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2.5 QUESTÕES NA TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

2.5.1 Ressurreição na morte

A Ressurreição na morte significa que acontece a morte total do ser humano, que será ressuscitado por Deus no momento da morte. Não há necessidade de imaginar um tempo in-

187 Cf. CUÑADO, J. C. Una celebración de la muerte de la presona que muere. In: ORTEGA, J. L. C. Sobre la

muerte y el morir. Burgos: Monte Carmelo, 2009, p. 296-297.

termediário entre a morte e a ressurreição nem um tempo para o eu espiritual se unir ao corpo na ressurreição posterior, nem um tempo durante o qual o ser humano deixa de existir para ser, no final dos tempos, recriado por Deus, conforme a teoria da morte total na Teologia Evangélica mais recente ou até mesmo no tempo de dormição.189

Alguns teólogos, para escapar das contradições da subsistência da alma separada do corpo, emergem para a hipótese de um corpo que ressurgiria imediatamente após a morte, porém não fisicamente perceptível, pois já estaria na glória definitiva.190 Rahner contribuiu para desencadear um grande debate sobre a ressurreição na hora da morte, questionando, as- sim, o estado intermediário. Foi o primeiro teólogo católico a retomar o tema numa Quaestio

disputata – O sentido teológico da morte – em 1958. O contexto no qual ele aborda esse tema é o do debate com a filosofia existencial sobre a morte. O teólogo afirma que, na reflexão so- bre as implicações da doutrina do estado intermediário, verifica-se que existem algumas obje- ções, das quais destacam-se principalmente duas: a primeira refere-se à impossibilidade de conceber o tempo antes e depois da morte. O ser humano inteiro morre no término de sua temporalidade neste mundo. Por isso, para Ranher, não é fácil conceber o tempo e a tempora- lidade de uma alma separados, pois, por um lado, já conseguiu a felicidade junto a Deus e, também, deve aguardar a ressurreição do seu corpo.191Por outro lado, a identidade do corpo ressuscitado com o indivíduo não é uma identidade física e biológica, mas uma identidade pessoal do sujeito espiritual.

O debate suscitado por Rahner teve em Ladislau Boros, teólogo húngaro, um dos prin- cipais representantes no decorrer dos anos 60 (séc. XX). Ele retoma a tese da ressurreição na

morte, segundo a qual o homem assume, no instante mesmo da morte, uma corporeidade no-

va. A ressurreição propriamente dita não é escatológica, ou seja, não tem lugar no fim da his- tória, porque não há comunicação positiva entre o aqui, ou seja, o intra-histórico, e o além, o meta-histórico. Segundo Boros, uma hipótese discutida é a da opção do homem na hora da morte, em que o juízo particular se converte, na prática, numa espécie de autojuízo. Cada pes- soa tem a possibilidade de, na morte, decidir-se diante de Cristo na posse de todas as suas forças, com plena clareza e total liberdade. Isso porque, no momento da morte, o ser humano se torna definitivo. Boros também vê a decisão na morte como purgatório. Esse, certamente,

189 Cf. SCHENEIDER, T. (Org.). Manual de Dogmática. VI. III, p. 408.

190 Cf. GILBERT, M. Ressurreição dos mortos. In: LACOSTE, J.-Y. Dicionário crítico de Teologia. São Paulo:

Paulinas; Loyola, 2004, p. 1.530-1.537.

não é um lugar de suplícios, nem um campo de concentração cósmico, no qual Deus castigará suas criaturas.192 O purgatório é, antes, um acontecimento momentâneo, a qualidade e intensi- dade da decisão que se realiza na morte.

No meio teológico brasileiro, a obra de Boff : A Ressurreição de Cristo, a nossa res-

surreição na morte,193 parte do conceito de personalidade enquanto é um conjunto de rela-

ções, vivências, hereditariedade, cultura que traz ao ser humano uma personalização, como o existir no mundo em comunhão com os outros.194

Conforme as concepções de Boff, o ser humano, ao morrer, já não pode ser visto numa existência limitada da alma que sobrevive enquanto espera a ressurreição do corpo. A existên- cia, ou ressurreição, logo após a morte, é uma nova forma de vida em que o corpo está presen- te. A corporeidade permanece como uma nova forma de relacionamento com o universo.195

Outro teólogo favorável à ressurreição na morte é Libanio. Para ele, a ressurreição na hora da morte é a presença do sujeito amadurecido, cuja matéria foi eternizada no seu eu, no mais profundo do seu ser. Ao ressuscitar na hora da morte, o ser humano une a história terres- tre articulada com a história glorificada. No entender de Libanio, a Parusia do Senhor é o mistério pleno revelado ao homem e ao cosmos e que já está acontecendo no cotidiano vital, pois Deus respeita a liberdade e o tempo de cada ser. A Parusia é um processo que se realiza historicamente na vida, na morte e na ressurreição de cada pessoa.196

Quanto ao juízo de Deus, Libanio escreve que a Teologia moderna fez uma releitura da questão sobre a purificação, criando uma visão de purgatório, como processo de maturida- de humana para o encontro definitivo com Deus. A Escatologia da Libertação acredita que o purgatório é um processo pessoal e histórico, onde o ser humano vai superando as contradi-

192 Cf. BOROS, L. Nós somos futuro, p. 13-21.

193 Esta obra foi publicada em 1972, na qual Boff provoca um repensar antropológico a partir da subjetividade

humana. (Cf. BOFF, L. A ressurreição de Cristo: a nossa ressurreição na morte).

194 Cf. BOFF, L. Vida para além da morte, p. 38-39.

195 Cf. BOFF, L. A ressurreição de Cristo: a nossa ressurreição na morte, p. 72-74.

196 Cf. LIBANIO, J. B. A ressurreição dos mortos. In: SCHÜLER, A. Dicionário enciclopédico de Teologia.

ções, se defrontando maduramente com seus limites, redimensionando-os na direção do defi- nitivo que é Deus.197

Bingemer compartilha com Libanio a concepção da Escatologia da Libertação. Essa é a realidade de Deus, isto é, o agora, fora do espaço-tempo. Sobre a ressurreição na hora da morte escrevem:

Encontro que inclui, de maneira simultânea, outras experiências: juízo final, ressur- reição do corpo, possibilidade de conversão oferecida por este Deus, dor desta con- versão motivada pelo amor. Inclui a possibilidade de uma última e definitiva nega- ção que significaria autocondenação, assim como a experiência daquilo que chama- mos céu.198

Encerrando esta argumentação acerca da ressurreição na morte, tem-se a dizer que, no decorrer da estruturação da fé cristã, foi possível constatar a influência filosófica da separação entre corpo e alma, no entanto, os ensinamentos bíblicos sempre se dirigiram ao ser humano em sua totalidade e integração. É importante reiterar que os teólogos contemporâneos que esperam na Parusia, também partilham dessa concepção. A corporeidade é a meta para a qual apontam todas as obras de Deus. Com esse conceito, é proposto um avanço em relação aos habituais esboços analíticos que falam de corpo e alma.199 A corporeidade, nesse sentido, não é apenas uma condição provisória, mas um meio e o fim onde se concretiza a salvação em sua plenitude.200