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1.2: Breve histórico macroeconômico entre 1989 e 2010.

A economia brasileira sofreu uma profunda transformação durante o século XX. Não apenas suas taxas de crescimento foram maiores que as de qualquer outra economia nacional nesse século, como também teve sua base econômica radicalmente alterada, passando de uma economia fundamentalmente agrário-exportadora para uma economia de denso tecido urbano-industrial. Nesta intensa transformação da economia brasileira, pode-se afirmar que as estratégias de planejamento e fomento do Estado desde 1930 até 1980 desempenharam importante papel nessa evolução, que, por meio de ampla intervenção na economia, visava a promover a industrialização do país por substituição de importações e, dessa forma, a montagem de um sistema industrial amplo e coeso (CANO, 2012; CANO, 2008; GREMAUD, TONETO JR & VASCONCELLOS, 2007; CARNEIRO, 2002).

O período após a crise de 1929 até o fim da segunda grande guerra foi um período de crise e turbulência internacional, em que o país pôde ampliar sua indústria através do deslocamento do centro dinâmico de acumulação, num processo paulatino de “substituição de importações” devido aos frequentes estrangulamentos externos experimentados (FURTADO, 2000, cap. 32). Contudo, entre o fim da segunda guerra e o primeiro “choque do petróleo”, em 1973, o cenário internacional se alterou e a economia mundial passou por forte expansão econômica liderada pela indústria e pela expansão das transnacionais estadunidenses e europeias, e o Brasil aproveitou para ampliar ainda mais sua industrialização. O processo de industrialização brasileiro ganhou força com a instalação das indústrias de bens de consumo durável, bens de capital, insumos básicos e energia. Como resultado, houve intensa transformação da estrutura industrial e a indústria aumentou sua participação no PIB fortemente. (FIESP, 2015; GREMAUD, TONETO JR & VASCONCELLOS, 2007, cap. 16).

Porém, desde a década de 1970 as nações desenvolvidas estavam completando o amadurecimento de suas industrializações e lentamente entrando em crise (CANO, 2014; BONELLI, 2005). Já no início da década os EUA promovem uma desvalorização de sua moeda, que resultou, em 1973, no desmonte do padrão de Bretton Woods e na criação do padrão dólar-flexível (SERRANO, 2002). O discurso

para enfrentamento da crise começou a se construir no denominado neoliberalismo e na Globalização Produtiva e Financeira, com políticas de desregulamentação comercial, financeira, produtiva, dos contratos de trabalho (com consequente precarização e rebaixamento de custos) e do “estado de bem-estar social”, além de uma alteração no entendimento do papel do Estado Nacional na economia (GREMAUD, TONETO JR & VASCONCELLOS, 2007, cap. 22). Dentro deste contexto, em fins de 1979, mudanças drásticas na política monetária estadunidense, particularmente com uma elevação significativa dos juros básicos, deflagraram uma profunda crise na economia internacional.

O efeito imediato para os países subdesenvolvidos e fortemente endividados em moeda estrangeira, como o Brasil, foi o corte substancial do financiamento externo, que se desdobrou em outros efeitos perniciosos: alta inflação, queda do investimento, baixo crescimento, crise crônica de balanço de pagamentos, corte do crédito interno, elevação acentuada das dívidas públicas externa e interna e aprofundamento das crises fiscais e financeiras do Estado nacional, debilitando ainda mais o gasto e o investimento público (CRUZ, 1999).

Essa conjunção fez com que aquela ação do Estado brasileiro no plano nacional e regional fosse profundamente diminuída e também com que o investimento privado se debilitasse, notadamente o industrial, durante toda a década de 1980. A política econômica nessa década se voltou quase que exclusivamente à geração de saldos comerciais para fazer frente à escassez de divisas necessárias para o pagamento dos serviços da dívida. Em termos de setores produtivos, a indústria se enfraqueceu, e os segmentos que ainda apresentaram algum crescimento mais expressivo foram os vinculados às exportações agroindustriais, minerais e de insumos básicos, além dos vinculados à questão energética, como álcool de cana de açúcar e petróleo (CANO, 2008). A taxa de crescimento da economia se reduziu bruscamente em relação ao desempenho obtido nos trinta anos anteriores, crescendo a uma sofrível média anual de 2,2% na década de 1980, conforme explicitado na tabela 4. A indústria da transformação, que contém a maior parte dos ramos industriais e outrora liderara o crescimento da economia, teve um desempenho médio anual ainda pior, de apenas 0,9%, em contraste com a média anual de 9,0% da década de 1970.

