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2.5 QUESTÕES NA TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

2.5.2 Ressurreição na Parusia

Em contrapartida com a posição da ressurreição na hora da morte, a concepção da res- surreição na Parusia é vista e esperada como a grande vinda gloriosa de Cristo, ou seja, a res- surreição final. A fé católica afirma a continuidade e a subsistência, depois da morte, do ele-

197 Cf. LIBANIO, J. B. O juízo de Deus. In: SCHÜLER, A. Dicionário enciclopédico de Teologia. Canoas: Ed.

da Ulbra, 2002, p. 225-232.

198 LIBANIO, J. B.; BINGEMER, M. C. Escatologia cristã: o novo céu e a nova terra, p. 116. 199 Cf. MOLTMANN, J. Dios en la creación, p. 255.

mento espiritual dotado de consciência e vontade.201 É o eu humano que subsiste entre a mor- te e a ressurreição final. Para designar tal elemento espiritual, usa-se a palavra alma.202

Ratzinger utiliza a explicação de Santo Agostinho como tempo da memória, em que, ao morrer, o homem se desliga do tempo físico e retém o tempo da memória, o que permite entender o que se fez na vida, a necessidade de uma purificação e o que já pode estar numa nova relação com a matéria através da ressurreição da carne. Assim, o ser humano continua, depois da morte, mantendo sua história humana na forma de tempo da memória.203

O jesuíta Pozo aprofunda a declaração da Congregação para a Doutrina da Fé sobre a Escatologia de 1979 e defende o juízo intermediário e a espera pela Parusia: “Portanto, no final dos tempos, ao conceder-nos a vida eterna, a visão de Deus nos é concedida como he- rança, uma realidade que não corresponde de modo algum a nossa condição de criaturas, mas, sim, de filhos eleitos.”204

Há entre os luteranos teólogos que têm restrições quanto ao sono dos mortos até a Pa- rusia, como é o caso de Moltmann, cuja ideia refere-se a um despertar após a morte para, em Cristo, aguardar a Parusia.205

Eles estão junto a nós que vivemos, abrigados pela mesma esperança e, assim, co- nosco a caminho, rumo ao futuro de Deus. Eles vigiam conosco e nós vigiamos com eles, formando uma comunhão na esperança, dos mortos com os vivos e dos vivos com os mortos.206

201 Cf. BRUSTOLIN, L. A. Quando Cristo vem: A Parusia na Escatologia cristã, p. 124.

202 Este ensinamento encontra-se em. Paulo VI, Credo do povo de Deus, Doc. Pont. 177, p. 13: “Cremos que as

almas de todos aqueles que morrem na graça de Cristo, quer se devam ainda purificar no purgatório, quer sejam recebidas por Jesus no paraíso, no mesmo instante em que deixam os seus corpos, como sucedeu ao ‘bom ladrão’, formam o Povo de Deus, para além da morte que será definitivamente vencida no dia da ressurreição, em que estas almas se reunirão aos seus corpos.”

203 Cf. RATZINGER, J. Escatologia. Salamanca, 1992. 17, p. 0-172 apud BRUSTOLIN, L. A. Quando Cristo

vem: A Parusia na Escatologia cristã, p. 124. Também Cf. SCHENEIDER, T. (Org.). Manual de Dogmática,

p. 409.

204 POZO, C. Teología del más allá, p. 164: “Por tanto, al concedérsenos en la vida eterna la visión de Dios, se

nos concede, como herencia, uma realidad que no corresponde en modo alguno a nuestra condición de crea- turas, sino al ser de hijos: al Hijo unigénito corresponde por naturaleza; a nosotros, por adopción. En todo caso, nos encontramos ante una realidad de orden divino.” [Tradução nossa].

205 Cf. BRUSTOLIN, L. A. Quando Cristo vem: A Parusia na Escatologia cristã, p. 120. 206 MOLTMANN, J. No fim, o início: breve tratado sobre a esperança, p. 146.

Trata-se de uma comunhão do amor, por ser uma comunhão na esperança comum. “A comunhão dos vivos com os mortos é a prática da esperança da ressurreição.”207

A corporeidade da ressurreição acontecerá na nova criação, que será instaurada no evento da Parusia de Cristo, cuja própria liturgia da Igreja clama pela libertação e transforma- ção do cosmos como plenitude do poder de Cristo – o Kyrios – sobre a morte.208 Conforme a

concepção dos gregos, a essência do ser humano é um produto que, como tal, não subsiste, mas que o corpo e a alma seguem caminhos diferentes segundo sua índole diversa. Para a fé bíblica, a essência do ser humano permanece como tal, ainda que mude. Trata-se de uma

imortalidade dialógica 209 (ressurreição), ou seja, a imortalidade nasce do ato salvador daque- le que ama e que tem poder para realizá-lo.210

Este estudo acolhe a interpretação das Escrituras conforme a Tradição e o Magistério da Igreja considerando que mediante a Parusia de Cristo se chegará à ressurreição dos mortos, à transformação da criação e à vida eterna. Não obstante, como é o papel da Teologia, jamais se poderá deixar de verificar as dificuldades existentes tanto em determinadas linguagens e interpretações, como na necessidade de formação e catequese adequadas àqueles que aderem à fé cristã.

