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3.2 ANÁLISE DOS DISCURSOS

3.2.2 Memórias do funeral

O DSC dessa categoria demonstra claramente que, diante da morte violenta do filho, a mãe tende ao estado de choque. As entrevistas relataram que tudo acontece muito rapidamen- te e que é praticamente impossível a pessoa ter plena clareza do que está acontecendo. Um relato corrobora: “Não imaginava o que iria passar quando aquilo tudo terminasse, fosse pra

casa sem meu filho e como iria continuar a vida.” (mãe n.2). O ritual das exéquias é repleto

de palavras de esperança, de vida e de ressurreição que pouco são assimiladas naquele mo- mento.

a) Poucas lembranças

DSC: “Lembro de pouca coisa específica.(mãe n.1). As orações me acalmavam, mas

não lembro de muita coisa. (mãe n. 5). Lembro de algumas coisas bonitas, mas não de deta- lhes, de palavras. (mãe n. 6). Não lembro de quase nada.” (mãe n. 7).

Poucas lembranças foram relatadas pelas mães. Elas demonstraram lembrar palavras soltas ou algum gesto específico voltado ao filho morto ou à família. Sobre o rito de exéquias, as mães relataram lembrar de poucas palavras. Este tema comprova os relatos e corrobora a categoria anterior analisada quanto à questão do entorpecimento que acomete a pessoa medi- ante uma perda violenta.

O pranto precisa ter o espaço necessário para ser expresso: “Eu me sentia parecia que

anestesiada. Só queria ficar quieta. (mãe n. 1). Parecia que não era eu, ali. (mãe n. 12). Mui- ta gente dizia muitas coisas, mas não lembro de detalhes.” (mãe n. 6). É importante recordar

que essa expressão anestesiada também se refere ao fenômeno que a Psicologia caracteriza como despersonalização, ou seja, é quando a pessoa enlutada sente que ela própria é irreal. Também ocorre o fenômeno da desrealização que significa, conforme Parkes, que o mundo é irreal,236 como se lê neste relato: “Não parecia verdade. Sabe, eu tirei ela do caixãozinho e

peguei ela no colo (choro), fiquei com ela um pouco, depois coloquei ela de novo no caixão... Parecia que eu estava vendo tudo como que de fora de mim, nem sei explicar.”(mãe n. 8).

b) Apoio dos amigos

DSC: “O abraço das pessoas amigas foi muito bom. (mãe n. 9). Minhas amigas da

Igreja estavam todas lá comigo, agente se deu as mãos. (mãe n. 15). Recebi muitos abraços de amigos e família que ajudava bastante.” (mãe n. 10).

Percebeu-se que o funeral é uma vivência antropológica em que se concretiza o conta- to com a finitude humana. Nessa experiência, principalmente a mãe enlutada se detém em aspectos específicos e particulares que concentram a atenção ao filho perdido, como homena- gens, símbolos ou músicas que os amigos apresentem: “Os amigos colocaram uma música

linda para ele. (mãe n. 6). O frei disse que ela era uma pessoa especial. (mãe n. 17). Me con- solou ver os colegas de aula chorando muito.” (mãe n. 10).

A presença e o apoio dos amigos como lembranças do funeral foi uma posição unâni-

me que serviu como consolação para as mães. O gesto amigo de acompanhar uma pessoa en- lutada traz acolhimento e respeito à dor do outro.237 Nos casos de sofrimento profundo, tam- bém é salutar silenciar. A Bíblia apresenta o sofrimento de Jó e a presença de seus amigos, cujo silêncio foi mais eficiente do que muitas palavras.

Três amigos de Jó – Elifaz de Temã, Baldad de Suás e Sofar de Naamat – ao intei- rar-se da desgraça que havia sofrido, partiram de sua terra e reuniram-se para ir compartilhar sua dor e consolá-lo. Quando levantaram os olhos, a certa distância, não o reconheceram mais. Levantando a voz, romperam em prantos; rasgaram seus mantos e, a seguir, espalharam pó sobre a cabeça. Sentaram-se no chão ao lado dele, sete dias e sete noites, sem dizer-lhe uma palavra, vendo como era atroz seu sofri- mento. (Jó 2, 11-13).238

c) Entrega do filho a Deus

DSC: “As orações da missa, me consolavam porque me diziam que ele estava bem. (mãe n. 1). A música: “Segura na mão de Deus e vai” me marcou muito. Me confortou saber

que eu estava entregando ele pra Deus.(mãe n. 3). O pastor fez orações bonitas, que falava de Deus, da glória de Deus. (mãe n. 7). O que me conformava era quando alguém dizia que ele ia ficar com Deus.”(mãe n. 11).

237 Cf. OLIVEIRA, R. K. de. O longo processo do luto. Psicoteologia, ano XXI, n. 48, p. 7, 2011. 238Livro de Jó. Antigo Testamento.

Se, por um lado, as mães lembram de poucas coisas do funeral do filho, também, por outro, algumas lembranças, embora vagas, trouxeram consolo. Cabe salientar que o momento do funeral possui grande efeito existencial, posto que a fé passa pela experiência pessoal vi- venciada. No relato notou-se que as mães lembram de orações que falavam do filho estar com Deus. “Me confortou saber que eu estava entregando ele pra Deus.” (mãe n. 19). Ainda fo- ram citadas: “O padre disse que iremos nos reencontrar. (mãe n. 4). Sei que ela está dormin-

do junto de Deus, até a gente se encontrar de novo.”(mãe n. 16). Esse relato mostra que, em-

bora em confissões e teologias diferentes, como no caso da dormição para os protestantes, a esperança do reencontro consola. Essa fala demonstra a esperança da fé cristã, sendo agente de resiliência para suportar o sofrimento. Na Bíblia, encontra-se relato, no Livro de Maca-

beus, sobre o martírio dos sete irmãos. A mãe, diante da morte do último filho, consola-o para

que esse se entregue a Deus.

Inclinou-se para este e, ludibriando o cruel tirano, assim falou na língua de seus pais: “Filho, tem compaixão de mim, que por nove meses te trouxe em meu seio e por três anos te amamentei, alimentei-te e te eduquei até esta idade, provendo sempre ao teu sustento. Eu te suplico, meu filho, contempla o seu e a terra e observa tudo o que ne- les existe. Reconhece que não foi de coisas existentes que Deus os fez, e que tam- bém o gênero humano surgiu da mesma forma. Não temas este carrasco. Ao contrá- rio, tornando-te digno de teus irmãos, aceita a morte, a fim de que eu torne a rece- ber-te com eles na Misericórdia.”(2 Mc 7, 27-29).239

Enfim, a pesquisa mostrou que, na sua grande maioria, as mães enlutadas guardam poucas lembranças do funeral do filho, que a presença e o apoio dos amigos e da família fo- ram determinantes no consolo, assim como as orações e, acima de tudo, a fé em entregar o filho a Deus.