Tabela 4: Taxas médias de crescimento real dos setores do PIB (em %). 1970-1980 1980-1989 1989-2003 2003-2013 1989-2013 PIB 8,7 2,2 1,8 3,7 2,6 Agropecuária 3,8 3,2 3,7 3,0 3,4 Indústria 9,8 1,2 1,1 2,8 1,8 Ind. Transf. 9,0 0,9 1,0 2,0 1,4 Serviços 8,0 3,1 1,9 3,8 2,7 Ano

Fonte: Cano (2008) entre 1970 e 1989; Contas Nacionais do IBGE entre 1989 e 2013.

Em paralelo a esta conjuntura, houve uma mudança de discurso político no plano internacional para retomar o dinamismo das economias subdesenvolvidas latino- americanas após uma década de “estagflação”, ou seja, baixo crescimento econômico com altas taxas de inflação12. Em detrimento da estratégia anterior de articular um conjunto de medidas a fim de construir deliberadamente competitividade (para alcançar um sistema industrial completo), através de estratégias conjuntas do Estado e do setor privado, estratégias supostamente geradora de “ineficiências” de mercado, defendia-se que bastavam algumas reformas neoliberais aliadas à estabilidade macroeconômica (leia-se, estabilidade de preços) para uma inserção positiva da economia (e, em especial, da indústria) brasileira na nova dinâmica internacional (CANO, 2008; LAPLANE & SARTI, 2006; CARNEIRO, 2002). Concretamente, após o início da década de 1990, a economia brasileira sofreu mudanças estruturais muito importantes, resultados do movimento de globalização produtiva (flexibilização produtiva em virtude das transformações tecnológicas) e financeira (integração financeira com restrições menores que as do momento anterior), de abertura comercial, da estabilização dos preços e de um processo de desnacionalização e privatização da atividade produtiva (ALMEIDA & BELLUZZO, 2002; BARROS & GOLDENSTEIN, 1997a).

Esta visão adotada de desenvolvimento econômico era a antípoda da anterior, visando à geração de uma onda de intensa modernização na qual somente os agentes mais aptos e mais eficientes sobreviveriam ao desafio da competitividade. Nas palavras de Carneiro, este modelo tem “a concorrência como motor primordial do processo” (CARNEIRO, 2002, p.310). A ampliação da concorrência e da eficiência

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Vide, por exemplo, o famoso texto com dez medidas para a América Latina conhecido como Consenso de Washington: WILLIAMSON, John. What Washington Means by Policy Reform. In: WILLIAMSON, John. (ed.). Latin American Adjustment: How Much Has Happened? Washington: Peterson Institute for International Economics, 1990.

geraria o estímulo necessário para a incorporação de progresso técnico, promovendo aumento de produtividade e, dessa forma, aumentos de salários reais.

Para se atingir tais objetivos, os formuladores dessa nova política econômica se utilizaram de uma ampla abertura econômica e de um processo de desnacionalização e privatização. A abertura econômica, ao rebaixar de forma abrangente as tarifas alfandegárias da economia, permitiria a entrada de novos produtores em mercados anteriormente protegidos e forçariam as empresas a se tornarem mais competitivas, enquanto que o processo de desnacionalização e privatização propiciaria uma suposta maior eficiência na gestão de negócios, bem como eliminaria os afamados monopólios estatais (ALMEIDA & BELLUZZO, 2002).