2.6 BREVE CONCLUSÃO

Moltmann ressalta que é inconcebível uma identidade pessoal sem identidade somáti- ca. O que, portanto, permanece, é o humano todo, na forma de sua vida histórica, assim como Deus o vê.211 A esperança da ressurreição não é apenas uma esperança para a hora da morte, mas para todas as horas da vida. A ressurreição da carne abrange não somente a corporeidade do indivíduo, mas também a sociabilidade da pessoa humana. O que ressuscita é a comunhão

207 Cf. MOLTMANN, J. A vinda de Deus: escatologia cristã, p. 127. 208 Cf. RATZINGER, J. Escatologia: morte e vita eterna, p. 211-214.

209 Esta expressão de imortalidade dialógica usada por Ratzinger, quer dizer que o ser humano não é imortal em

si, mas como parceiro de diálogo de Deus. Então, o estar na memória de Deus é o que faz o ser humano viver eternamente (Cf. SCHENEIDER, T. (Org.). Manual de Dogmática. Vl, III, p. 409).

210 Cf. RATZINGER, J. Introdução ao cristianismo: prelações sobre o símbolo apostólico com um ensaio

introdutório, p. 261-263.

humana e não a alma humana isolada e privativa.212 O que permanece na transição da vida para a morte e da morte para a ressurreição é a identidade pessoal no relacionamento recípro- co com Deus. Ratzinger salienta que a outra vida está relacionada diretamente com todas as nossas experiências e o que nos formou como pessoas e que sobrevive ao peso da morte.213

Assim, a ressurreição dos mortos exprime uma vida que não conhecerá mais a morte, não sendo mais o prosseguimento desta vida mortal, mas uma vida transformada. Isso quer dizer que não é o corpo biológico, com seus limites espaço-temporais que ressuscitará, por- que, com a morte, esse será um cadáver, mas o corpo glorioso não estará sujeito à doença e à corrupção. Porém a glorificação do corpo acontecerá na Parusia.

Ao término desta seção, foi possível substanciar, de modo geral, reflexões que a Teo- logia cristã faz sobre a morte e a ressurreição desde a experiência bíblica até a Teologia atual. Constata-se, então, que a ideia de viver sem pensar na morte e a concepção de que a morte não é um acontecimento da vida são um grande equívoco.

É fundamental a pergunta realista de como vive o dia a dia, o cristão, o mistério da morte e sua celebração. Entre a fé proposta e confessada, por um lado, e, por outro, a fé vivida na experiência diária, não se abre um abismo tal, que tornaria algo quase inatingível ou ina- cessível? A compreensão cristã da morte é acessível à consciência do ser humano contempo- râneo? Na reflexão de Cardedal, a fé, atualmente, só é possível através de uma conversão pro- funda mantida e alimentada ao longo da existência, com um processo de mudança de pensa- mentos, cultura e, principalmente, de esperanças.214

Na seção a seguir, o enfoque estará na práxis cristã frente à morte e à ressurreição, que, com base na pesquisa de campo realizada, é possível perceber como os cristãos reagem à perda de alguém querido e, acima de tudo, como compreendem e vivenciam os ensinamentos da fé cristã. Esse aspecto é, sem dúvida, um grande desafio à Teologia.

212 Cf. ALMEIDA, E. F. de. Do viver apático ao viver simpático: sofrimento e morte, p. 99. 213 Cf. RATZINGER, op. cit., p. 260.

3 MORTE E RESSURREIÇÃO NA PRÁXIS CRISTÃ

No diálogo entre Teologia e Psicologia sobre o significado da morte e do luto, é preci- so verificar, na prática, como se expressa a fé cristã na ressurreição como auxílio para a resili- ência.

Foi trabalhada uma pesquisa realizada com mães enlutadas entre seis meses a três anos de luto, cujos filhos morreram de forma violenta: acidente de trânsito, homicídio e suicídio em Caxias do Sul–RS. Trata-se de um grupo de mães cuja maioria vive uma situação econô- mica baixa, sem condições financeiras para receber tratamento psicológico ou psiquiátrico. Grande parte desse grupo necessita de auxílio para a sobrevivência, por isso, busca ajuda na instituição onde a pesquisa foi realizada.

Optou-se pela pesquisa qualitativa para analisar o relato de experiências, os conceitos de morte, o processo de luto e se a fé cristã foi agente de resiliência e esperança.

Segundo Polit, Beck e Hungler, uma pesquisa qualitativa tem como finalidade identi- ficar o fenômeno a ser estudado, buscando descrever as suas dimensões, quais as variações existentes e o que é importante para ele.215 A escolha pela abordagem qualitativa se justifica por essa se aprofundar nos significados e nas intencionalidades que se fazem presentes nos discursos dos sujeitos. Conforme Lefèvre e Lefèvre, “as abordagens de corte qualitativo permitem a compreensão mais aprofundada dos campos sociais e dos sentidos neles pr e- sentes, na medida em que remetem a uma teia de significados”.216

A realização deste estudo consistiu em uma entrevista semiestruturada, com enfoque na questão do fenômeno morte, no luto e na fé cristã como agentes de resiliência. A entrevis- ta semiestruturada, segundo Minayo,217 é a técnica mais usada no processo de trabalho de campo, vista em um sentido amplo de comunicação verbal e no sentido restrito de coleta de informações sobre determinado tema científico; semiestruturada porque valor i- za a presença do investigador, oferecendo todas as perspectivas para que o informante alcance a liberdade e a espontaneidade necessárias, enriquecendo a investigação.

215 Cf. POLIT, D.; BECK, C.; HUNGLER, D. A construção do saber: manual de metodologia da pesquisa em

ciências humanas, p. 43.

216 LEFÈVRE, F. ; LEFÈVRE, A. M.. O Discurso do Sujeito Coletivo: uma nova abordagem metodológica na

pesquisa qualitativa, p. 15.