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2.1: Desconcentração industrial de São Paulo e impactos da Guerra Fiscal após 1989.

Durante o intenso processo de transformação econômica vivida pelo Brasil no século XX, a emergência da indústria concentrou-se no estado de São Paulo desde o início do século, devido à preexistência de uma base industrial (embora pequena e fundamentalmente restrita ao setor de bens de consumo não-duráveis) advinda da acumulação de capitais excedentes da cafeicultura (CANO, 1998). A concentração econômica e industrial paulista prosseguiu durante mais de seis décadas, e atingiu seu ápice ao final da década de 1960, quando São Paulo respondia por 58,1% da produção da indústria de transformação nacional e 39,5% do PIB nacional, conforme mostrado pela tabela 20. Entretanto, a despeito do forte aumento dessa concentração em São Paulo, localizada principalmente em sua capital, isto não resultou em estagnação ou recessão da periferia nacional. Ao contrário, o aumento do peso paulista na produção nacional se deu concomitantemente com o do crescimento dos demais estados brasileiros, embora ligeiramente abaixo de São Paulo, formando complementaridades produtivas e cadeias produtivas regionalmente conectadas, por meio das relações estabelecidas entre distintos setores econômicos (MACEDO, 2010; CANO, 2007; PACHECO, 1998). Destarte, São Paulo comandava o processo de acumulação no país de forma conectada às demais regiões, atuando como eixo da produção nacional, estimulando, nesse período, a produção periférica nacional, notadamente da agropecuária e de matérias primas industrializadas.

A dinâmica destacada por Cano (1998) mostra como esse processo gerou vários efeitos – de destruição, de estímulo e de inibição – sobre o restante da economia

nacional, à medida que se integrava o mercado interno brasileiro, aumentando a articulação entre as diferentes regiões do país, em oposição à configuração pré 1930, quando as regiões eram verdadeiras “ilhas”, predominantemente orientadas para o exterior e em menor escala para o resto do país (CANO, 2007).

Após atingir seu ápice de concentração em 1970, São Paulo passa a experimentar um processo de desconcentração econômica e industrial até os dias de hoje, como demonstra a tabela 20. Todavia, Cano (2008) divide esse processo de desconcentração em duas fases com dinâmicas distintas. A primeira, de fins dos anos 1960 até meados dos 1980, São Paulo e sua indústria cresciam a taxas bastante elevadas e os demais estados cresciam ainda mais, com um forte aumento dos fluxos econômicos entre as regiões. A década de 1970 foi marcada por elevadas taxas de crescimento nos períodos do “milagre” econômico (1968 a 1973) e do II PND (1974 a 1979). Este último tinha objetivo explícito de promover a desconcentração produtiva no país, o que reforçaria as complementariedades regionais. Dentre os projetos realizados estavam extração de minério de ferro em Carajás (Pará), produção de aço (Espírito Santo), extração de petróleo (Rio de Janeiro) e indústria química e petroquímica (Sergipe, Alagoas, Bahia, Minas Gerais), dentre outros (SAMPAIO, 2015, p.163; LESSA, 1998, cap. 2). À desconcentração econômica e industrial deste período, Cano (2008) denominou de “desconcentração virtuosa”.

Tabela 20: Participação do PIB do estado de São Paulo no PIB brasileiro (em %).

Ano 1970 1980 1989 2000 2010 2012 Total 39,5 37,7 39,7 35,1 32,1 31,0 Agropecuária 18,0 14,2 14,4 8,6 11,3 11,0 Indústria 56,4 47,3 44,7 39,9 33,3 29,8 Ind. Transf. 58,1 53,4 49,9 45,1 42,0 40,8 Serviços 35,0 34,8 36,1 35,3 33,3 33,0

Tabela 21: Estrutura setorial do PIB do estado de São Paulo (em %). Ano 1970 1980 1989 1995 2000 2005 2010 2012 Agropecuária 5,7 3,9 3,5 1,6 1,4 1,8 1,9 1,9 Indústria 43,8 51,2 48,3 33,5 31,5 31,7 29,1 25,0 Ind. Transf. 39,9 44,3 40,9 24,8 22,1 24,0 21,2 17,0 Serviços 50,4 44,9 48,2 64,9 67,1 66,5 69,1 73,1

Fonte: Cano (2008) entre 1970 e 1989; Contas Regionais do IBGE entre 1995 e 2012.

