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A palavra resiliência é um termo que vem da Física dos materiais. É uma força de resistência ao choque e de recuperação. É a capacidade elástica de um material de retornar à sua forma de origem após situação de pressão.106 A noção de resiliência está associada à presença de fatores de risco e a eventos traumáticos. Na maioria das vezes, o fator de risco é uma constelação de fatores.

Mesmo que o termo resiliência exista há 30 anos, somente na última década foi utili- zado pela Psicologia, iniciando nos trabalhos da Psicologia Comunitária, onde, diante de situação de vulnerabilidade, se percebia com clareza situações de resiliência. O termo signi- fica resistir às crises buscando viver o melhor possível. Os estudos sobre resiliência suge- rem uma mudança de paradigma ao propor como enfoque principal a capacidade das pesso- as e grupos de superação de experiências traumáticas, demonstrando uma perspectiva de esperança. Assim, ao invés de salientar os aspectos negativos do conflito, tenta-se enfatizar e promover as forças e capacidades para reagir e superar as adversidades.107

A capacidade de resiliência é avaliada a posteriori, na medida em que o indivíduo observa seu comportamento em face do sofrimento e se houve repercussões positivas sobre alguma área da sua vida. Por isso, não se nasce resiliente, mas se adquire essa capacidade no decorrer do desenvolvimento.108 Nesse sentido, não se deveria dizer que uma pessoa é (ou não) resiliente, já que cada uma tem épocas e circunstâncias da vida em que consegue lidar melhor ou pior com as dificuldades. Por isso, seria mais correto pensar na resiliência como um

estar mais do que como ser resiliente. O conceito de resiliência não deve ser confundido com

invulnerabilidade, autossuficiência ou insensibilidade. É exatamente o contrário: é passar pela crise sem negá-la. Indivíduos ou famílias resilientes podem enxergar a crise como oportunidade, e não só como ameaça.109 No caso de famílias de baixa renda, é comum serem entendidas como

106 Cf. ROCCA LARROSA, S. M. Resiliência: uma perspectiva de esperança na superação das adversidades. In:

HOCH, L.C.; ROCCA LARROSA, S. M. Sofrimento, resiliência e fé: implicações para as relações de cuida- do. São Leopoldo: Sinodal, 2007, p. 10.

107 Cf. ibid., p. 10-11.

108 Cf. PINHEIRO, D. P. N. A resiliência em discussão. Revista Psicologia em Estudo, Curitiba, v. 9, n. 1, p. 71,

jan./abr. 2004.

as mais vulneráveis devido às condições indignas e à precariedade das contingências econômi- cas e sociais que castigam a maioria das famílias brasileiras. Porém, pesquisas já realizadas com famílias pobres demonstram que o exercício da percepção da alteridade e da solidariedade, ou seja, a capacidade de se colocar no lugar do outro, de estar aberto e ser humilde ajuda a com- preender as diversidades e são importantes elementos na dinâmica da resiliência.110

Normalmente, a resiliência está associada a uma boa autoestima e o sentimento de valorização. Pesquisas mostram que a aceitação de si é um dos fatores obrigatórios para que a resiliência aconteça na vida da pessoa. Assim, as pessoas que conseguem estabelecer dife- rentes relações sociais de apoio, mesmo em ambientes diferentes, se encontram em melho- res condições para permitir e aceitar ajuda.111

Melillo pontua que, o aspecto fundamental no enfoque da resiliência é a essencial e estrutural necessidade do outro como ponto de apoio e segurança para a superação da adver- sidade.112

Vanistendael, participante e secretário do BICE,113 salienta que vários fatores são importantes para a resiliência. Baseando-se em pesquisas e experiências práticas, enunciou os cinco âmbitos principais para a promoção da resiliência e que estão inter-relacionados entre si. São redes de apoio social, em especial a aceitação incondicional da pessoa; o sent i- do da vida vinculado à vida espiritual e à fé religiosa; as aptidões e o sentimento de controle da própria vida; a autoestima; e o senso de humor.114

Em 1996, Vanistendael criou um desenho que serviria como expressão gráfica para facilitar a compreensão do tema resiliência e que chamou em espanhol de La Casita.115 Esse

modelo é dinâmico e se aplica à análise de uma determinada pessoa ou grupo na sua reali- dade, contexto e cultura específicos. Por isso, cada setor pode ser considerado como uma

110

Cf. GARCÍA, N. M.; YUNES, M. A. Resiliência familiar: baixa renda e monoparentalidade. In: DELL'AGLIO, D. D.; KOLLER, S. H.; YUNES, M. A. (Eds.). Resiliência e Psicologia Positiva: interfaces do risco à proteção. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006, p. 117-140.

