brasileiro, o mais intrusivo, o mais justo dos tributos, o mais inquisitório, o que mais ocasiona conflitos entre a autoridade e os contribuintes.182 Em razão de sua essência econômico-político-social, o IR sempre se prestou a ser um instrumento de justiça social. Queiroz assegura que o IR teve sua origem por volta do ano de 1789, na Inglaterra. Para Noé Winkler, o imposto constitui uma conquista da democracia sobre a aristocracia e a plutocracia.183

Na lição de Milton Spencer, imposto é um pagamento compulsório feito ao governo, e tem por objetivos:

1. Realocar recursos, de modo a produzir uma quantidade maior de um bem e uma quantidade menor de outros;

2. Alterar a distribuição da renda e da riqueza geradas pelo setor privado; e,

3. Estabilizar a economia, reduzindo as flutuações nas atividades econômicas.184

180

UTZ, Stephen. Ability to pay. Whittier Law Review, v. 23, n. 3, May. 2002. p. 11.

181

BARKER, William B. The three faces of equality: constitutional requirements in taxation. Case Western Reserve Review, Fall, 2006. p. 21.

182

BARBOSA apud CARRAZZA, Roque Antônio. Imposto sobre a renda: perfil constitucional e temas específicos. 2. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 21.

183

WINKLER apud QUEIROZ, 2004, op.cit., p. 95.

184

A problemática da reconstrução do princípio da capacidade contributiva para o imposto de renda da pessoa física no Brasil volta-se para o fato de que, em essência, esse imposto, ainda, não se aproxima da tributação justa determinada na Constituição de 1988.

A base de cálculo do IRPF não pode ser manipulada. Ao legislador é dado desequiparar pessoas que se encontrem em situações econômico-financeiras diversas. Vale dizer, sob a ótica da igualdade, o princípio da capacidade contributiva para o IRPF exige tratamento fiscal igual aos que ostentam situações econômicas equivalentes, e tratamento desigual, aos que se encontram em situações econômicas diversas.

Carrazza acrescenta que a renda tributável deve ser verificada pelo legislador em favor do contribuinte; a renda tributável é o incremento patrimonial derivado do capital, do trabalho ou da combinação de ambos.185 O tributarista afirma que a postura do legislador, ao elaborar lei do IRPF, deve ser marcada pela moderação, respeitando-se a situação econômica de quem o suporta. A situação econômica do contribuinte há de ser atual, não pode estar situada em época remota, para que se revele razoável presunção de que o contribuinte tem recursos suficientes para adimplir a obrigação tributária.186

A correlação entre o princípio da capacidade contributiva e o IRPF é ponderada por Queiroz:

Relativamente ao Imposto Sobre a Renda, somente se poderá aferir a real capacidade contributiva, para efeito da incidência do imposto, no preciso instante em que se puder apurar, com certeza, a manifestação e o quantum da base tributável contida na hipótese de incidência que se revela pelo “acréscimo” ao respectivo patrimônio. O Imposto sobre a Renda, além da capacidade contributiva, deverá realizar, também, a isonomia tributária, na medida da tributação de cada um, de acordo com as suas realidades individuais, como forma de equilibrar as desigualdades pessoais e, por decorrência, cumprir também a pessoalidade que é ínsita à tributação desse imposto. A capacidade contributiva em um Estado de Direito representa, portanto, o fundamento e a barreira para as imposições tributárias. O princípio pode ser visualizado tanto como um indicador a ser utilizado pelo Estado no exercício do seu poder de tributar quanto como um limite obrigatório colocado aos Poderes do Estado no exercício da competência impositiva, a fim de que a isonomia tributária seja efetivada em busca da aproximação, a maior possível, de uma tributação mais justa.187

No Brasil, o imposto de renda que ultrapassou, em 2004, a marca dos 80 anos, embora criado pela Lei Orçamentária nº 4.625, de 31.12.1922, só passou a ser efetivamente exigido a

185

CARRAZZA, 2006, op. cit., p. 113.

186

Ibid., p. 311.

