• Nenhum resultado encontrado

Enfim, esta primeira seção teve como objetivo apresentar várias reflexões e estudos sobre a morte e o luto na Psicologia. Foi possível constatar seus efeitos, temores, fases e rea- ções diante do mistério da finitude. O desconforto que se percebe na contemporaneidade está cada vez mais generalizado e sentido pelos vivos na presença de pessoas que trazem na face marcas da doença, da finitude e do luto. Esse desconforto é uma evidente antipatia silenciosa, mas perceptível, principalmente por parte de quem sofre a dor da perda.

Esse constrangimento dificulta manifestações de afeto e apoio tanto na proximidade da finitude da vida como para pessoas enlutadas. Ignoram-se ritos de iniciação na morte em si, dispõe-se de poucas palavras para expressar sentimentos e aflições provocados pela mortali- dade humana. Algumas frases rituais ainda são lembradas, mas parecem sem sentido e super- ficiais.

118 Centro pertencente à Universidade de Lanús, Buenos Aires (Argentina). Nesse centro, a resiliência é estudada

e aplicada em projetos sociais, auxiliando uma comunidade ou grupo a superar ,de maneira coletiva, situa- ções adversas.

119 Cf. ROCCA LARROSA, S. M. Resiliência: uma perspectiva de esperança na superação das adversidades. In:

HOCH, L. C.; ROCCA LARROSA, S. M. Sofrimento, resiliência e fé: implicações para as relações de cuidado. São Leopoldo: Sinodal, 2007, p. 11.

Tornou-se evidente que a dor da perda de um filho, bem como de um ente querido atinge de maneira brutal o ser humano, correndo o perigo de se tornar um luto complicado. A perda envolve toda a família, sendo importante a compreensão e o apoio do meio como supor- te para a resiliência. Na determinação do curso do luto, a variável mais influente parece ser a personalidade da pessoa enlutada, ou seja, a maneira como determina seu comportamento de apego e os modos como reage a situações estressantes, o que a torna mais vulnerável ao so- frimento e à perda.

No entanto, tendo como pano de fundo a pesquisa realizada com mães enlutadas, per- cebe-se que emergem desse acontecimento, a morte, questões de ordem espiritual, de modo especial, a busca pelo consolo na fé e na esperança. A reflexão a seguir voltará o olhar para a Teologia cristã. A próxima seção abordará a semântica da morte e ressurreição nas Escrituras, nos Símbolos, no Magistério e como ela é discutida na Teologia Contemporânea, como espe- rança na vida que há de vir e agente de resiliência.

2 MORTE E FÉ NA RESSURREIÇÃO

Esta seção apresenta algumas reflexões teológicas sobre a morte e a fé na ressurreição, percorrendo um caminho metodológico que permite uma visão sobre a teologia da morte, par- tindo de uma interdisciplinaridade entre Filosofia, Psicologia e Teologia. Entendida como reflexão teológica, a seção aborda questões relativas à morte e ressurreição na Bíblia, na Tra- dição Cristã, na Patrística e no Magistério da Igreja, não deixando de considerar a visão da Teologia contemporânea e o debate atual sobre o assunto. O ponto de partida sempre será a morte de Jesus, que aponta para a esperança na ressurreição, ponto central da fé cristã. É im- portante reiterar que esta investigação não trata diretamente da Escatologia e, por isso, não menciona a complexidade de assuntos e questões que o tratado exigiria.

Nos estudos de culturas e povos antigos, percebe-se que o ser humano sempre abomi- nou a morte e, provavelmente, sempre a repelirá. Dos pontos de vista psicológico e psiquiátri- co, o fenômeno é bastante compreensível. Kübler-Ross assume que a impressão de imaginar um fim da vida na Terra é inaceitável inconscientemente.120 E, se a vida tiver um fim, esse será atribuído a uma intervenção maligna fora do alcance.121 Portanto, a morte em si está as- sociada a uma ação má, a algo que em si clama por recompensa ou castigo.

Alguns teóricos da Psicologia entendem a religião e a Igreja como uma instituição que trata de organizar o que não pode ser suportado. A partir da necessidade humana de controlar o mundo e a natureza à sua vontade, a Igreja proporciona também a proteção necessária con- tra os inimigos e os demônios internos, ou seja, a pulsão de morte.122 Para Freud, o ser huma- no é regido pelo princípio do prazer e deseja introjetar somente o que é bom e expulsar tudo o

120 Cf. VIÇOSO, H. Dicionário enciclopédico de Psicologia.Lisboa: Trato e Grafia, 2008, p. 642. Inconsciente,

do latim inconscius - às vezes chamado também de subconsciente é um termo psicológico com dois significa- dos distintos. Em um sentido amplo, mais genérico, é o conjunto dos processos mentais que se desenvolvem sem intervenção da consciência. O segundo significado, mais específico, provém da teoria psicanalítica e de- signa uma forma específica de como o inconsciente, em sentido amplo, funciona. Vários pesquisadores estão de acordo ao admitir a existência de processos mentais inconscientes, ou seja, do inconsciente em sentido amplo. Para evitar a confusão entre os significados, alguns estudiosos preferem utilizar o adjetivo não consci-

ente no primeiro significado, reservando o adjetivo inconsciente para o significado psicanalítico.

