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Breve histórico sobre o tema Ciência nas Constituições brasileiras

PARTE I – O TRABALHO, A INOVAÇÃO E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL

2.2 A REGRA-MATRIZ DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO NA

2.2.1 Breve histórico sobre o tema Ciência nas Constituições brasileiras

Até a Constituição da República Federativa de Brasil de 1967 não havia dispositivo específico no plano constitucional acerca de ciência, tecnologia ou, muito menos, inovação.51 Notoriamente, o nível de desenvolvimento das ciências e o papel das normas constitucionais até o início da segunda metade do século XX não impunham o estabelecimento de previsões constitucionais a respeito desse tema bastante específico.

Vale dizer, no entanto, que a Constituição do Império de 1824, apenas em matéria correlata, já previa que os inventores teriam a propriedade de suas descobertas, conforme inciso XXVI do art. 179, influenciada que foi aquela Carta Magna, nesse ponto, pelo Alvará, de 28 de abril de 1809, considerado o marco inaugural do direito de propriedade industrial no Brasil.52

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891, manteve a mesma linha de garantir a titularidade dos inventos industriais aos seus autores, preservando um privilégio temporário de exploração e, também, a possibilidade de concessão

51 SILVA, Thiago de Carvalho e Silva e. A inovação tecnológica... 2015, p. 62-76.

52 Referido doutrinador inicia sua brilhante obra indicando a importância do Alvará de 1809, destacando, por seu

turno, quão restritiva era a política imposta à colônia neste aspecto, dizendo que “até se transferir a Corte Portuguesa para o Brasil, em 1808, o regime colonial a que estava sujeito o país, <<o mais odioso que se criara até então no mundo>>, no dizer de um historiador, não era propício ao seu desenvolvimento comercial e industrial, nem a qualquer progresso econômico. Ao contrário, a política da metrópole orientava-se exclusivamente no sentido de explorar as riquezas naturais de sua opulenta possessão americana e entravar por todos os meios qualquer surto de atividade que pudesse pôr em risco os interesses econômicos e financeiros da Coroa ou ameaçar-lhe a soberania, favorecendo a independência política da colônia (CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade

de um prêmio para o caso de necessária vulgarização do invento. É interessante notar que, historicamente, aquilo que veio a ser conhecido como direito de exploração dos inventos industriais era chamado “privilégio temporário”, evidenciando o quão limitado era o direito dos inventores sobre tais coisas.

Em 16 de julho de 1934, a nova Constituição praticamente repetiu os dispositivos que tratavam, de forma correlata, ao tema, merecendo destaque dois pontos notáveis, quais sejam, a inserção das expressões “autores de obras literárias, artísticas e científicas [...]”, quando assegurou o direito de produção e exploração econômica dessas obras e a inédita inclusão de dispositivo constitucional que veiculava a noção de “Ordem Econômica”, em seu artigo 115.53

Na sequência, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937, em razão do golpe engendrado por Getúlio Vargas, trouxe alterações relevantes em toda a estrutura da norma constitucional brasileira, atingindo, claro, os dispositivos vinculados à produção industrial e intelectual. Houve supressão de importantes dispositivos sobre o tema. Até mesmo a liberdade de ofício e profissão sofreu flagrante restrição e controle, pela própria imposição da estrutura ditatorial daquele tempo.54

Por outro lado, a Carta Constitucional de 1937 veiculou dispositivo específico sobre o tema em apreço, a saber:

Art. 135 - Na iniciativa individual, no poder de criação, de organização e

de invenção do indivíduo, exercido nos limites do bem público, funda-se a

riqueza e a prosperidade nacional. A intervenção do Estado no domínio econômico só se legitima para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado. A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a forma do controle, do estímulo ou da gestão direta.55

53 O artigo 115 da Constituição Federal de 1934 previa que “a ordem econômica deve ser organizada conforme os

princípios da Justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade econômica.”, de maneira que a limitação da própria atividade econômica e seu direcionamento para que o objetivo principal fosse alcançado, isto é, garantir a todos existência digna, foi pela primeira vez no âmbito constitucional expressamente veiculada (BRASIL. Constituição da República Federativa dos Estados Unidos do Brasil de 16 de julho de 1934. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm>. Acesso em: 20 dez. 2017).

54 SILVA, Thiago de Carvalho e Silva e. A inovação tecnológica. 2013, p. 69.

55 BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 10 de novembro de 1937. Disponível em:

Pela primeira e única vez nos textos constitucionais brasileiros houve a indicação do “poder de invenção do indivíduo” que, por evidente, deveria representar a base a toda a estruturação normativa em matéria de proteção da propriedade intelectual e atinente à inovação. Além disso, no mesmo dispositivo que o poder de invenção do indivíduo era mencionado como fonte da riqueza e prosperidade da nação, também havia o tratamento da intervenção do Estado no domínio econômico, com a indicação objetiva de que tal intervenção deveria almejar a introdução “no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses da Nação [...]”, finalizando com a possibilidade de esta intervenção ocorrer na forma de “estímulo”.

