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O que leva um (a) estudante inclusive os (as) cotista a desistir99 do curso?

Conversamos com estudantes de Cáceres e Sinop para saber as razões que os (as) levaram a desistir do curso. Entre as respostas, o trabalho apareceu como um elemento central em grande parte das narrativas. Iniciaremos pela experiência narrada por Ebum, a qual sua desistência está ligada ao trabalho.

A empresa tinha uma vaga em outra cidade aí de novo bateu a mesma coisa que ocorreu no ensino fundamental que o importante era permanecer no trabalho. Se tivesse como ficar eu já teria acabado o curso. (Ebum, 30 anos, desistente, Cáceres)

Durante a entrevista, relatou que até bem pouco tempo pensava que nunca teria a oportunidade de fazer um curso superior, por dois motivos: por ter começado a trabalhar muito cedo e porque pensava que a única opção eram as universidades particulares, não acreditava que os cursos nas universidades públicas eram gratuitos. Morava em São Paulo, capital, e, quando foi para Cáceres, “vi o curso, a questão das cotas. Eu percebi que poderia entrar, naquele ano. Fiz pelas cotas e fiquei em terceiro lugar no primeiro vestibular que eu prestei”.

Halima também teve que deixar o curso por causa do trabalho,

Um pouco foi por causa do trabalho, mas se fosse olhar por outro lado, a pessoa teria que estar na faculdade para melhorar a sua vida futuramente. E, quando se é jovem tem que trabalhar, a gente fica em dúvida entre estudar e trabalhar.

Pesquisadora: Trabalhar e estudar, você sentiu que foi difícil acompanhar a

turma? Gilmar: A pessoa que entra só para estudar mesmo, sem serviço é bom, mas aí trabalhando é ruim de conciliar, tem que encaixar as coisas. E na UNEMAT é bom, porque é um curso gratuito, não tem que pagar. (Halima, 24, desistente, Cáceres)

A desistência de Hadiah está ligada à não identificação com o curso. Faltavam apenas dois semestres para se formar. Quando desistiu por

Falta de estímulo. Eu buscava o ensino da língua inglesa e aperfeiçoamento da escrita. Acredito que fiz uma escolha enganosa e desde o primeiro semestre eu falava para o meu pai que pensava em desistir, e ele dizia: “não desiste filho”. Daí eu fui levando, até que chegar um momento que a gente não aguenta mais. Agora eu estou tentando fazer aquilo de que gosto e acredito que eu tenho potencial para fazer o curso que escolhi, que é Direito. (Hadiah, 22 anos, desistente, Cáceres)

99Desistente é o termo que a Secretaria Acadêmica usa para o (a) estudante que não efetua a matrícula e de frequentar as aulas. Usamos o mesmo termo porque, embora entendamos que o (a) estudante não deixa de frequentar as aulas simplesmente porque não efetuou a matrícula ou algo parecido. Existem motivações outras que vem impedindo-o de permanecer.

194 Dalilah sempre quis cursar Matemática. Desde criança tinha um sonho: fazer um curso que trabalhasse com números. O primeiro vestibular fez para o curso desejado, mas não passou. Na segunda tentativa fez para Pedagogia, passou e, logo que se matriculou no curso, desistiu.

Porque meu marido teve que trabalhar fora e eu não tinha com quem deixar meus filhos, aqui em casa morava só eu e ele. Era a família que eu tinha aqui, e não tinha com quem deixar, estava desempregada, não tinha como pagar alguém e foi por isso que eu parei. (Dalilah, 30 anos, desistente, Cáceres)

Os motivos de Hafsa foram bem parecidos com o de Dalilah,

Quando eu comecei meu marido estava encostado pelo INSS. Ele ficava em casa e, para mim, o primeiro semestre foi tranquilo. Ele ficava com as crianças e eu ia para a universidade. Quando ele voltou a trabalhar ficou difícil. Tinha que levar meu filho e ele tem quatro anos. Tenho duas filhas que estudam pela manhã, uma delas também faz Ciências Contábeis. Pesquisadora: Você levava o filho para a faculdade? Sim, levava, mas os professores não estavam gostando. Ele não parava na minha sala e nem na sala da minha filha. Começou a atrapalhar. Foi então que decidi dar uma pausa. Quando ele crescer mais um pouco e estudar de manhã, eu aproveito e estudo também. (Hafsa, 30 anos, desistente, Cáceres)

Haifa estudava a noite e era bolsista pela manhã, mas teve que deixar o curso por problemas de saúde e por gravidez,

