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LISTA DE SIGLAS

1.3 Breve Histórico das ações afirmativas

O termo ação afirmativa surge em sequência a uma série de estudos sobre relações raciais, como visto na Introdução, e também em meio a uma série de manifestações e de medidas em prol dos direitos civis e sociais para negros. Entre essas manifestações destaca-se a Marcha sobre Washington, de 1963, liderada pelo reverendo Martin Luther King (1929- 1968) (MEDEIROS, 2005). Nessa marcha, em agosto de 1963, no Lincoln Memorial, Martin Luther King, proferiu o célebre discurso que ficou conhecido como “Eu tenho um sonho”. Nesse discurso, quase uma declaração de fé, Luther King afirma que seus desejos estão enraizados no sonho americano e que, no âmbito do verdadeiro significado desse sonho, um dia haverá em que “os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos descendentes dos donos de escravos poderão se sentar juntos à mesa da fraternidade.”

Outro líder negro, Malcolm Little, conhecido como Malcolm X (1925- 1965), foi contemporâneo de Martin Luther King. Sua vida foi marcada pela violência racial. A família precisou se mudar de Omaha, Nebraska, onde Malcolm nasceu, por conta da perseguição da Ku Klux Klan ao pai, membro ativo de uma associação para o desenvolvimento do negro, e partidário de Marcus Garvey39. Em East Lansing, Michigan,

para onde a família se mudou em 1929, o racismo ainda era mais intenso. Entre outros fatos, a casa da família foi incendiada pelos racistas, sem que a polícia e os bombeiros nada fizessem. Em 1931, depois de muitas ameaças de morte, o corpo do pai foi encontrado jogado nas linhas de trem e a polícia atestou suicídio. A mãe, em 1937, foi internada em uma instituição mental dado que nunca conseguiu se recuperar da morte

38 Apresentada ao STF pelos Democratas (partido político cuja sigla é DEM) cujo objetivo foi demonstrar

a sua contrariedade em relação aos “atos administrativos da Universidade de Brasília que instituíram o programa de cotas raciais para ingresso naquela universidade”. (SILVÉRIO, 2012, p. 11).

39 O que pode ter marcado a definição das proposições de Malcolm X sobre construção do pan-

71 brutal do marido. Malcolm passou então a viver com amigos da família. Depois de deixar a escola, Malcolm se mudou para Boston indo morar com a irmã, reconhecida por ele como uma mulher negra muito orgulhosa de sua identidade negra, algo pouco comum entre os negros naqueles tempos. Nas ruas de Boston, entrou para o submundo criminal vendendo drogas. Por tal motivo foi preso e sentenciado a 10 anos de prisão. Na prisão, lia muito e lá também se envolveu com a Nação de Islam, um grupo que abraçou a ideologia do nacionalismo negro. Foi nesse momento que mudou o nome para Malcolm X – o X, incógnita, se referia aos nomes desconhecidos dos ancestrais africanos. Em liberdade, Malcolm X viajou para Detroit, Michigan, e lá trabalhou com o líder negro Elijah Muhammad com o objetivo de expandir o movimento Nação de Islam entre os negros americanos. O movimento se expandiu sob a liderança de Malcolm X, que defendia a separação das raças, a independência econômica e a criação de um Estado autônomo para os negros e não acreditava que isso pudesse acontecer sem uma revolução violenta. Após o rompimento com Elijah Muhammad, ato que o fez abandonar a Nação do Islam, e após o assassinato de John Kennedy, Malcolm X viajou para o norte da Àfrica, onde aconteceu, política e espiritualmente, uma mudança radical em sua vida. Ele inseriu o Movimento dos Direitos Civis Americanos no contexto de uma luta anti-colonial global, que abraçava o socialismo e o pan-africanismo. Em peregrinação à Meca, Arábia Saudita, converteu-se ao Islam tradicional e mudou o nome para El-Hajj Malik El-Shabazz. Retornando aos Estados Unidos, decidiu por uma solução mais pacífica para os problemas raciais. Foi nesse momento que, contraditoriamente, ele foi assassinado.