Porém, com a estagnação industrial e rápido declínio do crescimento econômico vividos após 1980, com o fim do sonho desenvolvimentista, teve-se início à denominada “desconcentração espúria” (CANO, 2008). Nesta, tanto São Paulo como o restante do Brasil apresentaram crescimento débil (inclusive negativo em muitos ramos e segmentos industriais) e o pequeno decréscimo da participação de São Paulo decorreu, em vários segmentos produtivos, de diferenciais de taxas negativas ocorridas em ambas regiões ou, se positivas, de baixa dimensão. Ou seja, uma desconcentração aparente e não decorrente de expressivos aumentos territoriais de produção. Os setores de bens de capital e duráveis de consumo foram os mais pesadamente afetados nessa crise da indústria brasileira. São Paulo, por concentrar o principal parque industrial do país e boa parte dos segmentos mais complexos, seria o estado mais afetado pela crise do que o restante da economia nacional (FUNARI, 2009). Ademais, a dinâmica de alguns setores regionais da produção passou a se articular muito mais ao exterior do que ao mercado interno, conforme demonstraram Pacheco (1998) e Macedo (2010).

No período de nosso estudo, entre 1989 e 2010, a “desconcentração espúria” econômica e industrial de São Paulo se aprofundou em sua forma aparente, sem significativos acréscimos de produção e resultante de pequenos diferenciais de crescimento, em muitos casos diferenciais de taxas negativas. São Paulo continuou sendo o estado com maior participação no VTI da indústria da transformação brasileira (FIESP, 2015; CANO, 2008), mas sua indústria da transformação cresceu apenas 0,2% ao ano entre 1980 e 1989, 1,0% entre 1989 e 2004, enquanto a indústria de transformação do país cresceu 0,9% e 1,7% nos respectivos períodos (CANO, 2008, p.24). Assim, a indústria da transformação paulista sofreu um impacto ainda mais penoso que a média da economia nacional em consequência da gestão

macroeconômica e das reformas liberais após 1989. Enquanto a indústria da transformação reduziu sua participação na estrutura produtiva nacional em 57,4% entre 1989 e 2013 (conforme tabela 8), a tabela 21 mostra que ela reduziu sua participação no PIB do estado de São Paulo em 58,3% entre 1989 e 2012. Nem mesmo a retomada do crescimento econômico, após 2003, que ampliou a demanda por bens intermediários e commodities, foi suficiente para alterar esta trajetória de declínio da indústria de transformação. Mais grave, com a sobrevalorização cambial do período pós-real, as importações passaram a ter participação crescente no fornecimento desta indústria, tensionando ainda mais as cadeias produtivas no país.

De forma semelhante, o PIB per capita do estado (a preços constantes de 2010) cresceu a uma média real anual de 0,9% entre 1989 e 2011, contra 1,6% do país. Embora tenha crescido a uma média de 3,3% entre 2002 e 2008, contra uma média de 2,9% do Brasil, seu desempenho foi pior que o nacional entre 2008 e 2011, quando cresceu a 2,2% contra 2,8%, e entre 1989 e 2002, quando decresceu 0,4% ao ano, contra um crescimento de 0,7% do Brasil. Desta forma, se São Paulo possuía um PIB

per capita médio 73% maior que a média do país em 1989 (em R$ de 2010), em 2011

seu PIB per capita era 51% maior. Isto é, a diminuição do hiato de renda de São Paulo com o restante do país se deveu novamente aos diferenciais de taxas de crescimento muito baixas, quando não negativas, reflexo do péssimo dinamismo econômico brasileiro sob a égide neoliberal.

Tabela 22: Crescimento médio real do PIB per capita a preços constantes (em %).