Carneiro (2002) explicita alguns pressupostos importantes destas estratégias neoliberais. Primeiramente, não apenas a abertura levaria a uma maior concorrência nos mercados domésticos, como também propiciaria um maior acesso a mercados forâneos por meio do aumento de produtividade esperado. Há, também, o suposto de que a globalização da atividade produtiva conduziria à “superação da dicotomia mercado interno versus mercado externo com especialização local em certos segmentos da cadeia de valor agregado” (CARNEIRO, 2002, p. 311), ou seja, a produção local se especializaria em certas cadeias de valor agregado segundo suas vantagens comparativas, promovendo maior produtividade. Parte-se do entendimento estático de que a especialização da atividade produtiva nos mercados de maiores vantagens comparativas resultaria em ganhos de produtividade da economia como um todo, que resultaria, por sua vez, em maior geração de rendas (lucros e salários). Ao estimular a especialização produtiva dos espaços, pode-se localizar aqui uma das raízes dos processos de fragmentação das atividades produtivas, algo esperado e benéfico nestas propostas para superação do baixo dinamismo econômico e industrial brasileiro da década de 1980.

A primeira atitude de grande importância nesse novo paradigma foi a implantação de um rápido processo de abertura comercial. Desde logo, as barreiras não-tarifárias foram inteiramente eliminadas, e se aboliu o Anexo C, uma lista da qual participavam cerca de 1300 produtos cuja importação era proibida em razão da existência da produção de similar nacional (CARNEIRO, 2002). Num breve período de

cinco anos, de 1990 a 1994, diminuíram-se as tarifas alfandegárias numa velocidade surpreendente, reduzindo-a a uma média de um terço da prevalecente no início da década, conforme disposto na tabela 5:

Essa abertura econômica se manteve mesmo após os anos 2000, com uma certa recuperação em relação a 1994. Entretanto, essa recuperação ocorreu em função do aumento da proteção à indústria automotiva e seus componentes – os valores máximos entre 2000 e 2014 são referentes a essa indústria (automóveis, camionetas e utilitários em 2000 e 2005; caminhões e ônibus em 2008 e 2014). Se excluíssemos essas duas subcategorias do cômputo, a proteção efetiva da indústria brasileira cairia para 28,3 em 2000, 20,3 em 2005, 22,1 em 2008 e 22,8 em 2014, níveis bem mais próximos aos anos de 1993 e 1994.

Tabela 5: Proteção efetiva da indústria brasileira entre 1990 e 2014 (%).

Ano 1990 1991 1992 1993 1994 2000 2005 2008 2014 Média 47,9 38,8 31,5 23,3 15,4 28,9 27,1 28,0 28,7 Desvio Padrão 36,2 32,2 25,9 17,0 10,3 15,0 33,7 28,0 28,5 Mínimo -2,3 -1,8 -2,1 -2,0 -1,9 -6,0 -4,6 -8,2 -3,1 Máximo 155,8 124,8 98,7 98,7 44,6 58,6 180,0 127,6 132,7

Fontes: Holanda (1997, p.55) entre 1990 e 1994; Castilho (2015, p.33) entre 2000 e 2014.

O sentido geral das mudanças provocadas pela abertura comercial foi a de uma especialização da estrutura produtiva. Segundo Carneiro (2002), o coeficiente importado (importações sobre produção) quadruplicou entre 1990 e 1998, passando de 5,7% para 20,3% no período. A contrapartida dessa especialização deveria ter sido uma ampliação do coeficiente exportado (exportações sobre produção) que lograsse compensar a perda de mercados domésticos. Todavia, tal fato não ocorreu, pois este último coeficiente sequer dobrou entre 1990 e 1998, elevando-se de 8% para 14,8%. Este movimento ocorreu de forma mais acelerada após 1994 (com a conjunção de abertura comercial com câmbio valorizado), quando o coeficiente importado dobrou até 1998 e o coeficiente exportado aumentou apenas 21%. A partir de outros dados, Coutinho (1997) chega à mesma conclusão.

A segunda medida de grande impacto foi a implantação do Plano Real em 1994, que logrou alcançar a estabilidade de preços na economia brasileira após mais de uma década de descontrole inflacionário. Este objetivo foi atingido através de uma

âncora cambial, ou seja, ele utilizou-se da fixação do valor externo da moeda para lograr a estabilidade do seu valor interno (GREMAUD, TONETO JR & VASCONCELLOS, 2007; COUTINHO, 1997).