A década de 60 foi marcada pelo aumento da violência e dos conflitos raciais, e também, como se viu, por três líderes que despontaram nas questões raciais: Martin Luther King, Malcolm X e John Kennedy. Esse conjunto de fatos forçou o Estado, por intermédio da National Commission on Civil Disorders40, a criar medidas especiais para iniciar um processo de reconhecimento da população negra. Essa ação repercutiu positivamente e contemplou outros grupos desprovidos “como hispânicos, indígenas, asiáticos, mas também às mulheres” (MENEZES, 2001 apud MEDEIROS, 2005, p.121).

Anteriormente, outras medidas já tinham sido definidas pelo governo, entre as quais, a Ordem Executiva 8802 e a Ordem Executiva 9981. A Ordem Executiva 8802, de junho de 1941, foi assinada pelo Presidente Franklin D. Roosevelt, e proibia contratantes governamentais de discriminarem segundo raça, cor ou origem nacional.

72 Pela Ordem Executiva 9981, de julho de 1948, o Presidente Harry S. Truman ordenou a igualdade de tratamento e oportunidade para todas as pessoas nas forças armadas sem considerar raça, religião ou origem nacional.

A implantação das AA se deu em contextos com experiências recentes de democratização. No contexto pós II Guerra, a Índia foi um dos primeiros países a implantar essas medidas estabelecidas em Constituição a partir de 1948. Tinham como objetivo promover igualdade, dado ao grande número de pessoas cuja vida foi marcada pela exclusão à educação e ao trabalho, pela negação de direitos influenciados por questões culturais, religiosas e raciais. O pertencimento a uma casta superior foi a garantia de privilégios e direitos, já o pertencimento a uma casta inferior foi sinônimo de uma vida marcada pela exclusão por diversas gerações. A estrutura social da Índia é,

uma estrutura milenar de opressão, embutida nos conceitos religiosos do hinduísmo. Esse sistema se articula em torno de conceitos de “superioridade” e “inferioridade”, de “pureza” e de “impureza”, que envolvem não somente critérios religiosos, mas também sócio-raciais, tanto que, até hoje, as castas “superiores” (sarvanas) se definem em relação a uma origem ariana. (WEDDBERBURN, 2005, p. 314).

Com o passar dos anos o número de castas41 inferiores aumentou

significativamente, chegando a 4.000 informais consideradas “intocáveis”, conhecidas com dalits e advasis (p. 314). O autor afirma serem quatro as castas existentes na Índia, os Brahamim, Katrya e Vishiya, consideradas superiores, e Shudra, inferior,

Por fim, há ainda as populações tribais, conhecidas como “tribos estigmatizadas”, que vivem fora do sistema de castas, relegadas ao último estágio de inferioridade. É importante ressaltar que as populações classificadas como “inferiores”, “intocáveis” ou “estigmatizadas” pertencem o povo dravídico, população autóctone de pele preta. (pp. 315).

Temendo uma reação negativa entre castas superiores e inferiores, Mahatma Mohandas Ghandi posicionou-se contrariamente à noção de ação afirmativa proposta naquele momento. Apostava em uma mudança nas relações interpessoais baseadas no respeito e no amor entre os membros de castas superior e inferior, sem intervenção estatal. Ghandi posicionou-se contrário às ideias de B.R. Ambedkar, “pensador e militante nacionalista” e representante das reivindicações dos dalits e

adivasis e “genitor histórico do conceito e prática das ações afirmativas” (MOWLI, 1990 apud WEDDBERBURN, 2005, p. 315). Com a implantação de tais medidas, o líder

41Anterior a esse crescimento, havia reconhecidas oficialmente eram quatro castas, os Brahamim, Katrya e

73 indiano previa um futuro conflituoso entre castas superiores e inferiores. Acreditava, portanto,

que qualquer tentativa de mudar o status quo entre as castas mediante mecanismos de ação voluntaristas dividiria o país, levaria a guerra civil entre as castas superiores e as inferiores e causaria o massacre destas últimas. Sustentou que só uma “mudança no coração” das castas. Consequentemente, ele subordinava a libertação das “castas inferiores” à própria independência da Índia e ameaçou suicidar-se em público caso a Grã-Bretanha adotasse o mecanismo de ações afirmativas em favor dos “intocáveis” (p. 315).