111 Cf. ASSIS, S. G. D.; PESCE, R. P.; AVANCI, J. Q. Resiliência: enfatizando a proteção dos adolescentes, p. 46. 112 Cf. MELILLO, A. et al. (Org.). Resiliência: descobrindo as próprias forças, p. 67.

113 ONG francesa que promove o crescimento espiritual, intercultural e os direitos da criança.

114 Cf. VANISTENDAEL, S. Cómo crecer superando los percances: resiliência – capitalizar las fuerzas del

individuo, p. 6-17.

115 ROCCA LARROSA, S. M. As contribuições da espiritualidade e da Pastoral Católica no desenvolvimento

da resiliência em jovens de 18 a 29 anos. 171 f. Tese (Doutorado em Teologia Prática) – Escola Superior de Teologia, São Leopoldo, 2011. [Orientadora: STRECK, Valburga Schmiedt].

área potencial de intervenção para incentivar a promoção da resiliência. O esquema con- templa tanto os fatores de proteção, isto é, os recursos externos à pessoa em situação difícil, como os pilares de resiliência, e os recursos internos, competências, aptidões ou capacida- des da pessoa que ajudam na superação de situações traumáticas. Segue, o gráfico desen- volvido e chamado por Vanistendael como La Casita, como síntese de alguns elementos para a construção da resiliência.

Figura 1 – La Casita: síntese de alguns elementos para a construção da resiliência

Fonte: VANISTENDAEL, Stefan. 1996, Casitafr – BICE. In: ROCCA LARROSA, S. M. As contribuições

da espiritualidade e da Pastoral Católica no desenvolvimento da resiliência em jovens de 18 a 29 anos. 171

f. Tese (Doutorado em Teologia) – Escola Superior de Teologia, São Leopoldo, 2011, p. 29.116

Observando a figura 1, constata-se como alicerce, além das necessidades físicas bási- cas, a autoestima. Segundo pesquisas, a aceitação de si é uma das poucas condições (quase indispensáveis) para o desenvolvimento da resiliência. No entanto, todo ser humano necessita se relacionar com outras pessoas que poderão dar suporte nos momentos de crise. Os pesqui- sadores denominam essas pessoas de tutores de resiliência.117 No convívio e no autoconheci-

mento, a pessoa vai percebendo suas aptidões e encontrando sentido à sua vida através da capacidade de assumir responsabilidades, ser coerente em suas palavras e ações, onde entra a questão da fé como agente resiliente que será abordado a seguir nesta pesquisa.

Também um importante pilar para a resiliência é o senso de humor, cuja capacidade é de trazer à realidade dolorosa algo mais positivo e suportável. No entanto, estando a pessoa

116 Essa figura encontra-se também na obra: ROCCA LARROSA, S. M. Resiliência: uma perspectiva de

esperança na superação das adversidades. In: HOCH, L. C.; ROCCA LARROSA, S. M. Sofrimento,

resiliência e fé: implicações para as relações de cuidado. São Leopoldo: Sinodal, 2007, p. 15.

117 Cf. ibid., p. 16-20. A autora entende o termo tutores de resiliência não no sentido paternalista, mas no sentido

de apoio incondicional, cuidador, necessário para o auxílio de quem sofre. Outras experiências a descobrir

Autoestima Aptidões e compe- tências

Humor

Capacidade de descobrir um sentido, uma coerência: referências, responsabilidades, fé não-sectária,

história de vida, projetos, hobbies... Sótão Térreo Jardim Primeiro andar Alicerces

Solo: necessidades físicas básicas (segurança física, saúde, alimentação, sono, etc.) Redes de contatos informais: família, amigos, vizinhos

em constante cultivo de si e de relações interpessoais, sentir-se-á aberta para outras experiên- cias e novos desafios que a auxiliarão ainda mais na constituição da resiliência.

Segundo Rocca Larrosa, no contexto latino-americano, de modo especial no CIER,118 a resiliência é um saber interdisciplinar que entrelaça várias áreas como Ciências Sociais, Sa- úde, Economia, Direito e Teologia Prática, entre outras. Para a autora, poucos autores escre- veram até o momento sobre como a interferência da fé, da espiritualidade, ou a pertença a um grupo, comunidade ou instituição religiosa auxilia na superação dos sofrimentos pessoais e sociais.119 Rocca Larrosa acrescenta que o autor Vanistendael, entre outros, dá ênfase a esse fator, considerando que o sentido da vida como pilar de resiliência pode estar vinculado a uma filosofia de vida e, muitas vezes, à vida espiritual e à fé religiosa, tema que será abordado no tópico a seguir.