Tive problema de estômago e da vesícula. Tive que operar. Depois da operação, o plano era retornar, mas fiquei internada muitos dias. Fui para Cuiabá, fiquei sedada, na UTI e toda a minha família teve que ir comigo. E a segunda vez que deixei o curso foi porque engravidei, já tinha feito a matrícula e não dei conta de frequentar as aulas. (Haifa, 30 anos, desistente, Cáceres)

Em Sinop foi feito contato com três estudantes. Ramia disse que desistiu do curso porque não era o curso desejado,

Desisti porque eu ingressei em outra faculdade. Eu passei em Veterinária que, desde o início, era o que eu realmente queria, daí eu larguei a segunda opção e abracei aquela que realmente queria, veterinária. (Ramia, 24 anos, desistente, Sinop)

Ramatulai cursava Pedagogia no noturno e passou em um concurso. Teve que escolher entre fazer o curso ou assumir o novo trabalho,

O motivo do meu trancamento foi o trabalho sempre. Hoje temos que trabalhar, estudar, levar a vida corrida e esse tempo que eu fiz a faculdade, eu vinha do trabalho, chegava em casa, comia um lanchinho, tomava banho e corria para faculdade. Foram dois anos assim. A grande dificuldade foi essa. De ensino aprendizagem dentro do campus eu não achei não, a dificuldade maior foram os motivos externos: trabalho e família. (Ramatulai, 33 anos, desistente, Sinop)

Assim como Haifa, estudante de Cáceres, Rahena também desistiu porque engravidou e não conseguir retornar mais,

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Não foi nem pela faculdade, foi porque eu tive um bebê e não conseguia ficar na aula sem ele. Aí levei ele na faculdade por três meses, mas decidi trancar. Não consegui mais voltar para o curso de Pedagogia. Hoje faço Educação Física em uma faculdade particular. Falta um semestre para eu concluir. (Rahena, 34 anos, desistente, Sinop)

A hipótese que tínhamos inicialmente era que a desistência poderia estar relacionada a alguma experiência de racismo e preconceito. Com base nos estudos realizados por Cavalleiro (2000) e Santos (2006), esses são um dos principais motivos da evasão escolar, principalmente a dos negros, em qualquer fase do ensino. Embora nenhum dos estudantes tenha relatado qualquer experiência relacionada a isso, não se descartou essa hipótese. Em contato com esses (as) estudantes percebi um desconforto em conversar sobre a desistência do curso, uma experiência interrompida. Em princípio tinha uma amostra com mais de 20 nomes, mas poucos (as) aceitaram conceder uma entrevista sobre essas experiências.

Após conversar com os (as) estudantes, destacamos alguns dos motivos que os levaram a desistir do curso entre os quais:

1) Dificuldade em conciliar o trabalho e estudo; 2) Não ter com quem deixar os filhos;

3) Problemas de saúde;

4) Gravidez durante a realização do curso 5) Não identificação com o curso;

6) Ausência de uma política de acompanhamento; 7) O ingresso com idade entre 17 e 19 anos.

Comparamos as respostas que nos foram concedidas, com a pesquisa realizada por Barbosa (2013). A pesquisadora fez a mesma pergunta aos seus entrevistados (as): Quais os motivos que levou à desistência? Barbosa trabalhou com uma amostra de professores e de estudantes cotistas e não cotistas da UNEMAT, do curso de Enfermagem, do Campus de Cáceres. Infelizmente os dados referentes aos alunos (as) não estão separados pela situação de cotistas e não-cotistas, para saber se alterariam as respostas.

Tabela 77 - Opinião de professores (as), estudantes cotistas e não-cotistas sobre as razões que levam a

desistência. Enfermagem. Campus de Cáceres. 2013

Questões Professor Alunos

% %

Dificuldade de acompanhar o curso 43,7 13,3

Fatores econômicos e sociais 10,6 8,3

Dificuldade do aluno em conciliar trabalho e estudo 8,8 23,4

Não identificação dos alunos com o curso 8,8 20,0

Ausência de política de acompanhamento 10,6 2,5

Falta de interesse do aluno 1,8 9,2

196 Nos excertos das narrativas dos (as) da pesquisa que realizamos, não apareceu o motivo relacionado à “dificuldade de acompanhar o curso” e nem a “falta de interesse do aluno”. As experiências se assemelham se comparadas com as motivações relacionadas à “Dificuldade do aluno em conciliar trabalho e estudo” e “Não identificação dos alunos com o curso”.

Nesse sentido valeria a pena ampliar a amostra do survey para ampliar o leque de respostas e verificar se a variável “dificuldade de acompanhar o curso” permanecerá em maior proporção que a variável “falta de interesse do aluno” analisando separadamente cotistas e não cotistas.