Com a independência do país em 1947, as reivindicações de Ambdkar aos poucos foram sendo atendidas. Representantes dos dalits estiveram à frente dessa luta, que resultou na formulação de medidas de ação afirmativa garantidas em forma de lei, na Constituição do país. Pela redação dos artigos 16 e 17, na Carta indiana de 1950, proibia- se a discriminação com base na “raça”, “castas” e “descendência”, abolia-se a “intocabilidade” e instituía-se um sistema de ação afirmativa, chamado de reservas ou representação seletiva, nas assembleias legislativas, na administração pública e na rede de ensino” (p. 316). Embora, a implantação de tais medidas tivesse fortes opositores, ainda assim os resultados foram exitosos, atingindo 60% da população que representou 3.743 castas.

Em contexto similar ao da Índia, alguns países africanos, como Gana (1.957) e Guiné (1958), também adotaram políticas de ação afirmativa. Nesses dois casos em particular, usou-se a estratégia de nominar o processo de “indigenização” e “nativização”, com vistas à ocupação desses grupos em postos que lhes eram de direito, “monopolizados pelos europeus” (p. 317). Há registro que mais países africanos adotaram medidas semelhantes.

Com o objetivo ao empoderamento das populações em desvantagem nos anos 60 e 70, países do Caribe e do Pacífico Sul, depois do processo de independência, adotaram também políticas de ação afirmativa. Em 1971, a Malásia aderiu ao sistema, que pretendeu equalizar a participação de chineses e a de malaios, com representações distintas: os primeiros com representação de 25% e os segundos com 65%.

No Brasil as políticas de ação afirmativa ou “cotas” ficaram conhecidas como políticas voltadas somente para o acesso de negros no ensino superior, entretanto, medidas similares já eram praticadas no Brasil, desde a década de 1930 em diversas áreas. Silva Jr. (2010) afirma que a primeira delas foi criada no governo de Getúlio Vargas: “em 1931, o Brasil aprovava a primeira lei de cotas de que se têm notícias nas Américas: a lei da Nacionalização do Trabalho” (p.17) ainda em vigor na Consolidação das Leis do

74 Trabalho (CLT) (art. 354), que obrigava as empresas (cujos proprietários eram imigrantes) a destinar uma cota de dois terços de suas vagas a trabalhadores brasileiros. A Lei do Boi foi instituída em 1968. Tratava de cotas para duas modalidades de ensino: as escolas que ofereciam o ensino médio agrícola e as faculdades de Agricultura e Veterinária. Essas modalidades foram recomendadas a agricultores, não agricultores com posse ou de terra e aos filhos desses. Dessa forma, “50% das vagas foram para candidatos agricultores ou filhos destes proprietários ou não de terras, que residiam na zona rural e 30% a agricultores ou filhos destes proprietários ou não de terras, que residiam em cidades ou vilas que não possuam estabelecimentos de ensino médio” (p. 19).

O Programa de Estudantes-Convênio de Graduação (PEC-G) foi criado em 1965 como um acordo de cooperação entre o Brasil e países desenvolvidos e em desenvolvimento. Tem garantido o registro obrigatório de estudantes estrangeiros beneficiários de convênios culturais sob o comando do Ministério das Relações Exteriores, órgão responsável pelo registro da carteira de identidade, documento obrigatório do “estudante-convênio” para a realização da matrícula na instituição de ensino superior. A permanência do estudante no país de estudo está ligada ao seu desempenho, conforme reza o art. 6º do convênio: “A interrupção do registro anual da matrícula invalida a carteira de identidade e seu portador perderá a qualidade de estudante-convênio”42. Dentre os compromissos43 assumidos no ato da matrícula, o de

número cinco determina que a permanência deste no Brasil é apenas para fins de obtenção dos estudos, tendo esses estudantes que retornar ao país de origem em três meses após o término do curso. O primeiro decreto foi revogado pelo de Nº 7.948, de 12 de março de 2013, que manteve a proposta de oferta gratuita para a formação e qualificação superior de jovens entre 18 a 23 anos, com ensino médio completo. Ampliou-se o raio de atuação com os países44 atendidos, com os quais o Brasil mantém acordos educacionais e

culturais, por meio do Ministério das Relações Exteriores e da Educação, em parceria