Ano 1989-2002 2002-2008 2008-2011 1989-2011 1989-2000 2000-2011

Brasil 0,7 2,9 2,8 1,6 0,7 2,4

São Paulo -0,4 3,3 2,2 0,9 -0,4 2,3

Fonte: Contas Nacionais do IBGE.

Logo, São Paulo sofreu com maior agudez o baixo dinamismo industrial e a substituição de produção doméstica por importações apresentados anteriormente, reduzindo-se de sobremaneira sua participação na produção industrial nacional. Os resultados das medidas neoliberais, embora sentidas em todo o país, foram particularmente nefastos para o principal parque industrial brasileiro, provocando

grande desaceleração e regressão na estrutura industrial, como se discutirá adiante. Ademais, as atividades mais dinâmicas nesse novo modelo de acumulação, ligadas a recursos naturais e ao agronegócio, ocorreram fora do estado de São Paulo, com a expansão da fronteira agrícola e mineral nas regiões centro-oeste e norte, além do crescimento urbano (e dos serviços, portanto) maior fora do estado de São Paulo, justamente em cidades pequenas ou médias, em termos dimensionais, e nas regiões norte e centro-oeste, em termos regionais (CANO, 2011). Todos esses fatos contribuíram para a queda da participação paulista no total nacional.

As mudanças ocorridas após as reformas neoliberais influenciaram no processo de interação entre as esferas microeconômicas, macroeconômicas e territoriais, porém sem ser capazes de sustentar um crescimento econômico de mais largo prazo (SAMPAIO, 2015), promovendo apenas breves ciclos de crescimento num padrão típico de “voo de galinha”. Além disso, como bem argumenta Macedo (2010), embora o país tenha caminhado para uma maior desconcentração produtiva e demográfica, diminuiu-se a integração do mercado nacional, ainda que moderadamente, e o desempenho díspares entre as regiões tornou-se “cada vez mais reflexo das forças de mercado e da ausência de políticas regionais de desenvolvimento, descolando-se de qualquer perspectiva de constituição de um projeto nacional com equidade territorial” (MACEDO, 2010, p. 2), principalmente porque:

"(...) as atividades com melhor desempenho no período – agronegócio e indústria extrativa - seriam aquelas com menor poder de adensamento do tecido produtivo. Apresentam, portanto, menor capacidade para aprofundar a divisão social do trabalho e gerar, com isso, atividades dinâmicas que garantam a imprescindível diversificação produtiva” (MACEDO, 2010, p.34).

A desconcentração espúria também se revela pelos dados das Pesquisas Industriais Anuais do IBGE (PIA). Observando apenas a queda de participação da indústria paulista no valor da transformação industrial nacional (ou seja, na agregação de valor nacional), observa-se que, como lócus central da indústria da transformação, a crise da indústria paulista é generalizada. A participação de sua indústria da transformação no VTI nacional caiu de 50,9% em 1996 para 37,3% em 2013, conforme tabela A-18 exibida no anexo estatístico. A perda de peso na estrutura produtiva nacional é maior justamente nos setores de maior intensidade tecnológica (SAMPAIO, 2015, p.166). A análise mais detalhada mostra que São Paulo perdeu participação no

VTI nacional em todos os grupos e divisões industriais discriminados por intensidade tecnológica pela OCDE, a exceção de um único segmento – fabricação de Aeronaves, que passou de 68,4% do VTI nacional em 1996 para 93,8% em 2013, dada a importância e a expansão da EMBRAER em São José dos Campos. Em todos os demais segmentos, São Paulo reduziu sua participação no Valor Transformado Industrial, e em 16 deles a queda de participação foi superior a 10 p.p.! As principais quedas de participação no VTI brasileiro foram de manutenção, reparo e instalação de máquinas e equipamentos (de 66,5% em 1996 para 32,5% em 2013); veículos automotores (de 75% para 46% no respectivo período); produtos derivados do petróleo (de 50,8% para 28,7%), celulose e papel (de 59,1% para 40,5%) e máquinas, aparelhos e materiais elétricos (de 60,5% para 44,3%). Destaca-se, também, a queda de produção de biocombustíveis (de 57,1% para 47,7%). Ainda assim, quatro segmentos possuíam em 2013 uma participação maior do que a metade no VTI nacional: fabricação de aeronaves (93,8%); produtos farmoquímicos e farmacêuticos (71,3%); máquinas e equipamentos (54,1%) e produtos de borracha e de material plástico (52,5%).