187

partir de 1924, com as alterações introduzidas pela Lei Orçamentária nº 783, de 31.12.1923.188 Em verdade, a renda já vinha de algum modo sendo tributada no Brasil desde 1834, por meio do imposto sobre subsídios e vencimentos do imposto sobre dividendos, que tinham por sujeitos passivos as pessoas que recebiam vencimentos dos cofres públicos, isentos os militares em campanha, conforme a Lei Federal nº 317, de 21.10.1843.189

Segundo Bulhões Pedreira a lei não é livre para escolher qualquer base imponível e há de respeitar o conceito de renda e proventos de qualquer natureza, constante da Constituição Brasileira de 1988. Ele adverte que as definições adotadas pela lei ordinária devem ser construídas e interpretadas tendo em vista a discriminação constitucional de competências tributárias, e estão sujeitas ao teste de constitucionalidade em função da sua compatibilidade com essa discriminação.190

Queiroz noticia que a Constituição de 1891 não fez menção ao IR, o qual só apareceu no cenário constitucional em 1934. O primeiro regulamento da Lei nº 4.625/1922 é o Decreto nº 17.390/1926; a respectiva tributação foi fixada com base na pessoalidade e progressividade.191

Entre 1930 e 1954, na busca de adaptar a tributação do imposto às necessidades e interesses sócio-econômicos, foram introduzidas várias modificações na estruturação do imposto sobre a renda. Queiroz cita como exemplo, a introdução em 1954 da tributação na fonte sobre os rendimentos assalariados. A Lei Federal nº 4.537/1964 introduziu profundas alterações na forma de cálculo do Imposto sobre a Renda, introduziu-se a sistemática da correção monetária para apuração do imposto.

Durante um longo período, anos de 1954 a 1985, Queiroz registra que as fontes pagadoras estavam obrigadas a fazer retenções de IRPF a título de antecipação sobre os salários, durante o ano da respectiva percepção.192

A Lei nº 7.450/85, em seu art. 9º, previa alíquotas que variavam entre 5% e 50%.193 A Lei nº 7.713/88 reformulou a forma de tributação das pessoas físicas, os rendimentos

188

CARRAZZA, 2006, op. cit., p. 21.

189

Ibid., p.21.

190

PEDREIRA apud QUEIROZ, 2004, op.cit., p. 85.

191

QUEIROZ, 2004, op. cit., p. 92.

192

Ibid., p. 93.

193

passaram a ser tributados, mensalmente, na medida em que fossem auferidos. As alíquotas do IR passaram a ser de 10% e 25%.194 A Lei nº 8.134/90 extinguiu a obrigatoriedade da apuração mensal, retornando à anualidade. Queiroz anota que, por meio das Leis nºs 9.249/95 e 9.250/95, foram introduzidas novas regras para as pessoas físicas e jurídicas. A incidência sobre a renda, hoje, ocorre para as pessoas físicas sob duas alíquotas, 15% e 27,5%.195

Em 1995, a legislação do imposto de renda das pessoas físicas sofreu alteração. Editada a Lei 9.250/1995, em seus arts. 3º e 11, na interpretação de Carrazza, passou a estipular o percentual de alíquotas do imposto de renda da pessoa física para 15% e 25%. Registra o tributarista brasileiro que, até 1988, as alíquotas do IRPF variavam de 3% a 55%, e, eram aplicadas pela Administração Pública Fazendária, progressivamente, de acordo com o montante de rendimentos tributáveis do contribuinte.

Carrazza registra que a partir de 1989, com a Lei Federal, que operou uma das maiores mudanças registrada na história recente da tributação de renda no Brasil, a alíquotas do IRPF passaram a ser apenas duas: 10% e 25%. Verifica-se que a alíquota máxima de 55% que vigia, no Brasil até 1988, sofreu a brusca redução para 25%.