Na década de 1990, observou-se uma notável inflexão dos fluxos de capitais. Com a abertura da economia no início dessa década, o Brasil se inseriu no novo ciclo de liquidez mundial, contando com uma abundância de financiamento externo e de entrada de capitais até 1997 (CANO, 2008; ALMEIDA & BELLUZZO, 2002; COUTINHO, 1997), possibilitando a manutenção do valor externo da moeda utilizada pelo Plano Real ao desencorajar tentativas de especulação contra a paridade estabelecida. O país começou a receber influxos maciços de capital a partir do fim de 1991, quando ainda era ameaçado pela hiperinflação. Entretanto, como mostra Coutinho (1997), nos primeiros anos da abertura, capitais voláteis (isto é, de curto-prazo) representavam a maior forma de absorção de recursos financeiros externos, resultado das elevadas taxas de juros fixadas a fim de manter fluxos líquidos elevados. Este fluxo intenso de divisas, destaca-se, era fundamental para a manutenção do valor externo da moeda nacional. Ademais, grande volume de recursos estrangeiros que entraram na forma de Investimento Direto Estrangeiro (IDE) constituiu-se, majoritariamente, por compras de ativos e empreendimentos nacionais (privados e estatais), sem representar considerável acréscimo de capacidade produtiva (CARNEIRO, 2002). Isso posteriormente aumentou expressivamente as remessas de lucros para o exterior, constituindo uma necessidade substancial de captação de recursos. Este padrão de desnacionalização prosseguiu mesmo após a crise cambial de 1999, quando, por exemplo, entre 2004 e 2014, 1876 empresas nacionais passaram para controle estrangeiro13, contribuindo para aumentar as remessas de lucros para o exterior. Observa-se, na tabela 6, a intensificação dos fluxos de remessa de lucros, juros e dividendos após 1996 e, principalmente, após 2004, atingindo US$55 bilhões em 2011. Comparando-se esse fluxo com o saldo das transações correntes brasileira, por exemplo, pode-se dimensionar o tamanho deste impacto nas necessidades de captação de divisas por meio da conta capital e financeira para não comprometer as

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KPMG. Pesquisa de Fusões e Aquisições – Fusões e Aquisições “cross broder 1”. Vários Anos. Disponível em http://www. kpmg.com/br/pt/estudos_analises/artigosepublicacoes. Acesso em 23 de novembro de 2015.

reservas do país - capitais que, por envolver direitos e obrigações com não-residentes do país, irão gerar mais saídas de lucros e de juros no futuro, deteriorando ainda mais a posição externa do país.

Tabela 6: Comparativo entre as despesas de lucros, juros e dividendos para o exterior com o saldo das transações correntes brasileira (em US$ bilhões).

Ano Saldo das Transações

Correntes (A)

Remessa de Lucros,

Juros e Dividendos (B) (A) - (B)

1989 -13,3 1,0 -12,2 1995 -13,4 -18,4 -31,8 2000 -20,2 -24,2 -44,4 2005 -27,8 14,0 -13,8 2006 -32,2 13,6 -18,6 2007 -38,9 1,6 -37,4 2008 -51,0 -28,2 -79,2 2009 -40,4 -24,3 -64,7 2010 -44,7 -47,3 -92,0 2011 -55,4 -52,5 -107,9 2012 -43,4 -54,2 -97,6 2013 -46,1 -81,2 -127,3 2014 -42,6 -91,3 -133,9

Fonte: Banco Central do Brasil.

Outro impacto significativo introduzido pelo Plano Real foi a forte apreciação da taxa de câmbio, de forma a reduzir os custos de importações, limitar a possibilidade de aumento de preços e, dessa forma, provocar uma queda ainda mais acentuada da inflação (CANO, 2012; MACEDO, 2010; CARNEIRO, 2002). O Gráfico 1 mostra a valorização da taxa de câmbio efetiva real do período, ou seja, a taxa de câmbio ponderada pelos pesos dos 13 principais parceiros comerciais brasileiros e descontada a inflação registrada nos preços de atacado das manufaturas no período. Esta ponderação mostra a taxa de câmbio média que a indústria da transformação teve de enfrentar na competição contra produtos estrangeiros no mercado nacional e nas suas tentativas de ganhar mercados externos. Fica evidente que, a exceção do período entre 1991 e 1993 e de um período de crises cambiais entre 1999 e 2004, a tendência das últimas duas décadas foi a de manutenção de taxas significativamente apreciadas de câmbio, com uma preocupante valorização contínua nos anos após 2004 que ultrapassam à valorização imposta no início do Plano Real, de forma a reduzir a