121 Cf. KÜBLER-ROSS, E. Sobre a morte e o morrer, p. 6.

122 Cf. FREUD, S. Totem y tabu. In: ______. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1913/1914, p. 876-901,

que for considerado mau, depositando-o no externo. Para manter a vida, deveríamos lidar bem com a morte. Diz Freud: “Se queres suportar a vida, prepara-te para a morte.”123

Heidegger apresenta a morte como um modo de ser. O ser humano, desde que nasce, é um ser-para-a-morte, porque a morte pertence ao contexto da vida. Assumindo a morte com lucidez, o ser humano conquista a autenticidade e cumpre sua missão. A morte é a chave her- menêutica para a compreensão da existência. No entanto, é conhecida a crítica de Sartre a essa visão da morte em Heidegger. Conforme Sartre, a morte desvela o absurdo de toda a espera. Assim, a vida não é outra coisa senão uma série de esperas que pendem todas para o fim últi- mo.124 Desse modo, a morte surge na dimensão complementar: o ser-para-a-morte se conver- te em ser-para-o-nada. Contudo, tanto Heidegger como Sartre, ainda que por caminhos opos- tos, possibilitaram o estabelecimento de um paradigma comum: a morte como fator de valori- zação da vida.

Rahner, influenciado pelas ideias existencialistas de Heidegger, percebe a morte sem- pre presente ao longo da vida. O teólogo fala da prolixitas mortis, que significa morte contí- nua – termo usado por Gregório Magno, uma-vida-para-a-morte, ou seja, a presença da morte em tudo o que fazemos. Rahner traduziu para a Teologia o conceito de Heidegger, de ser-

para-a- morte. A expressão significa o processo concreto da crescente acumulação de elemen-

tos da morte na história da vida humana. Na interpretação rahneriana, em todas as experiên- cias de debilidade, doença e desilusão, o ser humano morre um pouco.

Em definitivo, de fato, não existe algum momento na antropologia cristã que, por ser cristãmente entendido, não deva ser confrontado com a doutrina de morte desenvol- vida no quadro de uma concepção cristã, não importa se em uma teologia tradicional isto seja ignorado. A existência humana inteira é orientada à morte, e esse momento decisivo definitivamente é acolhido em cada tratado, porque tem por objeto uma di- mensão de existência humana em uma teologia do espírito e do conhecimento, em uma teologia de liberdade, em uma teologia da coparticipação humana e do amor em uma descrição cristã, experiências fundamentais vividas da existência humana (an- gústia, esperança, alegria, desespero, fé...), já que esse ser-para-a-morte conota tudo aquilo que é presente na vida humana e comunica a sua problematicidade à abertura ao mistério e à sua seriedade última.125

123 FREUD, S. Consideraciones de actualidad sobre la guerra y la muerte. In: ______. Obras completas.

Madrid: Biblioteca Nueva, 1915/1948, p. 2117, v. 2.

124 São várias as divergências e convergências do pensamento de Sartre e Heidegger mas, talvez, a intriga maior

entre ambos se deva em relação à compreensão da morte. (Cf. SARTRE, J-P. O ser e o nada: ensaio de Ontologia fenomenológica, p. 58-71; Cf. HEIDEGGER, M. Ser e Tempo, p. 134-219).

125 RAHNER, K. Il morire cristiano, p. 21. “Indefinitiva, infatti, non existe alcun momento dell’a antropologia

cristiana che – per essere cristianamente inteso – non debba venir confrontato con la dottrina della morte sviluppata entro il quadro di una concrezione cristiana, non importa se in una teologia tradizionale questo avvenga o sia trascurato. L’intera esistenza umana è orientata alla morte, e questo momento decisivo in

O grande problema atual acerca da morte é a sua privatização, isto é, reduziu-se a consciência da morte para a esfera individual. Esse é o reflexo do narcisismo moderno que associa tudo a cada um individualmente. Tudo gira em torno do eu. Com a morte do indiví- duo, portanto, está tudo acabado! Nesse caminho, o indivíduo acredita ser o produtor de sua própria vida. Muitas vezes se isola e vive uma grande solidão. Trata-se da morte social. Pode- se concordar com Moltmann, ao dizer que a consciência reprimida da morte mata o ser huma- no já em vida e o torna apático em relação aos outros e a si mesmo, assumindo preconceitos e erguendo muralhas ao seu redor.126

Para a Teologia, na profissão da fé cristã, a morte é o termo da vida terrestre. Para Cardedal, pensar a morte significa remeter-se a uma história em que Deus revelou seu amor, indo ao encontro dos seres humanos para transformar a morte em vida. Narrar essa história é anunciar que o amor é o essencial anúncio do cristianismo.127 Assim, a esperança da ressur-

reição deve trazer consigo uma nova compreensão do mundo. Esse mundo que não é o céu da autorrealização; esse mundo que não é o inferno da autoalienação; o mundo que ainda não está concluído, mas entendido como algo que está em processo, um mundo possível em que pode estar a serviço da futura verdade e paz prometidas. Se o mundo perdeu o horizonte, a tarefa da comunidade cristã é reconduzi-lo à esperança no futuro do Cristo crucifica- do/ressuscitado.