A partir da Lei nº 7.713/88, a diminuição do número de alíquotas para apenas duas, assim como a fixação do percentual de 25% como alíquota máxima, comprometeram seriamente a progressividade com que o imposto de renda brasileiro vinha até então se revestindo e que tem sido uma das características próprias do imposto universalmente observada.196

Em 1º de janeiro de 2002, o IRPF passou a ser calculado de acordo com os índices, tabelas e limites de dedução previstos na Lei 10.451/2002. O Contribuinte até R$ 12.696,00, de rendimentos está isento. O contribuinte que receber rendimentos acima de R$ 12.696,01 até R$ 25.380,00 de rendimentos anuais, a Lei prevê a alíquota de 15%, deduzindo-se do imposto a parcela de R$ 1.904,40. Cidadãos-contribuintes com rendimentos anuais acima de R$ 25.380,00, recolherão o imposto de renda pessoa física sob uma alíquota de 27,5%, deduzindo-se do imposto a parcela de R$ 5.076,90.

194

QUEIROZ, 2004, op. cit., p. 93

195

Ibid., p. 97.

196

Sustenta Carrazza que, poder-se-ia criar um maior número de alíquotas aplicáveis às rendas mais elevadas. Conclui que a Lei 10.451/2002 continua majorando o IRPF indevidamente.197 A criação do imposto de renda da pessoa física justo, observando a capacidade contributiva do contribuinte, pode ter sérias repercussões na economia. Isto porque, no caso do IR, é preciso que a capacidade contributiva considere as reais forças econômicas de cada contribuinte, desenvolvendo a idéia, na criação da lei in abstracto, trazendo em seu bojo elementos suficientes para que, no momento de sua aplicação ao caso concreto, seja possível personalizar o tributo, fazendo com que atente para as condições econômicas de cada contribuinte, individualmente considerado.198

Na opinião de Carrazza, no caso do IRPF é imperioso que a legislação, garantindo a vida e a propriedade dos contribuintes, permita-lhes o abatimento, da base de cálculo do tributo, das despesas necessárias, próprias ou de seus dependentes econômicos, à moradia, à preservação ou recuperação da saúde, ao vestuário, ao transporte, e assim por diante.199

Para que haja renda tributável faz-se mister se verifique, em favor do contribuinte, incremento patrimonial derivado do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, sendo irrelevante a forma pela qual é concedido (se um dinheiro ou se em espécie).200

A Constituição da República Federativa Brasileira de 1988 constitucionalizou a obrigatoriedade de o IR ser informado pelo critério da progressividade (art. 153, I, CF/88).

A problemática em torno da reconstrução do princípio da capacidade contributiva para o imposto de renda da pessoa física justifica-se no fato de que, em essência, o imposto de renda, que ultrapassa a marca de oitenta anos de vigência, ainda não se aproxima da tributação justa direcionada pelas Constituições Modernas. Machado desabafa no sentido de que há um despreparo do Congresso Brasileiro para vivenciar os princípios consagrados na Constituição de 1988, não obstante tenha sido esta elaborada por uma Assembléia Nacional Constituinte pelos mesmos senadores e deputados que o integram.201

A base de cálculo do IRPF não pode ser manipulada. Ao legislador é dado desequiparar, para fins de IR, pessoas em situações econômicas diversas. Exige tratamento

197

CARRAZZA, 2006, op. cit., p. 314.

198 Ibid., p. 112. 199 Ibid., p. 113. 200 Ibid., p. 113. 201

fiscal igual aos que ostentam situações econômicas equivalentes, e desigual aos que se encontram em situações econômicas diversas. O encargo fiscal deve ser tanto maior quanto maiores forem às possibilidades econômicas das pessoas físicas/naturais/humanas que o suportam, mas todos devem recolher aos cofres públicos, parcela de seu rendimento- acréscimo.202

Carrazza afirma que deve adotar-se, em relação ao IR, postura marcada pela moderação pelo equilíbrio e, acima de tudo, pelo respeito à situação econômica de quem o suporta. Para tanto, a situação econômica há de ser atual, não pode estar situada em época remota, porquanto já não revela uma razoável presunção de que o contribuinte tem recursos suficientes para adimplir sua obrigação tributária.203

Destaque-se a reflexão de Carrazza, acerca da reconstrução do princípio da capacidade contributiva para o imposto de renda. Na medida em que a Constituição da República Federativa Brasileira de 1988 garante especial proteção à família (art. 226), o IR deve ser dosado de modo a não atingir as despesas necessárias à plena assistência aos cônjuges ou conviventes (art. 226, §3º), bem como à criação e educação de filhos menores ou dependentes, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção. Nestas hipóteses, a pessoa física deverá necessariamente suportar carga tributária menor só pelo fato de integrar uma unidade familiar.204