42 Decreto de n. 55.613/ 1995 (p. 1).

43 O documento necessitava da assinatura do chefe da divisão de Cooperação, do Estudante-Convênio e

do Diretor do Ensino superior.

44África (África do Sul, Angola, Benin, Cabo Verde, Camarões, Costa do Marfim, Gabão, Gana, Guiné- Bissau, Mali, Moçambique, Namíbia, Nigéria, Quênia, República do Congo, República Democrática do Congo, São Tomé & Príncipe, Senegal e Togo), América Latina e Caribe (Antígua & Barbuda, Argentina, Barbados, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, El Salvador, Equador, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República, Dominicana, Suriname, Trinidad & Tobago, Uruguai, Venezuela) e Ásia (China, Paquistão, Tailândia, e Timor Leste).

75 com universidades45 públicas, federais, estaduais e particulares. De 2000 a 2013

selecionaram-se mais de 6.000 candidatos. A África é o continente com maior número de estudantes beneficiados pelo programa, com destaque para Cabo Verde, Guiné-Bissau e Angola. Na América Latina, a maior participação é de paraguaios, equatorianos e peruanos. Na Ásia, os timorenses estão à frente e respondem pelo maior número de selecionados. O Programa de Estudantes-Convênio de Pós-Graduação (PEC-PG) criado em 1981 é um desdobramento do PEC-G com objetivos semelhantes. Prevê a concessão de bolsas de mestrado (bolsas concedidas pelo CNPq) e doutorado (bolsas concedidas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES), para o ingresso nas Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras que emitam diplomas de validade nacional, em programas de pós-graduação stricto sensu com nota igual ou superior a 03 (três), segundo classificação estabelecida pela CAPES. O Programa é administrado por três órgãos ligados ao governo brasileiro: o Departamento Cultural (DC) do Ministério das Relações Exteriores (MRE), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O programa já selecionou mais de 1.600 estudantes de pós- graduação e 75% das candidaturas são da América Latina, com destaque para Colômbia, Peru e Argentina.

O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera)46 foi

começado a ser pensado em julho de 1997 foi realizado, dentro do I Encontro Nacional

das Educadoras e Educadores da Reforma Agrária (Enera). Este encontro foi a concretização de um projeto que teve como parceiros, o Grupo de Trabalho de Apoio à Reforma Agrária da Universidade de Brasília (GT-RA/UnB), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), representado pelo seu Setor de Educação, além do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), do Fundo das Nações Unidas para a Ciência e Cultura (Unesco) e da CNBB.

Em 2 de outubro do corrente ano, representantes da Universidade de Brasília (UnB), Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí), Universidade Federal de Sergipe (UFS), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e da Universidade

45 De acordo com registro no site do MEC, ao todo são 97 universidades (estaduais, federais, institutos e

particulares) conveniadas, in: http://www.dce.mre.gov.br/PEC/G/Paises.html.

76 Estadual Júlio de Mesquita Filho (Unesp) desenharam propostas de ação, dentre elas, investir na formação educacional de jovens e adultos do campo.

Após essa articulação em 16 de abril de 1998, o Ministério Extraordinário de Política Fundiária criou o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera). Em 2001, o Programa foi incorporado ao Incra pela Portaria/Incra/nº 837, com a aprovação de um novo manual de operações.

O Programa Diversidade na Universidade foi criado pela Lei No 10.558,

de 13 de novembro de 2002, com a vigência prevista para os anos de 2002 a 2007. Foi