Em um só dispositivo constitucional trataram-se todos os aspectos da intervenção do Estado no domínio econômico para direcionar as atividades na área de pesquisa científica, mediante estímulo. O texto não se repetiu nas subsequentes Constituições, infelizmente. Perdeu-se no tempo a veiculação no plano normativo constitucional do referencial básico de qualquer inovação, qual seja, o poder de criação individual da pessoa humana. E, tampouco, voltou-se a tratar de forma tão direta o papel do Estado nessa seara, mediante estímulos.

Assim, em 18 de setembro de 1946, ou seja, no pós-Segunda Guerra Mundial, retomou- se parcialmente a estrutura constitucional anterior ao período Vargas, reinserindo-se dispositivos existentes na Constituição de 1934, inclusive de que “os inventos industriais pertencem aos seus autores, aos quais a lei garantirá privilégio temporário ou, se a vulgarização convier à coletividade, concederá justo prêmio”, conforme § 17º do artigo 141. Além disso, a Constituição de 1946 trouxe dispositivo relacionado à Ordem Econômica, no artigo 145,56 muito semelhante ao insculpido na Constituição Federal de 1988, tratando de justiça social, liberdade de iniciativa e valorização do trabalho humano.

Em adição, o artigo 173 previa que “as ciências, as letras e as artes são livres”, além da importante previsão de que “a lei promoverá a criação de institutos de pesquisa, de preferência junto aos estabelecimentos de ensino superior”, conforme parágrafo único do artigo 174. Como já mencionado em 2015 sobre este dispositivo constitucional:

Estava lançada juridicamente no Brasil, há quase 70 anos, a ideia de a pesquisa ser desenvolvida a partir dos estudos realizados nas Universidades e demais Instituições de Ensino superior. Em verdade, esta ideia – historicamente

56 BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 18 de setembro de 1946. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm>. Acesso em: 15 mai. 2017. Conforme disposto no artigo 145: “A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano.”

importante, como se viu – ainda permeia fortemente os envolvidos em pesquisa e desenvolvimento no Brasil, porventura se tornando um impedimento natural (histórico) para o desenvolvimento de pesquisa, também, junto à iniciativa privada, nas empresas.57

Em setembro de 2016, completaram-se exatos 70 anos que a Carta Política brasileira previu diretriz expressa acerca do necessário estímulo que a lei deve impor para a criação de institutos de pesquisas, constituindo o embrião das atuais ICT’s.

Em 1967, dando um passo adiante ao quanto havia sido previsto acerca do tema, a Constituição Federal daquele ano trouxe, em seu artigo 171, o que, mais de 20 anos depois, viria a ser a própria diretriz básica inserida no Capítulo da Ciência, Tecnologia e Inovação na CF/88, ao aduzir que:

Art. 171 – As ciências, as letras e as artes são livres.

Parágrafo único – O Poder Público incentivará a pesquisa científica e tecnológica.

Verifica-se na inserção do parágrafo único junto ao tema ciências, letras e artes um deslocamento topográfico do tema em evolução ao quanto havia sido estabelecido na Constituição de 1946, em que a questão, ainda que tratada de forma mais precária, estava ligada ao amparo do Estado à cultura.

Como se depreende, a evolução histórica do tema nas constituições brasileiras demonstra que a atuação da pessoa envolvida em pesquisa científica e tecnológica deixou de constituir uma expressão cultural. Acha-se claro que o foco da pesquisa científica e tecnológica se deslocou, assim, a posição de destaque junto ao papel do Estado nessa matéria, que é, literalmente, de incentivo à pesquisa, não mais como uma expressão cultural do indivíduo.58

57 SILVA, Thiago de Carvalho e Silva e. A inovação tecnológica. 2013, p. 74; 75.

58

“esta alteração de perspectiva trazida na Constituição de 1967 foi muito importante para se sedimentar a ideia de que o desenvolvimento científico e tecnológico deve ser objeto de políticas públicas de Estado, vinculado às ciências e não mais como mera expressão cultural desenvolvida pelos entes particulares. O interesse alterou-se da esfera do ente individual, como dimensão apenas cultural, passando para o coletivo, na perspectiva do interesse público existente no próprio desenvolvimento desta espécie. Foi, de fato, uma mudança drástica de concepção que veio a ser confirmada pelos artigos 218 e 219 da CF/88 (SILVA, Thiago de Carvalho e Silva e. A inovação