Observa Carlos Alberto Longo que, à medida que a economia de um país se desenvolve, nota-se, em geral, mudanças na estrutura do seu imposto de renda. Na observação do autor, o IRPF exige, para seu aproveitamento como fonte de receita, cuidados especiais do ponto de vista administrativo e uma atitude participativa de grande número de contribuintes, diria-se, no maior número, economicamente possível de contribuintes, ingredientes naturalmente escassos em países menos desenvolvidos.205

Humberto Ávila leciona que a Constituição Brasileira de 1988 determinou expressamente que o imposto sobre a renda deve ser instituído de acordo com os critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade (art. 153, §2º). Enfatiza que a própria

202

CARRAZZA, 2006, op. cit., p. 310.

203

Ibid., p. 311.

204

Ibid., p. 311.

205

LONGO, Carlos Alberto. Em defesa de um imposto de renda abrangente. São Paulo: Pioneira, 1984. p. 85.

Constituição estabeleceu a progressividade desse imposto. A contradição real encontrada é que as leis ordinárias regulam o imposto instituíram, apenas, duas alíquotas: 15% e 27,5%, não observando a imposição constitucional da progressividade na exação. Sustenta o autor que o imposto sobre a renda deve possuir mais alíquotas progressivas.206

Ávila reforça a sustentação, argumentando que o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza obedecerá ao princípio da capacidade contributiva, na medida em que for progressivo.

3.2.1 Breve apontamento do Imposto de Renda nos Estados Unidos

Nos Estados Unidos, o imposto de renda incide sobre as pessoas físicas e as pessoas jurídicas, diferentemente. No tocante as pessoas físicas, o IR incide sobre a renda líquida, que é a que resta depois que determinados itens forem subtraídos da renda bruta, porém, com uma amplitude de deduções muito maior que no Brasil.

Os impostos podem ser classificados de várias formas. Nos Estados Unidos, Spencer aponta que há três tipos principais de impostos:

1. Impostos sobre a renda:

1.1. Imposto de renda de pessoa física; 1.2. Imposto de renda de pessoa jurídica.

2. Impostos sobre a riqueza (incluindo sua propriedade e transferência): 2.1. Impostos de propriedade;

2.2. Imposto de doações e transmissão causa mortis. 3. Impostos sobre atividades (consumo, produção, emprego)

3.1. Imposto de consumo e de vendas; 3.2. Impostos de previdência social.

Nos Estados Unidos, o primeiro passo para determinar o imposto de renda pessoal, de pessoa física, natural, é arrumar seus documentos referentes a receitas e despesas. No calcular desse imposto, são permitidas determinadas deduções e isenções. Por exemplo, algumas

206

deduções possíveis, dentro de certos limites legais de sua renda, são doações à Cruz Vermelha, à sua ex-universidade e a várias outras instituições sem fins lucrativos; pagamentos feitos a médicos, raios-X e remédios; impostos de vendas e outros, pagos aos governos estadual e municipal; juros pagos sobre empréstimos e vários outros gastos.

Além disso, abatimentos ou isenções são permitidos para o sustento do contribuinte; o de sua família e de seus dependentes. O montante de imposto de renda que a pessoa física terá que pagar, em um dado nível de renda, depende de várias coisas. Por exemplo, se a pessoa física é casada ou solteira.207

Spencer reafirma que o IRPF nos Estados Unidos é baseado no princípio da capacidade de pagar, uma reafirmação do dito de Platão, no sentido de que a tributação mais justa que um governo pode impor é a baseada nas disponibilidades financeiras do contribuinte. Nos Estados Unidos, o imposto de renda de pessoa física, que é imposto federal, é o melhor exemplo de imposto progressivo. O imposto é escalonado de modo que, um indivíduo com uma renda mais alta pague proporção maior de imposto do que outro com renda mais baixa.208

3.3 O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA SOB O CRITÉRIO DA