demanda agregada e manter reduzidos índices de inflação (âncora cambial). Ademais, como mostra o gráfico 2, a taxa de câmbio brasileira foi a mais apreciada entre as economias latino-americanas selecionadas durante quase toda a década de 1990 e foi a que mais se apreciou na década de 2000, seguramente prejudicando a competitividade da indústria da transformação. Isso demonstra o papel central que a âncora cambial teve como estratégia de manter a inflação (e a demanda agregada) em níveis baixos (LACERDA et. al., 2013, p.231). O único período em que o câmbio não realizou esta função foi a muito contragosto, causado por crises externas (e evidentemente a fragilidade da posição externa brasileira), mas que tão logo quanto possível foi estabilizado e valorizado progressivamente.

Gráfico 1: taxa de câmbio efetiva real, deflacionada pelo IPA-IT, entre 1989 e 2015 (dez/2003 = 100). 50,0 60,0 70,0 80,0 90,0 100,0 110,0 120,0 130,0 140,0 Fonte: Funcex.

Gráfico 2: taxa de câmbio efetiva real para países selecionados entre 1990 e 2014 (2005 = 100). 50,00 60,00 70,00 80,00 90,00 100,00 110,00 120,00 130,00 140,00 150,00 19 90 19 91 19 92 19 93 19 94 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 20 07 20 08 20 09 20 10 20 11 20 12 20 13 20 14

Brasil Chile Colombia México

Fonte: CEPAL.

Nos anos mais recentes, o discurso oficial do primeiro governo Dilma Roussef (2011-2014) foi atribuir a valorização da moeda à uma “guerra cambial” desleal praticadas pelos outros países14, ou seja, a uma intervenção dita “artificial” dos bancos centrais de outros países que desvalorizavam suas taxas de câmbio em relação ao que seria a taxa obtida com flutuação livre (de interferências dos bancos centrais). Esse argumento, porém, além de ser incoerente com a gestão de qualquer economia nacional, mostra-se igualmente infundado com as práticas do Banco Central após o Plano Real, incluindo o governo Dilma Roussef. Na prática, o governo trabalhou arduamente para manter o câmbio valorizado, intervindo em vários momentos para impedir sua desvalorização, como visto, entre outros exemplos, em agosto de 2013, mês em que o Banco Central criou um “programa” de intervenções planejadas no câmbio para conter a alta do dólar em 201315.

A manutenção de um câmbio sobrevalorizado e de elevadas taxas de juros tiveram efeitos deletérios para a economia brasileira e sobretudo para a indústria da

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Além de numerosos pronunciamentos, observar, por exemplo, que um dos desafios descritos pelo último plano de incentivo industrial, o Plano Brasil Maior, era “combater os efeitos da ‘guerra cambial’ e das incertezas do cenário internacional” (MDIC, 2011, p.10, grifo nosso).

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http://economia.uol.com.br/cotacoes/noticias/redacao/2013/08/22/bc-anuncia-leiloes-em-dias- determinados-para-tentar-segurar-alta-do-dolar.htm. Acesso em 23 de novembro de 2015.

transformação. Se num primeiro momento, além de atrair capitais, ela evitou o crescimento excessivo da demanda agregada e a fuga para ativos reais, ela decerto reduziu o potencial de demanda efetiva da economia (ALMEIDA & BELLUZZO, 2002). Ademais, ela inibiu fortemente o investimento, redirecionando quantias expressivas de capital para o setor financeiro, e reduziu drasticamente a proteção da economia e da indústria da transformação perante a concorrência internacional (CANO, 2012). Posteriormente, com o crescimento significativo das despesas financeiras e não- financeiras do Estado, ela exigiu um “ajuste fiscal permanente” (MERCADANTE, 1997, p.154-155) para gerar superávits nas contas primárias governamentais a fim de conter (mesmo que parcialmente) o ritmo de endividamento estatal. Isso se verifica no gráfico 3, que mostra elevado superávit primário mantido em todos os anos entre 1999 e 2013 utilizado para pagar o elevado custo da dívida.