Relacionando a desconcentração dos grupos e segmentos de São Paulo com seu desempenho na estrutura do VTI nacional, descrita no capítulo anterior, vemos que o único segmento que aumentou sua concentração em São Paulo entre 1996 e 2013, fabricação de aeronaves, aumentou ligeiramente sua participação no VTI nacional. Dentre os demais grupos e segmentos que se desconcentraram em relação ao estado e que aumentaram seu peso no VTI nacional foram produtos derivados do petróleo, produtos alimentícios, manutenção, reparação e instalação de máquinas e equipamentos, veículos automotores, reboques e carrocerias, embarcações, produtos de minerais não-metálicos, artigos do vestuário e acessórios, equipamentos de transporte não especificados anteriormente, móveis, coquerias e produtos de madeira. Por outro lado, os segmentos que se desconcentraram em relação ao estado e que perderam participação no VTI nacional foram impressão e reprodução de gravações, produtos químicos, equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos, produtos têxteis, produtos farmoquímicos e farmacêuticos, máquinas, aparelhos e materiais elétricos, celulose, papel e produtos de papel, couros e fabricação de

artefatos de couro, artigos para viagem e calçados, biocombustíveis, produtos do fumo, produtos de borracha e de material plástico, bebidas, máquinas e equipamentos, produtos de metal, exceto máquinas e equipamentos, metalurgia e produtos diversos.

Segundo os mesmos dados, os estados que mais ganharam participação no VTI nacional entre 1996 e 2013 foram os estados do Paraná (de 5,4% para 8,4%), Goiás (de 1,1% para 2,7%), Bahia (de 2,6% para 4%) e Santa Catarina (de 4,6% para 5,7%). Entre os estados com maior VTI em 2013, após São Paulo, Minas Gerais apresentava 9,4% do VTI nacional naquele ano, seguido por Paraná, com 8,4%, Rio Grande do Sul, com 8,3%, Rio de Janeiro, com 7,6%, Santa Catarina, com 5,7% e Bahia, com 4%. Há uma estreita relação dessas relocalizações industriais com a guerra fiscal, isto é, disputas acirradas entre regiões, estados e municípios pela atração de investimentos através de incentivos fiscais, como nos casos de Goiás e Bahia.

O Brasil é país continental, populoso e com uma organização político- institucional de quase 5600 unidades administrativas (MACEDO & ÂNGELIS, 2013). Se federações são complexas por natureza, a federação brasileira é particularmente complexa e com conflitos federativos proporcionais ao seu tamanho e a sua diversidade, herança de profundas distorções socioespaciais e econômicas, fruto de seu desenvolvimento histórico, tanto como colônia, como economia primário- exportadora, e como economia periférica urbano-industrial, cujo dinamismo econômico se alterou profundamente no século XX, partindo de um “modelo de desenvolvimento voltado para fora” para uma economia – periférica – com significativo grau de diversificação industrial (TAVARES, 2011). Como notam Macedo e Ângelis (2013, p.206), “os problemas federativos se avolumaram a partir da integração econômica do mercado nacional desencadeados pela industrialização brasileira”. Isso decorreu da concentração industrial e econômica na região sudeste e, em especial, em São Paulo, devido ao efeito das economias de escala como o motor de acumulação de capital no desenvolvimento industrial. Portanto, segundo os autores:

“Se a industrialização rompeu o secular predomínio dos arquipélagos [econômicos], caracterizados pela relativa autonomia regional e baixa integração inter-regional, dando-lhes sentido de unidade nacional, por outro ao se unificar partes tão díspares estruturalmente formadoras de um todo desigual heterogêneo e combinado ampliou a tensão entre os entes federados, especialmente dentre os mais pobres, que passaram a reivindicar a construção

de modelo de crescimento mais igualitário” (MACEDO & ÂNGELIS, 2013, p.206).