Segundo o Banco Central16, a taxa de juro básica da economia entre 1995 e 2000 foi de exorbitantes 28,7% a.a., manteve-se em 15,3% a.a. entre 2001 e 2008 e somente entre 2009 e 2014 atingiu-se uma média de 8,9% a.a., taxa ainda bastante elevada em termos internacionais, atraindo fluxos maciços de capitais financeiros, sobretudo, e colaborando para a manutenção de taxas de câmbio apreciadas. O custo nominal médio dos juros da dívida pública foi de 7,8% do PIB entre 1995 e 2000 (e exorbitantes 13,2% em 1999), 7,2% do PIB entre 2001 e 2008 e 5,4% do PIB entre 2009 e 2014. Como consequência, a dívida pública brasileira cresceu a um assustador ritmo de 24,5% ao ano entre 1995 e 2014 e passa de 5,4% do PIB em março de 1995 para 39,4% em março de 2015. No gráfico 4, observa-se o crescimento da dívida em termos nominais e em relação ao PIB brasileiro, bem como o crescimento médio anual da dívida nominal por mandato. Não podemos ignorar, também, que este modelo econômico privilegia a reprodução financeira do capital e que os juros reais exorbitantes permitiram ganhos expressivos aos “investidores” brasileiros e estrangeiros.

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Gráfico 3: Superávit primário e déficit nominal do setor público entre 1995 e 2014 (% PIB).

Gráfico 4: Dívida Pública do governo federal entre 1995 e 2014 (esquerda em R$, direita em % PIB).

Fonte: CNI.

Como mostrou a tabela 4, o crescimento econômico médio anual do período entre 1989 e 2003, foi ainda menor do que o baixo crescimento obtido na década de 1980, década que se rotulou “perdida”. Em ambos os casos, a expansão da indústria da transformação foi significativamente menor que a média do total da economia, evidenciando que a crise econômica desse período foi uma crise marcadamente industrial. Vale notar, também, a expansão do setor primário nesses anos, bastante superior à média nos dois períodos, evidenciando uma regressão relativa em termos produtivos para o antigo modelo de dinamismo econômico focado na demanda externa de produtos primários.

Após este longo período de crise e recessão, o PIB voltou a crescer moderadamente, a uma média anual de 3,7% entre 2003 e 2013, graças a três fatores centrais, conforme aponta FIESP (2015) e Cano (2012). Primeiramente, e mais importante, o aumento do consumo privado, impulsionado pelo aumento do crédito ao

consumidor17; pela forte elevação real do salário mínimo; e por algumas políticas de transferência de renda, como o Bolsa Família.

Em segundo lugar figura o aumento do financiamento público ao investimento (estatal e privado), a despeito da política fiscal restritiva. E, por fim, a expansão das exportações, puxadas pelo aumento da demanda física e do preço dos produtos primários, particularmente pela enorme demanda chinesa, ainda que as importações tenham crescido acima das exportações a partir de 2005.

Entretanto, este crescimento não foi suficiente para contrarrestar os efeitos negativos das políticas de câmbio e juro sobre a indústria da transformação, cujo crescimento anual médio ficou em apenas 2,0%. Não surpreende, portanto, que este arranjo macroeconômico, ao invés de propiciar um rápido crescimento econômico aliado a ganhos de produtividade, tenha resultado na manutenção do mesmo baixo crescimento e baixa taxa de inversão que pretendia combater. Destarte, a economia brasileira não logrou superar o baixo crescimento observado na década de 1980, crescendo a uma taxa média anual de apenas 2,7% entre 1989 e 2014, e com uma taxa média de inversão de 19,7% do PIB, significativamente menor que a média de 25% dos anos 1970 (CANO, 2012). Mesmo com a retomada do crescimento econômico após 2003, a taxa de inversão média não aumentou. Como demonstra a tabela 7, o desempenho brasileiro em termos de crescimento e de inversão foi inferior à média dos países subdesenvolvidos, à média da América Latina e principalmente à média da Ásia subdesenvolvida, que adotou, de forma geral, estratégias bastante distintas de desenvolvimento econômico e industrial18.

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O comprometimento da renda familiar com dívidas aumentou de 18,4% em janeiro de 2005 para 46,3%