A riqueza de exemplos e a recorrência do discurso sobre a necessidade de se rever o pacto federativo brasileiro confirma o alerta feito por Fiori (1995):

“Os arranjos políticos federativos tenderão a se fazer tão mais complexos e difíceis quanto menos sólidos sejam os sentimentos prévios de identidade coletiva e quanto maiores sejam os níveis de desigualdade na distribuição de poder e de riqueza entre as regiões e os grupos sociais” (FIORI, 1995, p.26).

Não que no Brasil haja tensões separatistas violentas como em outros países; contudo, conforme notam Macedo e Ângelis (2013, p. 206-207), o arranjo político-institucional que sustenta o federalismo brasileiro encontra seus limites conjunturais nas políticas que definem o modelo econômico em cada período e seus limites estruturais na herança histórica do truncado processo de construção nacional, que sempre patinou entre o excessivo centralismo de caráter autoritário e a manutenção descentralizada dos poderes (também autoritários) das elites locais. Estes, apesar de diminuídos desde a década de 1930, foram ao longo do tempo sucessivamente reinventados e redefinidos na disposição político-institucional e econômica que sustenta a acumulação subordinada e dependente das elites brasileiras frente aos capitais internacionais, financeiros e produtivos.

Dentro deste contexto, a guerra fiscal – “ações competitivas em detrimento de práticas cooperativas para a atração de investimentos através de políticas fiscais” (MACEDO & ÂNGELIS, 2013, p.206) – intensificou as disputas entre as unidades subnacionais (estados, regiões, e até mesmo municípios), principalmente após a mudança do papel do Estado e das políticas econômicas no Brasil no final do século XX. Assim, influenciadas por uma concepção liberal sobre as vantagens da descentralização, tanto no âmbito tributário quanto no âmbito da promoção do desenvolvimento econômico (CARDOZO, 2010, p.17; Brandão, 2007, p.35), reduzindo o poder de coordenação de políticas do Estado nacional para o desenvolvimento regional, como pela reestruturação e relocalização dos investimentos em âmbito global decorrentes da globalização produtiva (GREMAUD, TONETO JR & VASCONCELLOS, 2007, cap. 19), a guerra fiscal se intensificou a partir dos anos 1990, sendo um subproduto do modelo econômico adotado pelo país (CARDOZO, 2010).

Conforme ressaltado na página 23, o modelo econômico neoliberal contava com a melhor inserção externa da economia e das localidades em detrimento da maior exposição do mercado interno. Nesse sentido:

“As teorias e as práticas políticas (muitas delas revestidas de um caráter oportunista) norteadas pelos preceitos do desenvolvimento endógeno localizado travam, implícita ou explicitamente, uma oposição ao desenvolvimento nacional, à atuação do poder público na promoção do desenvolvimento econômico e ao poder de atuação da esfera nacional. Para os teóricos do desenvolvimento local endógeno, o local reúne todos os fatores necessários à promoção do desenvolvimento e é capaz de inserir-se individualmente na economia internacional. O objetivo maior das localidades é alcançar mercados externos, negligenciando-se as articulações econômicas e políticas internas com outros locais do mesmo espaço nacional” (CARDOZO, 2010, p.24).

É nesse sentido que a guerra fiscal deve ser entendida no Brasil: ela é a manifestação mais evidente e oportunista da disputa das elites locais para articular seus respectivos capitais e espaços locais nas frentes de negócios cada vez mais internacionalizados, num contexto em que os esforços do governo federal se direcionam mais para a gestão macroeconômica e menos para as políticas setoriais, como as de desenvolvimento regional e industrial (MACEDO & ÂNGELIS, 2013, p.207). Ademais, como reflexo do entendimento neoliberal sobre a relação entre Estado e Economia, transferiu-se para a atividade privada e para os mecanismos reguladores de mercado – que em realidade guardam poucas relações com os “modelos” de teoria econômica – a responsabilidade do econômico desenvolvimento regional, resultando na queda do investimento público estatal, no desmantelamento das políticas nacionais e regionais de desenvolvimento, e no sucateamento e extinção das instituições públicas anteriormente responsáveis pelas políticas de desenvolvimento regional (CARDOZO, 2010). Porém, como essa autora destaca, as forças de mercado, por si só, não resolvem os problemas da desigualdade regional. Em suas palavras:

“(...) No Brasil, não existem mecanismos sólidos de controle das forças de mercado e, dessa forma, o enfraquecimento das políticas de desenvolvimento coordenadas pelo Estado Nacional permitem a subsunção das localidades à lógica da acumulação de capital, em um mecanismo em que os poderes públicos estadual e municipal fazem grandes concessões para a iniciativa privada mesmo em um contexto de finanças altamente debilitadas e com engessamento de seus gastos” (CARDOZO, 2010, p.19).

Cardozo (2010, p.20-21) ressalta que a guerra fiscal também guarda relação direta com o sistema tributário brasileiro, no qual o imposto mais importante sobre o

valor agregado, o ICMS, é competência dos governos estaduais, ao contrário da tendência mundial em que, em sistemas federativos, os impostos sobre valor agregado são de competência do poder central. Macedo e Ângelis (2013) subdividem, ainda, dentro desta lógica, a guerra fiscal em dois grandes tipos: a de caráter comercial e a de caráter industrial. O primeiro, cujos incentivos se voltam para empresas de distribuição e de atacado, busca desviar os fluxos de mercadorias para os territórios do estado outorgante para que o mesmo passe a apropriar-se de receitas do ICMS que, em uma situação normal, seriam recolhidas no estado de origem. Em breve, destacaremos como esse tipo de Guerra Fiscal contribui para a desindustrialização. Já o segundo busca atrair as indústrias nacionais ou internacionais para seu território por meio de financiamento do ICMS e também de diferimentos e créditos outorgados desse imposto, não caracterizando um processo de desindustrialização, mas um de desconcentração industrial, em que pese os efeitos negativos reais para a arrecadação em âmbito nacional25.

Considerando inicialmente a guerra fiscal de caráter industrial, concretamente, para o nosso objeto e período de estudo, a dinâmica produtiva e a relocalização industrial de vários segmentos industriais sofreram interferência direta dela. Vimos acima que, ao passo que entre 1996 e 2013 a participação paulista no VTI nacional cai de 50,9% para 37,3%, os estados do Paraná, Goiás, Bahia e Santa Catarina foram aqueles que apresentaram maiores altas nessa participação.

O estado de Goiás apresentou ganhos continuados nos ramos produtores de bens de consumo não durável; Cano (2008) lembra que a expansão da fronteira agrícola para o norte e para o centro-oeste favoreceu a expansão desses segmentos industriais na região, enquanto Cardozo (2010) lembra que nesse estado ocorreram destacados incentivos fiscais e financeiros para setores agroindustriais, notadamente para grandes grupos agroindustriais.

O estado do Espírito Santo, por sua vez, foi bastante beneficiado pelo aumento de exportações de bens intermediários (CANO, 2008), aumentando sua especialização e também sua participação no VTI nacional nesses segmentos. Chama

25

Sobre os efeitos potenciais e reais da guerra fiscal de caráter industrial nos territórios e na nação, ver o primeiro capítulo de Cardozo (2010).

a atenção, também, o aumento de participação no VTI nacional de Máquinas e Equipamentos, estimulado pelo aumento da demanda para máquinas para indústria extrativa e bens intermediários (GOMES, 2008, p.55). Já o estado da Bahia tem seu aumento justificado, em grande medida, aos incentivos fiscais oferecidos para Fabricação e Montagem de Veículos Automotores e Produtos de Informática (CARDOZO, 2010).

O estado do Paraná apresenta uma elevação na participação dos setores produtores majoritariamente de bens de consumo durável e de bens de capital, em parte relacionada à expansão de máquinas e equipamentos para a agricultura, atividade dinâmica no estado, e em parte é relacionada aos incentivos fiscais que contemplaram o setor automotivo (CARDOZO, 2010).

Cardozo (2010, p.62), contudo, faz uma ressalva aos dados de